Cultura Pop
Frank Zappa: doenças venéreas, nicotina e rock’n roll
“Olá, meu nome é Frank Zappa, eu sou um músico de rock and roll. Eu sou um compositor. E eu faço filmes. Antes de eu entrar no negócio do rock – desculpe-me – eu tinha um estúdio de gravação em Cucamonga, Califórnia. No fim daquela época, fui enquadrado e preso pelo pelotão de San Bernardino, por ter feito um filme pornô. O que depois se mostrou definitivamente fraudulento. Então eu montei o The Mothers Of Invention, caímos na estrada, lançamos um monte de coisas, e uh, era isso”.
Isso era Frank Zappa apresentando-se aos fãs na abertura do documentário “A day with Frank Zappa”, dirigido em 1971 por Roelof Kiers especialmente para a TV da Holanda. Cheio de imagens de Zappa na intimidade, com sua família e amigos, e de entrevistas inacreditáveis, o filme pula logo para cenas do músico no palco, tocando “Call any vegetable” com a formação dos Mothers da época, repleta de supermúsicos como Aynsley Dunbar (bateria), Don Preston (teclados) e a dupla Flo & Eddie nos vocais. Pouco depois, Zappa é flagrado em seu estúdio trabalhando sem parar e, num papo com A equipe, lembra que quando era criança não era muito interessado em música e preferia explosivos. “Produzi pólvora quando eu tinha seis anos. Naquela época, meu pai estava trabalhando em um lugar na Costa Leste chamado Edgewood Arsenal. É onde fizeram gás venenoso durante a Segunda Guerra Mundial”. Elucidativo, mas bastante irônico, também lembra que no começo, ouvia muitas críticas. “Diziam que minha melodias eram feias”.
“FZ: O que você faz por dinheiro? Eu tenho uma banda de rock and roll.
Roelof Kiers: Pode repetir isso?
FZ: O que você faz por dinheiro? Eu tenho uma banda de rock and roll. O que você faz por dinheiro?”
Kiers, diretor do documentário, também bate um papo com Gail, mulher de Zappa, e também com Miss Connie e Miss Lucy, amigas do casal e ex-integrante do Girls Together Outrageously, girl group produzido por Zappa (e que gravou um único disco em 1967, “Permanent damage”). Numa das cenas mais inacreditáveis do filme, as duas recordam histórias do GTO e fumam feito duas chaminés enquanto tomam conta do pequeno Dweezil Zappa, filho do músico, soprando montes de fumaça na cara do garoto. Lucy, que foi namorada de Jeff Beck por uns tempos, relembra que uma vez foi para o quarto de hotel do guitarrista, usou suas botas e fez xixi no peito do músico. “No dia seguinte foi duro… Eu estava muito envergonhada quando o vi”, conta.
Em outra parte (tive que voltar isso algumas vezes pra ter certeza de que eu estava MESMO vendo isso), Zappa mostra um vidrinho e diz que ali carrega Flagyl. “É uma droga que você pode tomar se adquirir tricomoníase (doença venérea) na estrada”. Numa sinceridade… bom, “desconcertante” é uma maneira de definir tudo, Zappa, um sujeito nunca reconhecido por sua fidelidade no casamento, também filosofa sobre groupies e vida marital. “Você tem que ser realista sobre essas coisas, tipo ir pra estrada, pegar garotas, voltar para casa e contar à esposa que pegou gonorreia. O que vou fazer? Manter isso em segredo? Volto lá e falo: ‘Peguei gonorreia, vá ao médico’. Nós tomamos umas pastilhas de penicilina e é isso. Ela resmunga, mas é minha mulher”.
“A day with Frank Zappa” está, como você deve ter visto acima, no YouTube sem legendas em inglês ou português, nem mesmo automáticas. Só que como na internet, com paciência, se acha de tudo, um fã transcreveu todos os diálogos e passagens do filme (em inglês) e jogou na roda. Pega aí!
Crítica
Ouvimos: Bad Bunny, “Debí tirar más fotos”
Benito Antonio Martinez Ocasio, o popular Bad Bunny, não veio ao mundo pop a passeio. Debí tirar más fotos, seu novo disco, é um passeio pela musicalidade e pela identidade portorriquenhas – e esfrega na cara do mercado fonográfico que ele não tem nenhuma vontade de soar mais “americano” (estadunidense, enfim) para bombar nas paradas.
Já era uma prerrogativa de Bad Bunny desde os primeiros tempos, até porque ele é um dos nomes mais conhecidos do rap de idioma hispânico, mas Debí, mergulhado no reggaeton e em sons caribenhos, é um disco de memórias e sensações. Nuevayol, uma referência à pronúncia hispânica de “Nova York”, traz BB requerendo sua posição de rei do pop, e homenageando a comunidade latina que vive na megalópole. Baile inolvidable, que parece uma trilha sonora, cita as diversões calientes de Porto Rico e traz alunos da Escuela Libre de Música Ernesto Ramos Antonini, de San Juan, tocando salsa. Weltita tem cara de samba-rap e narra uma proposta de date praiano, com as falas do homem (Bunny) e da mulher (Lóren, da banda portorriquenha Chuwi) na história.
Com duração de mais de uma hora, Debí soa irregular em alguns momentos, mas compensa no storytelling (cabendo momentos em que o discurso de Bad Bunny é interrompido para uma mudança rítmica ou a entrada de uma gravação) e na variedade. E em especial no lado mobilizado, definido pelo próprio Bad Bunny como sendo “uma carta a Porto Rico”. A bebaça e doidaralhaça Cafe com ron é pura variação rítmica, cabendo pelo menos três estilos caribenhos, e no fim, um house cubano.
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La mudanza é orgulho portorriquenho purinho (“fala pra ele que essa é a minha casa, onde nasceu minha avó/daqui ninguém me tira, eu não saio daqui”), com letra falada no início e destaque para a percussão (que ganha alguns segundos só dela no final). Lo que le paso a Hawaii é som marolado e cigano, com vocal grave, e letra pregando que não quer que Porto Rico torne-se mais dominada ainda pelos Estados Unidos. A romântica e praguejadora Bokete (que traz encartado na letra um protesto bizarríssimo contra os buracos nas ruas de Porto Rico) abre em clima meio psicodélico, graças a uma gravação de guitarra ao contrário, como num sampling invertido. Não falta diversão em Debi tirar más fotos, e não falta raiz musical.
No lado mais descontraído e menos mobilizado das letras, Debí é um disco que aponta para dois lados, er, complementares. Ou Bad Bunny encarna o fodão que apronta todas nas boates e ganha as gatas, ou ele está chorando pelos cantos – geralmente de arrependimento por alguma merda que fez. El club abre em clima de trap, falando de boates, mulherada, drogas, bebedeira, até que… “mas o que minha ex está fazendo?’. “Os caras acham que estou feliz/mas não, estou morto por dentro/a discoteca está cheia e ao mesmo tempo, vazia/porque meu bebê não está lá”, choraminga.
Se você acha que parou por aí, tem mais. Pitorro de coco, repleta de violões ciganos (e cujo título faz referência a um drinque popular em Porto Rico), é dor de corno etílica das boas. Turista, cheia de cordas e sons acústicos, é… Bom, haja sofrimento: “na minha vida você era turista/você só viu o melhor de mim e não o que eu sofri/você foi embora sem saber o motivo das minhas feridas” – embora o rapper esclareça que a letra fala também dos turistas que vão à Porto Rico e saem de lá sem conhecer os problemas locais. E tem a quase faixa-título, DTMF, um reggaeton que vira algo parecido com funk carioca logo depois, e que traz Bad Bunny chorando pitangas pelo leite derramado (é a do verso-meme “devia ter tirado mais fotos quando tinha você/devia ter te dado mais beijos e abraços quando pude”).
Nota: 8,5
Gravadora: Rimas.|
Lançamento: 5 de janeiro de 2025.
Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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- Resenhamos Songs of a lost world aqui.
O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
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