Entrevista
Entrevista: Bobs (Active Minds) fala de punk rock, independência e política

O Active Minds é uma lendária banda inglesa de punk rock fundada em 1986 na cidade de Scaraborough, mesmo lugar que deu ao mundo o ator Ben Kingsley. Com uma formação bastante incomum, composta pelos irmãos Bobs (vocal e guitarra) e Set (bateria), esse dueto lançou por conta própria dezenas de albuns e EPs no melhor esquema “Faça Você Mesmo”, bem como excursionou pelo mundo inteiro, inclusive pelo Brasil em 2017. O Pop Fantasma contactou o simpático e verborrágico vocalista Bobs e o resultado disso foi essa entrevista onde ele fala (muito) sobre a cena punk mundial, política, serviços de streaming e muito mais. Divirta-se!
Primeiramente gostaria de dizer que estou muito feliz em entrevistá-lo. sou um grande fã do Active Minds! Gostaria que você fizesse uma breve introdução sobre vocês, quando a banda começou, quem são suas maiores influências e tudo mais para quem ainda não te conhece.
Começamos como Active Minds em 1º de janeiro de 1986 e formamos a partir das cinzas de outra banda chamada S.A.S. Eu era o cantor do S.A.S. (e mais tarde, virei segundo guitarrista também) e lançamos o EP Suave and sophisticated em 1985, mas depois que esse EP foi lançado a banda começou a se desintegrar.
Perdemos nosso baterista Vince e o guitarrista Tony, então meu irmão Set entrou na bateria e outro cara chamado Stu entrou para tocar guitarra. No entanto, a nova formação não estava funcionando tão bem quanto a antiga – Set, em particular, lutou para substituir Vince, já que Vince era o único músico devidamente treinado na banda, enquanto Set estava apenas começando a aprender. Então, embora tivéssemos lançado um EP e as pessoas começassem a nos perguntar sobre fazer shows, não estávamos tocando bem o suficiente (na minha opinião) para atingir os padrões que tínhamos antes.
Na véspera de Ano Novo de 1985, Set e eu discutimos a criação de apenas dois integrantes, reduzindo a música ao básico. Essa formação também nos permitiria focar no que queríamos dizer liricamente, de maneiras que não sentíamos ser possível com os outros caras da banda. Então, no dia seguinte, começamos a trabalhar como Active Minds, reformulando alguns sons antigos do S.A.S. e escrevendo novas canções. Dissemos aos outros dois que estávamos separando a banda e, como eles já tinham começado a trabalhar com outro projeto chamado Satanic Malfunctions, não sentimos que seria um golpe tão grande para eles, o compromisso deles com o S.A.S. já não era mais o mesmo. Mantivemos nossos equipamentos em nossa sala de ensaio e começamos a praticar apenas em dupla.
Desde então, obviamente lançamos muitas gravações e fizemos turnês por vários lugares, incluindo o Brasil. Eu não diria que temos “maiores influências” musicalmente, pois ouvimos uma grande variedade de coisas e muitas vezes tentamos incorporar diferentes estilos e elementos em nossas músicas (às vezes com mais sucesso do que outras, mas faz parte).
Uma coisa que acho muito interessante no Active Minds é que você usa temas políticos em suas letras, mas também escolhe temas diferentes para cantar, que são incomuns na cena punk, como fumar nos shows, as partes problemáticas da esquerda política, sobre uso e abuso de álcool e/ou outras drogas e por aí vai. Você recebeu muitas críticas por causa disso?
Tivemos algumas problemas quando desafiamos as coisas que aconteciam na cena punk ou hardcore, particularmente quando iniciamos as atividades, mas suponho que isso já era de se esperar, Porém o desejo de sermos honestos e verdadeiros connosco próprios foi uma das principais razões para deixarmos o S.A.S. e nos estabelecemos como Active Minds, então sabíamos desde o início que isso iria incomodar algumas pessoas.
Sempre tentamos ser atenciosos e honestos tanto no que dizíamos e quanto maneira como dizíamos, e também queríamos ser uma banda que questionasse o mundo que vemos ao nosso redor. Assim sendo, como uma grande parte da cultura ao nosso redor era a cenas musical e política as quais estávamos envolvidos, pareceu-nos natural portanto ver partes disso com um olhar crítico e comentá-las.
A internet tornou as fronteiras nacionais uma coisa do passado, deu às bandas uma janela aberta para levar sua música até as grandes massas e possibilitou que muitas pessoas no Brasil conhecessem o Active Minds. Por outro lado, tem fechado cada vez mais as pessoas em bolhas e alimentado o radicalismo político cada vez mais frequente no mundo. Como lidar com isso?
Este é um dos principais problemas dos nossos tempos atuais, e se eu soubesse como lidar com isso provavelmente não estaria sentado aqui escrevendo isto! (o papo com a gente foi por e-mail)
Penso que a polarização cada vez mais intolerante do discurso político é um enorme obstáculo ao progresso no mundo, mas o modelo de negócio das empresas de redes sociais fez com que isso se tornasse algo inevitável. Essas empresas precisam ganhar dinheiro, apesar de oferecerem serviços gratuitos aos que as utilizam. O seu fluxo de receitas provém da venda da atenção desses utilizadores aos anunciantes e os anunciantes pagarão sempre mais se tiverem a certeza de que as pessoas passam muito tempo em plataformas de redes sociais, ao invés das atividades às quais ocostumavam pagar para ter visibilidade, como TV, rádios e revistas.
Isto então cria um incentivo comercial para simplesmente manter as pessoas na sua plataforma o maior tempo possível, chamar a atenção delas e, de alguma forma, forçar o seu “engajamento”. Infelizmente, a controvérsia, o ódio e a negatividade chamam a atenção com muito mais facilidade do que qualquer outra coisa, então, com o uso de programas algorítmicos, é isso que passa a dominar. Não acho que seja algo que alguém planejou. Acontece que, no mundo das redes sociais, descobrimos que a merda chegou ao ápice.
Isso pode acabar? Não sei. Pode depender de este modelo de negócio começar a falhar ou não, e pode haver sinais de que isso está a acontecer. O “escândalo” da Cambridge Analytica (NOTA DO EDITOR: Em 2018, foi descoberto que a A Cambridge Analytica comprou informações pessoais de usuários do Facebook e usou esses dados para criar um sistema que permitiu influenciar as escolhas dos eleitores nas urnas, segundo a investigação dos jornais The Guardian e The New York Times) mostrou a muitas pessoas a realidade de que os seus dados estavam a ser recolhidos e manipulados por organizações com segundas intenções, e houve uma certa reação contra isso. Se as pessoas puderem cancelar o uso de muitos dados por terceiros e optarem por fazê-lo, o modelo se tornará menos útil para os anunciantes e esse fluxo de dinheiro poderá diminuir.
Ao mesmo tempo, os governos de todo o mundo exigem que as empresas de redes sociais assumam a responsabilidade pelos conteúdos nocivos nas suas plataformas, e a moderação desses conteúdos, além de exigir muita mão-de-obra, é dispendiosa, haja vista que os custos podem aumentar enquanto os rendimentos diminuem para elas. Em última análise, parece possível pra mim que a prestação destes serviços gratuitamente possa chegar ao fim, e penso que se as pessoas tivessem de pagar para utilizar o Facebook, o Twitter, o Instagram, etc., haveria uma queda significativa nessa escalada de ódio que surge quando se opera quase exclusivamente em bolhas online.
O problema então será, claro, o que viria a seguir? A cultura moderna está atualmente tão ligada ao acesso às redes sociais gratuitas que é difícil imaginar o que faríamos sem elas. Mas houve um tempo, muito recentemente, é claro, em que a nossa atual cultura online teria sido inimaginável. As coisas mudam de maneiras que não podíamos prever anteriormente e todos nós nos adaptamos de maneiras que nunca sabíamos que precisaríamos. Isso sempre vai acontecer.
Essa é uma curiosidade pessoal minha: por que vocês nunca tiveram um baixista? Foi uma decisão consciente começar como dupla?
Nos sentimos confortáveis trabalhando apenas nós dois. Não somos realmente uma banda; somos irmãos, e o Active Minds é a forma como esse relacionamento se expressa musicalmente. Trazer outra pessoa não parece certo, especialmente a essa altura do campeonato.
Sabemos que ser apenas um duo impõe restrições ao que podemos fazer musicalmente, mas aceitamos esse compromisso para não termos que nos comprometer com outras coisas que não teriam a ver com a gente. É por isso que começamos conscientemente como uma dupla. Eu sei que não havia muitas bandas de dois integrantes na época (e ainda não há), mas havia bandas que ouvíamos da Escandinávia ou da Itália onde o baixo era tão empurrado para o fundo que não nos pareceu tão necessário ter um, então pensamos que poderíamos fazer a coisa funcionar.
Qual a sua opinião sobre os serviços de streaming? Agora você não precisa de gravadoras para que sua mensagem chegue a mais pessoas, mas por outro lado, se até os artistas mainstream reclamam do que recebem das gravadoras, nós que somos artistas underground certamente sofremos ainda mais; afinal, também temos contas a pagar. Como sobreviver como artista nos dias de hoje?
Acho que é uma situação muito difícil para as bandas, assim como para tantas outras pessoas envolvidas no trabalho criativo. Essencialmente, o mundo moderno parece girar em torno de todos que querem acessar gratuitamente a este tipo de trabalho, mesmo que custe dinheiro e tempo para produzir, o que torna nosso trabalho subvalorizado. A única maneira de obter algum lucro parece então ser confiar nas receitas publicitárias, o que cria dois problemas para as bandas e outros que querem ser pagos pelo que fazem mantendo ao mesmo tempo alguma dignidade e respeito próprio.
Em primeiro lugar, é preciso envolver-se indiretamente na promoção da cultura consumista, porque sem essas receitas publicitárias convencionais o modelo de streaming não funciona de todo. E em segundo lugar, você precisa autopromover ativamente suas coisas, muito mais do que era necessário anteriormente. Este parece ser um fator da vida cotidiana, todo mundo lutando por espaço e atenção online de uma forma excessivamente competitiva. Este tipo de comportamento, na minha opinião, não está de acordo com o tipo de atitudes cooperativas que eu cresci vendo a cena punk e hardcore sempre fomentando.
Certamente é algo totalmente estranho para nós como banda e, ainda por cima, é algo em que não somos muito bons. A menos que você esteja transmitindo grandes volumes de material, a quantidade de dinheiro que você receberá não cobrirá os custos de ser uma banda que precisa ensaiar e pagar tempo de estúdio. Isso também leva as bandas a se tornarem mais comercialmente orientadas de outras maneiras – concentrando-se principalmente na fabricação de camisetas e outros produtos. Novamente, isso é algo em que jamais nos envolvemos. Nunca fizemos camisetas do Active Minds pra vender, por exemplo.
É claro que há alguns pontos positivos na prevalência do streaming também como forma de acessar música. Não se pode negar, ela torna a música muito mais facilmente disponível para pessoas de todo o mundo do que ela jamais foi. E também, a falta de dependência de formatos físicos pode poupar recursos naturais preciosos (embora isso seja difícil de dizer, pois não creio que alguém tenha analisado adequadamente o uso de energia dos serviços de streaming nesses termos; temos uma proliferação de centros de dados em todo o mundo, que utilizam grandes quantidades de energia apenas para manter os arquivos carregados sempre disponíveis para qualquer pessoa com acesso à Internet).
No final das contas, acho que para os músicos é praticamente um caso que você pode ter sucesso ou ter integridade e respeito próprio, pois parece praticamente impossível ter ambos. Mas talvez, no fim das contas, o jogo tenha sido sempre assim…
Quando você olha para trás, quais são algumas das melhores e piores lembranças dos anos que você passou com essa banda até agora? Como a cena hardcore punk mudou ao longo dos anos, do seu ponto de vista?
Acho que as melhores e as piores lembranças vêm da mesma atividade: Fazer turnês por diferentes países, conhecer novas pessoas, conhecer novos lugares e ouvir novas bandas. Muitos destes momentos foram alguns dos mais inspiradores da minha vida, particularmente nas primeiras vezes que nos afastamos da Europa no final dos anos 80 e início dos anos 90, e vimos a organização dos locais ocupados em muitos países. Quando vimos esses lugares pela primeira vez, o conceito era muito novo para nós (não havia locais ocupados e centros autônomos no Reino Unido dessa forma), e eles abriram nossa cabeça em muitos aspectos.
Algumas das nossas viagens também foram uma verdadeira aventura! Ver partes do mundo que provavelmente nunca imaginávamos que veríamos e da forma como as vimos… Além das nossas muitas viagens pela Europa, também tocamos no México, EUA, Canadá, Brasil, Rússia e Japão, cada um dos quais foi um enorme choque cultural em muitos aspectos. Também tocámos na Europa de Leste pouco antes da queda do Muro de Berlim e do colapso do sistema comunista naquele país, e isso foi ao mesmo tempo uma grande aventura e uma experiência cultural significativa para nós.
Às vezes, as coisas dão errado nas turnês (ficar doente e ter que continuar tocando noite após noite quando você realmente não é capaz de fazê-lo é desgastante demais). Houve alguns shows ruins – às vezes devido ao nosso estado de saúde, às vezes devido à má organização local (não quero dar exemplos disso, pois pode não ter sido culpa dos organizadores; eles podem ter tentado o seu melhor, mas lutaram contra situações as quais não estou ciente), e às vezes tivemos lugares inadequados, horríveis para nos hospedarmos depois. Mas, no geral, tudo é muito divertido.
Como as coisas mudaram? Quando começamos, em meados dos anos 80, a cena punk “Faça Você Mesmo” era bem nova e, em muitos aspectos, ingênua. Coisas como administrar selos e zines eram novidade para todos, então estávamos todos aprendendo como fazer isso na base da tentativa e erro. Houve muita atividade, pois parecia que mais pessoas estavam a se envolver no movimento querendo fazer a coisa engrenar.
Em meados dos anos 90, o número de pessoas que geriam coisas como editoras e selos tinha reduzido significativamente, mas penso que as pessoas também tinham descoberto como fazer as coisas melhor, porque era possível confiar mais na organização das coisas. Muitas das pessoas que ainda estavam ativas quando chegamos a meados dos anos 90 parecem ainda existir hoje; quando viajamos pela Europa, ainda trabalhamos e encontramos pessoas as quais tivemos nosso primeiro contato há mais de 20 anos. .
Obviamente, uma das principais diferenças agora tem sido a internet (não só na cena como em todas as demais esferas da vida). Tornou a comunicação com pessoas de outros países muito mais fácil, então organizar shows no exterior é algo que se tornou muito mais comum para as bandas. A oportunidade para que mais pessoas possam partilhar experiências com aqueles que, em algum momento, dificilmente teriam a oportunidade de conhecer é, obviamente, uma grande coisa. Mas, à medida que se tornou mais comum as pessoas obterem informações online, a presença de zines impressos diminuiu enormemente – particularmente os zines menores e os da turma do “Faça Você Mesmo”, o que é uma coisa triste
E também agora há uma dependência crescente do acesso à música online – mas a gente já discutiu isso antes…
Bobs, eu sei que você é membro do Partido Verde e até concorreu muitas vezes em eleições locais. Você chegou a se eleger? Também acho que Set também foi candidato ao Parlamento Europeu, estou certo? Qual é a sua principal agenda a nível local/nacional? Eu acho que isso pode parecer um pouco estranho ou contraditório para algumas pessoas, pois muita gente pensa que o Active Minds é uma banda anarquista… então quais são suas principais razões para se envolver com o Partido Verde?
Antes de mais nada, convém ressaltar que só eu estava envolvido com o Partido Verde, não o Set. Fui membro durante cerca de 20 anos e participei em muitas eleições, incluindo as eleições parlamentares britânicas e europeias. Também estive no Comitê Executivo Nacional do Partido durante três anos, servindo como Coordenador de Políticas.
A nível local, fui eleito para o Conselho local aqui por volta de 2006 e servi durante 5 anos, embora no final desse mandato já não fosse mais membro do Partido Verde nacional.
Saí há cerca de 15 anos após a decisão de criar o cargo de Líder do Partido. Até então, o Partido Verde não tinha líder e não seguia uma hierarquia política convencional – tendo antes uma cultura de tomada de decisão mais coletiva. Isso foi algo muito atraente para mim e foi a principal razão pela qual entrei. Considerei o Partido como um projeto não apenas para promover políticas progressistas sobre ecologia e direitos humanos, mas também como uma forma de abraçar uma forma diferente de fazer política, uma forma em que uma cultura participativa pudesse ser promovida. Com a decisão de passar para uma estrutura mais convencional, senti que o Partido começou a mudar os seus princípios para tentar perseguir os votos de um eleitorado mais passivo, e isso era algo que eu jamais podereia apoiar, então saí.
A principal agenda que sempre segui foi semelhante às coisas sobre as quais falei nas notas de capa dos discos do Active Minds: sustentabilidade ecológica, direitos humanos e animais, e uma distribuição mais justa de recursos tanto a nível nacional como em todo o mundo. Escrevi algumas das políticas nacionais do Partido na altura em que estive envolvido (incluindo as suas políticas fiscais e sociais) e fui uma das pessoas responsáveis pela supervisão dos manifestos eleitorais nacionais.
Não tenho a certeza de quantas pessoas que nos ouvem sabem que eu estava envolvido na política partidária desta forma, mas nunca escondi isso. Tenho certeza que muitas pessoas pensam em nós como uma banda anarquista, mas esse não é um rótulo que usamos para nos referirmos a nós mesmos. Nunca me considerei um anarquista. Acredito em sistemas administrativos de bem-estar social e justiça, acredito na existência de leis para coibir o comportamento daqueles que prejudicam o planeta e os seus habitantes e acredito no conceito de democracia, mesmo que muitas vezes fique aquém das suas promessas quando colocado em prática.
O que você sabe sobre a música brasileira?
Eu me lembro de ter lido sobre punk e hardcore brasileiro pela primeira vez no início ou meados dos anos 80, e me perguntando se algum dia conseguiria ouvir essas bandas. Mas assim que a banda começou, logo tivemos contatos no Brasil para quem estávamos escrevendo e negociando discos.
Sou colecionador de músicas de todo o mundo há quase 40 anos, inclusive de música brasileira, então acho que tenho muitos discos daí – de músicas antigas como Colera, Olho Seco, Inocentes, Ratos de Porão, etc. até bandas mais modernas. Adorei a crueza e o ataque primitivo do primeiro hardcore brasileiro (acho que a compilação Grito suburbano foi a primeira coisa que ouvi). Eu vi o Cólera tocar aqui há alguns meses, e aqueles primeiros discos deles têm muitas músicas maravilhosas.
E, claro, nem preciso dizer que o metal brasileiro também é bastante famoso por aqui…
Não posso deixar de perguntar. Você tem acompanhado o cenário político no Brasil? Qual é a sua opinião sobre isso?
Não é algo que acompanho de perto, mas durante o tempo em que Bolsonaro foi presidente, era difícil não prestar atenção em algumas coisas que aconteciam! Penso que o seu mandato foi de grande preocupação para muitas pessoas em todo o mundo e foi uma indicação de como as posições políticas repressivas e regressivas podem facilmente ganhar força, especialmente se um país parecer estar em alguma turbulência política. Fiquei, claro, muito satisfeito em ver Bolsonaro derrotado nas eleições e Lula de volta como presidente.
Obviamente, não sei como o povo brasileiro vê a sua situação política no dia a dia, mas do meu humilde ponto de vista aqui do outro lado do mundo, parece que Lula é um dos líderes políticos mais sinceros e com visão de futuro do mundo. Porém, novamente, parece que as presidências brasileiras estão sempre envolvidas em escândalos e processos criminais, e é difícil, daqui da Inglaterra, ter qualquer noção real se estas são ou não apenas caças às bruxas com motivação política (algo que sempre será reivindicado por aqueles que que estão sendo investigados, diga-se de passagem).
Não estou tendo a mesma sensação de caos e convulsões desde as últimas eleições (bem, pelo menos não desde a tentativa fracassada de manter Bolsonaro no poder à força que aconteceu aí em janeiro), mas ainda é o começo. Espero que não comecem mais a surgir alegações de corrupção, porque esse é exatamente o tipo de situação que favorece os homens fortes da política de direita.
Alguma chance de uma nova turnê brasileira? E que mensagem você gostaria de deixar para seus fãs daqui?
Nós fizemos uma turnê pelo Brasil em 2017 e aproveitamos muito nossa estadia aí. Porém, sendo muito honesto, acho improvável que voltemos. Estamos envelhecendo e nossos familiares também – temos problemas de saúde na família e precisamos estar sempre por perto para ajudar, então fazer turnês é complicado no momento. Além disso, não me sinto muito confortável em viajar para o exterior para fazer shows hoje em dia. O planeta está a lutar para lidar com as exigências que os humanos lhe colocam, por isso não quero acrescentar muito a isso e prejudicá-lo ainda mais, pareceria hipócrita para mim.
Então, para aquelas pessoas no Brasil que gostam do nosso material, desculpe, mas acho que é improvável que vocês nos vejam tocando ao vivo novamente. Mas ainda estamos gravando muita coisa (provavelmente agora mais do que nunca), então nos acompanhe no Bandcamp, em canais de streaming ou como você costuma acessar músicas.
E muito obrigado pelo seu interesse. Abraços!
Entrevista
Entrevista: Quântico Romance, banda de rock gótico do Rio, prepara disco para breve

No Rio de Janeiro, com todo aquele sol e calor, tem uma turma bem numerosa que curte som gótico, synth pop e pós-punk em geral. É uma galera animada que lota festas como a College, no clube Vizinha 123, ou as noitadas dedicadas ao som que rolam no Garage (pico roqueiro clássico que voltou), e que não mede esforços para acompanhar as bandas achegadas ao estilo que vêm tocar no Brasil – shows de The Cure, The Mission e Lebanon Hanover, que rolaram nos últimos tempos, deixaram a turma feliz. Essa cena é fomentada por iniciativas como a do selo carioca Paranoia Musique, que lança bandas como Griza Nokto e o Quântico Romance.
O Quântico Romance lançou clipe e single ano passado (o vídeo de Reprise foi gravado e lançado numa sala de cinema, e transformado em curta metragem ao lado do clipe de Redenção) e está na preparação de um álbum para breve. “A previsão é de sair em abril ou maio, ainda sem título definido, porém muito provavelmente será homônimo de alguma faixa”, conta Karlos Milton Junior (vocal, synths), que divide a banda com Nilton Jardim Junior (guitarras) e Bruno Dorian (bateria eletrônica)
Batemos um papo em duas etapas com dois integrantes do grupo (Karlos e Bruno) e soubemos de algumas novidades. Também conversamos sobre influências cinematográficas na música do grupo, e sobre o sucesso que o The Cure anda fazendo.
Como foi fazer o clipe da música a música Reprise num cinema, e como surgiu essa ideia?
Karlos Junior: Isso aconteceu desde a concepção dela, até porque tem a questão muito forte do refrão, que fala de “reprise, a história desse filme já passou…” O insight que veio na minha cabeça é que essa música conversava com uma história de cinema, só que uma coisa meio “cinemão pipoca”, aquela coisa bem anos 1980 de ir ao cinema e curtir uma comédia, uma coisa de sci-fi, terror… sempre com aquela pegada adolescente.
À medida que a gente foi fazendo a música, a ideia foi crescendo. Fui o idealizador e compositor da música, daí bati o martelo e falei que a melhor vibe para fazer o clipe da faixa seria a gente fazer tudo dentro de um cinema. E a gente simulou um pouco da história. Foi tudo sendo desenvolvido a partir desse insight. A própria música influenciou o audiovisual.
(confira abaixo os clipes de Reprise e Redenção, do Quântico Romance)
Tem filmes que influenciam a estética do Quântico Romance?
Karlos: Tem, e de todas as épocas! Mas no caso do Quântico Romance diria que foram os filmes dos anos 1980 para cá. Mad max, por exemplo…
Bruno: Fuga de Los Angeles, Fuga de Nova York, tanta fuga, né? Filmes da ficção científica ao pós-apocalíptico. A gente retrata isso através da estética, do figurino, de todo o conjunto da obra. A Quântico Romance navega por todas essas vertentes das atmosferas pós-apocalípticas, tendo ao mesmo tempo um ar de tecnologia avançada e futurismo, dentro do próprio cyberpunk e de vertentes como nanopunk e biopunk. Navegamos na cultura pop nessa combinação de futurismo e ficção científica. E também há influência de grandes escritores. Eu citaria o Wilson Rocha, um brasileiro que é autor de Os passageiros do futuro…
Karlos: O Quântico Romance tem um diálogo grande, em termos de cinema, com a cena gótica nacional. Ficção científica, que a gente adora, puxa pro gótico. Também citaria a trilogia Matrix. Eles têm um visual mais para o gótico, as roupas pretas… Aliás existe um visual que eu queria muito fazer para a banda, só que para isso, a gente vai ter que correr atrás de recursos. Eu gosto do visual do Tron, especialmente do Tron Legacy. Se a gente conseguir fazer uma indumentária em neon… acho que super casa com a gente. Temos muita referência dessa coisa meio de fantasia, essa coisa extravagante da ficção científica.
Bruno: Já existem megacidades e metrópoles futuristas no mundo. Você pode observar isso em alguns países asiáticos. O próprio Rio de Janeiro e São Paulo já têm algumas construções nessa vertente. Prédios gigantescos com trabalhos de luz neon, esquinas iluminadas… Já temos a oportunidade de ver isso acontecendo.
Karlos: Painéis de LED…
Bruno: Exatamente. Estamos vivendo o cyberpunk. É como viver na prática o que foi retratado na ficção científica, nos filmes sobre futurismo, nas ideias dos visionários do passado. A gente pode citar grandes nomes, como Nikola Tesla.
Karlos: É uma mistura de tudo. Mas, pra mim, o mais marcante é a influência dos anos 80: aquela vibe de Blade Runner, Mad Max. Depois, nos anos 90 e 2000, tem Matrix. E minha ideia é criar uma variante do Tron que seja bem legal.
Bruno: São as vertentes da distopia, né? Matrix falou, no passado, sobre o nosso presente e futuro. Estamos vivendo isso: as altas tecnologias na web, o advento da internet… Enfim, dá pra perceber isso até nas produções musicais do mundo. A tecnologia está em todo lugar. Nós mesmos, no Quântico Romance, usamos o sistema de home computer music.
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Como foi a produção da nova música, aliás?
Karlos: Reprise era uma música que estava na gaveta. A gente trabalhou nela lá por 2005, 2006. Fizemos os rascunhos na época, mas era com outra banda. Depois, tudo terminou. Eu segui outros caminhos, fui fazer faculdade, deixei a música de lado por um tempo. Quando voltei, compus músicas novas com meus amigos e comecei a revisitar materiais antigos que estavam guardados, procurando algo interessante dentro do synth pop e do pós-punk que valesse a pena retrabalhar. Reprise estava lá, esperando o momento certo para ser desenvolvida.
O que eu precisei fazer de 2006 até agora foi dar uma revisão na letra dela. Também comecei a trabalhar no arranjo, analisando os efeitos, vendo se as guitarras estavam interessantes. Fui adicionando novos elementos, colocando outros efeitos, fazendo novas mixagens… Essa música teve uma jornada de criação até bem longa. Se a gente parar pra pensar, de 2005 ou 2006 até 2024, são quase 20 anos.
Mas acho que isso é algo típico de músicos. Às vezes, você cria algo hoje e só desperta para aquilo depois de um tempo. De repente, começa a achar interessante, começa a considerar válido. Vai muito do momento, da criação. Quando revisei o material, achei que era o momento certo para lançar.
Pra gente, foi interessante lançar esse trabalho agora porque temos acompanhado bastante o cenário alternativo de música. Sabemos que a cena gótica já é algo mais estabelecido, mas percebemos uma cena crescente do synthwave e do retrowave. Por acaso, tive o insight de criar uma música que dialogasse com essa estética. É uma cena que já tem festas recorrentes em alguns lugares do Brasil. Existe um público interessado, mesmo que os artistas ainda não sejam tão conhecidos — eles não são totalmente desconhecidos também. Acho que seria interessante explorar essa estética com apelo aos anos 80. A própria linguagem da música tem essa pegada retrô, e trazer isso pro momento atual da música no Brasil foi uma ideia que casou muito bem. E aí foi legal desenvolver essa concepção.
E teve um lançamento do clipe num cinema para convidados, também, não foi?
Karlos: Sim! A gente queria evocar aquele clima de cinema dos anos 1980. Então, tomei a dianteira da produção, contratei o Cine Joia, fiz os contatos, e acabamos montando uma história com a estética de um thriller dos anos 80. Chamei alguns amigos para interpretar os personagens. É cheio de clichês, mas o diretor abraçou a ideia completamente. Tivemos duas locações principais: uma no cinema, onde a banda aparece assistindo ao filme – com aquela metalinguagem, já que eles também protagonizam o mesmo filme. A outra locação foi no Estúdio Casa de Alice, no Méier. É uma casa de verdade, com dois andares, quarto, cama, jardim… Tem um monte de coisas legais lá. Usamos esse espaço para gravar o restante da história, especialmente as cenas de perseguição.
Tudo isso pode ser visto no curta que acompanha a primeira música e no clipe da segunda música. Foi uma produção cara, especialmente para uma banda underground como a nossa. Não estamos acostumados a fazer algo nessa escala, então tivemos que juntar uma boa quantia de dinheiro pra viabilizar tudo: locação, maquiagem, figurino, maquiagem especial para todos, e, claro, os próprios custos das gravações.
Foi muito caro?
Karlos: Em termos de valor, diria que gastamos algo em torno de dez mil reais, por alto. Não faço ideia de como as bandas amigas da cena — seja do Rio, de São Paulo ou de outros lugares — financiam seus vídeos ou quanto gastam. Às vezes, elas fazem um financiamento coletivo.
No nosso caso, usamos apenas os nossos próprios recursos. Foi caro porque não estamos acostumados a arcar com esse tipo de custo. Mas conseguimos entrar em acordos com todo mundo e parcelar as coisas. Fizemos tudo devagar, tanto que o processo foi esticado: gravamos em maio, junho e setembro. É um custo de investimento que acho interessante para as bandas que conseguem bancar. Se não puderem, tudo bem também. O pensamento tem que ser: “A gente faz o melhor com o que tem.” Se puder fazer algo maior, ótimo; se não, faz o melhor possível com os recursos disponíveis.
Fale mais de como foi a produção do clipe, de quanto demorou…
Karlos: Essa produção levou o ano inteiro, porque gravamos por etapas. A primeira gravação foi marcada para maio, a segunda foi… Se não me engano, foi em agosto. E a terceira etapa conseguimos fazer entre agosto e setembro. Fizemos uma gravação em um estúdio fechado no bairro do Méier, além de já termos gravado algo no Cine Joia. Conversando com o diretor, tivemos essa ideia juntos.
A proposta era fazer um clipe, mas achamos interessante contar uma história que tivesse cara de um curta-metragem. Como precisávamos de mais material, pegamos as músicas Redenção e Reprise e conectamos as duas. Assim, contamos uma história que começa com uma música e vai até a outra.
Aproveitando o insight de gravar no cinema, conversamos com o Bruno, do Cine Joia, e desenvolvemos o conceito. A ideia era criar uma sessão de cinema especial: exibimos o curta e depois mostramos os clipes separados. O sentimento foi de inovação, algo inédito. Até agora, não vi nenhuma banda fazendo uma iniciativa assim. Quisemos trazer algo diferente, algo novo, e isso nos motivou bastante. E como tudo foi feito no Cine Joia, pedimos uma data para realizar uma exibição lá. O resultado foi um evento especial para amigos e fãs, algo que ficou muito marcante para todos.
Como vocês, que são dedicados ao pós-punk, a sons eletrônicos e a uma estética mais melancólica, viram o sucesso do disco novo do The Cure?
Karlos: Eu parei para escutar esse disco uma vez, mas não consegui me aprofundar muito. A gente até se dedica a fazer isso de vez em quando, ouvir discos com mais atenção para ter uma experiência completa. Sobre o sucesso do The Cure, eu diria que já era esperado. É uma banda consagrada, com milhões de fãs ao redor do mundo, e que atrai muita curiosidade, inclusive de pessoas que não fazem parte do fandom deles.
O The Cure tem esse poder de atrair um público novo, uma juventude que começa a descobrir a história da banda, se encanta e acaba absorvendo tudo isso. Acho que o sucesso desse disco é positivo, porque, pelo que escutei, ele não tenta ser comercial. O Robert Smith conseguiu colocar o coração dele nas composições e escrever o que de fato queria.
Isso é algo interessante de se discutir. A música dita “mainstream”, toda vez que eu escuto, parece um pouco plastificada, muito igual. Hoje em dia, temos fórmulas, algoritmos, até inteligência artificial sendo usados para criar música. Isso faz com que a música deixe de ser algo inventivo, inovador, por conta das demandas do público.
A humanidade está muito acelerada e estressada; é uma crise do nosso tempo, e a música acaba refletindo isso. Vi alguém comentando na internet que hoje as músicas têm dois minutos e já entram direto no refrão, sem muita introdução. Antigamente, as músicas tinham introduções mais longas, os versos vinham depois… Hoje, dependendo da audiência, as pessoas nem conseguem esperar 30 ou 40 segundos de introdução.
Isso abre um belo leque de discussões sobre o estado atual da música. Mas, em relação ao The Cure, acho que eles estão perfeitos. Espero que, antes de encerrarem a carreira, ainda deem um pulo por aqui para a gente curtir um pouco mais do trabalho deles.
Tem um álbum inteiro de vocês que já está sendo prometido há algum tempo. Quando sai? O que já tem planejado para 2025?
Karlos: O álbum está 90% pronto. Eu queria que ele tivesse saído este ano, mas como a produção do audiovisual acabou se estendendo um pouco, não consegui agendar o lançamento para novembro ou dezembro. Então, vou precisar sentar com o Diego, do selo Paranoia Musique, e com o pessoal da banda para decidir o melhor momento para lançar em 2025. Ele tem algumas canções inéditas, mas a maioria são novas versões de músicas que já foram lançadas como singles. Acho que essas versões novas são ainda mais interessantes que as originais, então a experiência vai ser muito legal. Minha meta é lançar o álbum pelo menos no primeiro semestre de 2025.
Acredito que nosso público entende essa demora. Pra gente, é um pouco mais difícil manter uma frequência nas produções. Não é como acontece com muitas bandas; nós precisamos trabalhar, juntar recursos e capitalizar, o que nem sempre é algo disponível de imediato. Por isso, às vezes, acabamos adiando as coisas um pouco.
Falem um pouco da ligação do Quântico Romance com o selo Paranoia Musique, que é um caso raríssimo: um selo carioca dedicado a sons góticos, e que ajuda a fomentar uma cena bem legal de darkwave, pós-punk, e sons afins.
Karlos: A relação com o selo é a melhor possível. O criador e presidente do selo é o Diego Oliveira, o Diego Mode. Ele é meu parceiro na Cubus, aliás, foi ele quem idealizou a Cubus, enquanto eu sou o idealizador da Quântico Romance. Quando a gente se conheceu… foi interessante. Nos encontramos em 2003, 2004, em um momento em que ambos começávamos a fazer música por software, principalmente música eletrônica. Desde então, temos feito muitas coisas juntos: shows, festas, eventos.
O Diego tem essa visão de precisar criar algo no sentido de fomentar a cena e unir os artistas. Ele tem essa função e cumpre bem esse objetivo, fazendo a ponte entre os artistas, eventos, casas, produtores e mídias. Ele vai investindo e colocando em evidência as bandas do selo. O foco está em música eletrônica e alternativas, e eu acho que estamos na casa certa, com as pessoas certas.
Além da amizade, que já é longa, temos muito carinho e respeito um pelo outro. As coisas boas que fizemos até agora com o selo são uma conquista coletiva para todo mundo, e tenho certeza de que continuaremos fazendo ainda mais coisas legais no futuro.
Cultura Pop
Bateria, histórias e legado dos Paralamas: um papo com João Barone

O principal compositor dos Paralamas do Sucesso é o guitarrista e vocalista Herbert Vianna. Mas como qualquer fã do grupo sabe, Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria) são o motor do grupo, a condução que dá base e peso às músicas. E o baterista, em especial, foi o catalisador de duas canções históricas do grupo. Elas são Melô do marinheiro, que surgiu de uma brincadeira no estúdio caseiro do trio, e O que eu não disse – esta última, uma canção lado-Z dos Paralamas, mas importantíssima por ser a única parceria gravada de Herbert e Renato Russo, além de ter a co-autoria de Barone.
Com experiência em outros dois livros sobre histórias da Segunda Guerra Mundial (assunto que já o levou também a escrever colunas e dirigir documentários), João Barone lança agora seu primeiro livro ligado à música: 1,2,3,4! Contando o tempo com os Paralamas do Sucesso (Ed. Máquina de Livros) não é uma biografia da banda, mas “a historia do cara que nunca perdeu um show da banda, e vista por um lugar privilegiado, atrás da bateria”. Quem curte bastidores, vai encontrar lá desde zoações de bastidores (algumas de rolar de rir) até tudo, ou quase tudo, que rolou durante a gravação de álbuns importantes do grupo. O livro já teve alguns eventos de lançamento e ganha mais um no dia 5 de dezembro (quinta) na Livraria da Travessa do Barra Shopping, no Rio – vai rolar uma noite de autógrafos e um bate-papo mediado por Luiz Felipe Carneiro, do canal Alta fidelidade.
Batemos um papo com Barone sobre o livro, sobre o legado dos Paralamas e sobre questões que a banda vem enfrentando nas últimas duas décadas – período que não está neste livro, mas estará num próximo, assim que ele se animar a escrever.
(Foto: Marcio Farias/Divulgação)
Como tem sido o retorno das pessoas ao livro?
Tá sendo muito supreendente. Já tive um feedback de pessoas muito queridas, que leram, que gostaram, se emocionaram, riram, choraram, sentiram raiva, todas as nuances de sentimentos humanos (risos)… Eu tentei de alguma maneira fazer uma narrativa fluida, que não ficasse um negócio muito cacete, e algumas pessoas me deram a percepção de que o livro tá com um flow legal. Vou contando as coisas de uma forma bem sutil e com uma carga emocional que eu acho que é o que orientou a feitura do livro.
A ideia nem era fazer um negócio jornalístico, nem de pesquisa de fatos, lugares… Existe uma lembrança de momentos, pessoas, que passa muito por esse lado emocional, mais até do que pelo lado factual. Toda hora eu falo que não é uma biografia oficial da banda. Ela pode ajudar a contar um pouco da banda, mas não tem o objetivo de virar um documento. Pode até virar uma referência pra entender os Paralamas, já que é a historia do cara que nunca perdeu um show da banda, como eu brinco no livro (risos). E daquele lugar privilegiado, ao menos do meu ponto de vista, que é o lugar da bateria… É uma tentativa de contar essa história de uma forma pessoal, particular.
Você cita o Paul Auster e o Bob Dylan como inspirações para escrever, mas teve algum mentor, algum mestre que esteve mais por perto?
Eu citei o Paul porque o Dado Villa-Lobos e a Fernanda (esposa dele) me deram um livro dele de presente, Da mão para a boca. É um livro muito recente dele, dos anos 1990… E teve aquela biografia enorme do Dylan. Eu gosto dessas biografias – a primeira do Paul McCartney também é legal – em que você vê pessoas que você acha que não são normais falando sobre coisas triviais.
Verdade…
Não é? Parece que você faz uma religação com elas, ao saber que no fundo são pessoas de carne e osso também, mesmo tendo composto músicas espetaculares e alterado a vida de um monte de gente no planeta. Quando eu fiz meus livro sobre a segunda guerra eu me inspirei no Eduardo Bueno, no Laurentino Gomes, essa coisa do jornalismo histórico, quase investigativo. Uma boa leitura não tem muita regra, tem muita coisa boa pra ser feita, muita música boa pra ser ouvida…
Você cita no livro várias vezes as aventuras de vocês nos anos 1980 em meio a turnês, quartos de hotel etc. Tem coisas que eram engraçadas na época, mas hoje as pessoas pensam “opa”, porque mudou muita coisa no mundo, certas coisas eram encaradas de um jeito em 1983, 1984 e hoje são encaradas de outro jeito. Teve algum momento em que você pensou “ih, será que eu falo disso, será que eu não falo?”. Como foi pra você rever sua história por esse viés de hoje?
Pois é, naquele época o mundo não tinha rédeas. Ao mesmo tempo, com essa mudança de paradigmas, essa tentativa de reconstruir realmente uma sociedade… Não é a coisa da censura ou da caretice, é você saber que determinados comportamentos de antigamente eram horríveis. Só de pensar que você entrava num avião e tinha gente fumando, já mostra como a gente vivia. Eu procurei falar do que a gente fazia para dar uma noção do zeitgeist daquela época – enfim, usando essa expressão meio metida…
Tive o cuidado, por exemplo, de explicar que a plateia do programa do Chacrinha era chamada de “macacas de auditório” e contextualizei, expliquei o que estava por trás disso. Era algo que só refletia como a gente tava ali sendo vítima de uma série de situações histórico-sociais, e ninguém percebia isso. Lembra a maneira como as chacretes (dançarinas do Chacrinha) se apresentavam? Hoje em dia não tem mais como mostrar aquilo na TV num sábado à tarde. Não é uma questão de ser careta, mas de saber que hoje em dia não pode mais fazer isso. E nada justifica esse recrudescimento dos dias de hoje. Temos que lutar conta os preconceitos de qualquer tipo: políticos, sociais, raciais… Imagina, naquela época um programa dos Trapalhões tinha uma piada racista e todo mundo ria.
O livro termina com a recuperação do Herbert Vianna após o acidente e o retorno do grupo aos palcos. Você está pensando numa segunda parte?
Pois é, foi uma segunda vida que a gente teve, né? Eu fui obrigado a condicionar o tamanho do livro, porque eu queria que ele saísse nesse momento, que é a data cheia dos 40 anos dos Paralamas. Se teve alguma coisa programada da minha parte foi sair com o livro a tempo de pegar os 40 anos de estrada. No início, o prefácio do José Emilio Rondeau (jornalista e hoje criador da newsletter Farol) apresenta um pouco o momento atual, essa nossa tentativa de olhar um pouco para esse tempo decorrido, onde estamos agora.
Mas a minha narrativa sobre a música, sobre como ela mudou minha vida, antes dos Paralamas e principalmente depois que conheci o Bi e o Herbert… Eu tentei dar a dinâmica da nossa vivência e todas as experiências que tivemos do primeiro até o último álbum que a gente gravou antes do acidente, que foi o Hey nana (1998), e terminei o livro no momento em que o Herbert estava voltando, porque foi quando tivemos a percepção de que podíamos seguir com a banda. Fiz esse falso epílogo para poder justamente juntar motivação para escrever sobre esses outros 20 e poucos anos já vividos desde então. Tô me motivando pra sentar e começar a escrever porque tem muita história, coisas vivenciadas, muitas outras aventuras que a gente viveu. Tem muita coisa ainda que pode ser um prato cheio pra uma narrativa.
Como você acha que está hoje em dia a situação para uma banda que tem um integrante cadeirante? Tinha muito problema quando vocês retornaram com o Herbert nessa condição? Vocês viam muito amadorismo das pessoas?
Isso é digno de menção, porque tivemos que impor uma certa nova realidade para fazer os shows. Acessibilidade ainda é um tabu muito grande, para poder fazer com que as pessoas que têm limitações possam viver sua cidadania, sua plenitude. A gente sabe que o Herbert é um cara muito privilegiado, porque tem toda uma estrutura que vai na frente dele, e individualmente é mais difícil para cada uma das pessoas que precisa ter condições para acessar os lugares, ir a um show ou supermercado. É uma realidade que é muito dura para muita gente.
Do ponto de vista prático, para viabilizar os shows, as viagens, era preciso uma dinâmica melhor das companhias aéreas, dos desembarques de pessoas cadeirantes. Fomos vendo isso ganhar até um pouco mais de consciência, de estrutura. Na hora dos shows, está mais fácil para o Herbert acessar o palco. Fomos tendo ao longo dos anos uma certa melhoria, conseguimos impor as condições para que ele tenha essa acessibilidade. E o Herbert virou referência nisso, porque todo mundo vê ele na hora do show, dono do que ele faz. Ele virou uma referência para muita gente correr atrás dos seus direitos, mostra que nas condições dele dá para realizar muita coisa ainda, ir além. O Herbert tem uma presença muito forte no sentido de ajudar as pessoas a irem além de suas dificuldades. Ele é uma espécie de super herói!
Aquele verso que ele incluiu em Óculos, “em cima dessas rodas também bate um coração”, é emocionante.
Sim, é incrível! Em todo show a plateia vibra nessa hora.
Nos anos 1990 você lançou uma videoaula, João Barone dá o toque. O seu livro é bem didático nessa coisa de você falar sobre como se apaixonou pela bateria, de você já pensar na sua bateria no palco da mesma forma que o Stewart Copeland (The Police) colocava a dele. Como você vê o lado didático do seu trabalho?
Fico lisonjeado com o efeito que meu trabalho causa nas pessoas. Essa videoaula foi um tentativa minha, naquela época, porque eu já tinha um retorno muito grande das pessoas. Nem existia mídia social, eu recebia cartas dos fãs nas gravadoras, as pessoas me abordavam no pós-show, tinha gente que me abordava nas ruas… Sempre senti que meu trabalho na bateria dentro dos Paralamas tinha um reconhecimento muito legal por parte do público. E havia um nicho de pessoas que gostavam de bateria, se bem que naquela época nem se falava em nicho. Mas era algo bem palpável pra mim. Eu convenci o pessoal da EMI a experimentar produzir uma vídeoaula. Juntei condições ideais de custo-benefício: arrumamos uma produtora em Porto Alegre, meu irmão dirigiu, criamos situações para facilitar o custo. Muita gente me aborda até hoje dizendo que começou a tocar bateria vendo minha aula!
Há uns três anos fui convidado pelo baterista Aquiles Priester para fazer uma clínica. Foi em São Paulo, e o mundo tava ainda um pouco com os efeitos da pandemia, daí não podia ter aula coletiva, só individual. Fiz uma série de 20 escolas de música no interior de SP com essas aulas, e consegui reeditar minha videoaula em formato de DVD. E ofereci isso pra galera que não conhecia na época. É um negócio bacana, porque costumo explicar que nunca fui um músico convencional.
Eu não tive muito estudo, eu tinha mais essa coisa autodidata. Minha única experiência em ter aula de bateria foi com o baterista da banda de baile do meu bairro. A gente tirava a música direto do disco! E a aula era essa: uma pick-up e a gente tocando as músicas do Led Zeppelin por cima. Meu aprendizado era uma coisa muito lúdica, muito solta, de tocar em casa com baqueta de bambu nos travesseiros. Foi assim até eu entrar para os Paralamas, porque só comecei a tocar bateria mesmo quando entrei pra banda. Aí foi uma coisa meio…. “cuidado com seus sonhos, que eles podem se realizar” (risos).
Verdade…
E eu me tornei um baterista mesmo quando comecei a tocar com o Bi e o Herbert. A gente largou a faculdade e… “agora eu vou ter que ser um baterista mesmo”. Eu ia mais para um lado intuitivo, chegava mais cedo no estúdio antes da gravação para ficar tocando em cima do metrônomo, para aprender a tocar num andamento legal. Fui me doutrinando de alguma forma e tentando corresponder ao que esperavam de mim enquanto baterista. Meu norte inicial foi me tornar um cara confiável. Porque os Paralamas têm isso: o Herbert é um músico mais completo, ele já sabia até tocar bossa nova, tocava violão, exímio guitarrista. E como ele é um cara muito perspicaz, foi desenvolvendo essa capacidade incrível de compor. O começo da banda mostra isso. A gente não tinha um repertório lá muito grande. O Herbert começou a escrever aquelas músicas meio na chapa quente.
Já o Bi, me identifico muito com ele porque somos músicos intuitivos. A gente não foi pra escola aprender a tocar, se tivesse ido seria até melhor. Bom, seria diferente, talvez, não sei se melhor (risos). Fomos correndo atrás do sonho de nos tornarmos músicos e o Herbert sempre confiou muito na gente, sempre teve uma generosidade muito grande comigo e com o Bi, até porque ele sabia que se não fosse a gente, seria Herbert e a banda dele. Ele sempre quis essa caráter de banda. Mesmo com ele compondo e cantando, nossa música é uma resultante de nós três. Essa ligação muito forte entre nós é que gerou os Paralamas. Fomos galgando nossa própria identidade. E isso foi sendo conseguido através da confiança mútua.
No livro, você recordou a história da música O que eu não disse, uma parceria sua com Herbert Vianna e Renato Russo, que está no primeiro disco da banda, Cinema mudo (1983). Eu sempre achei essa música linda e ficava irritado porque não tocava no rádio. Você ficou chateado dela se tornar apenas um lado B do grupo?
Ah, o que será, será, né? Ela chegou a tocar um pouco nessas FMs adultas, é uma balada bem açucarada, talvez uma tentativa de refletir o que aquelas bandas inglesas meio românticas estavam fazendo, Duran Duran, Smiths. E essa música é uma efeméride, uma sequência harmônica que eu fiz no violão, que o João Fera tinha me ensinado. O Herbert achou isso legal, pôs numa música e o Renato fez a letra com ele. Assim como é uma efeméride também a Melô do marinheiro, que foi acidental! Fui brincar com um gravador que o Herbert usava para gravar alguns ensaios. Comecei a brincar com a bateria eletrônica. Quando fui mostrar a fita pro Bi e pro Herbert, eles caíram no chão de tanto rir. E todo mundo morria de rir com ela, a música se provou ao que veio. Ela é um espécie de O pato dos Paralamas, uma brincadeira que a gente acabou gravando e que virou uma das músicas nossas mais conhecidas. A criançada adorou, a gente jamais imaginaria que iria fazer uma música pro público infantil… Nem tinha nada a ver com a gente.
Vovó Ondina é gente fina, do primeiro disco, tem essa onda infantil também.
Sim, ela tem esse lado hilário do Herbert e é um roquinho a la Jovem Guarda, ou Stray Cats, que a gente adorava.
Falando nisso, como você vê hoje o Cinema mudo? Havia um certo incômodo com ele, expressado por vocês em entrevistas… Ele foi inclusive remixado há pouco tempo. Como você vê o disco depois disso?
Bom, eu tive um rompante e falei: “vamos remixar nosso primeiro álbum!”, porque aí quem sabe a gente ao menos tenta tirar um pouco aquela nossa primeira experiência meio atravessada com ele. Ele foi um álbum muito incipiente, foi feito muito rápido. Naquela época a gente ainda estava tendo aquela noção de que se você entra num estúdio, tempo é dinheiro, e tudo ali foi gravado com certa urgência, uma certa pressa. Quando a gente recebeu o OK para fazer a remixagem e relançaram o Cinema mudo remixado, a gente teve uma surpresa ouvindo as gravações originais, porque vimos ali que nós éramos moleques com muito ímpeto. Foi bem interessante ver como a gente poderia melhorar tecnicamente o som sem descartar nada (a propósito, resenhamos a nova edição de Cinema mudo aqui).
Foi uma viagem no tempo, era o primeiro álbum de uma banda que prometia. Inclusive acho que as pessoas estavam tendo essa percepção na época, de que a gente ainda podia fazer coisas a partir daquela nossa primeira experiência, e foi o que aconteceu. Até porque quando a gente entrou na Odeon… a gente não ia botar o pé em cima da mesa. Fomos entendendo como funcionava aquela estrutura. Eu costumo falar que naquela época, era mais fácil você ir à lua do que gravar um disco (risos). As gravadoras tinham estúdios, controlavam tudo, tinha tudo que ser dentro dos parâmetros de qualidade que eles queriam, ou dos parâmetros de direcionamento de público. Ainda funcionava assim a maneira como as gravadoras fatiavam o mercado: iam atrás de hegemonia financeira, econômica, quem vendia mais, quem lucrava mais, Roberto Carlos, as cantoras ganhando Mercedes conversível (risos)… A gente se sentia distante desse mundo, desse romantismo, dessa coisa meio inacreditável do estrelismo musical.
Quando as gravadoras viram que podiam ganhar muito dinheiro gravando aquelas bandas com discos que eram gravados em duas semanas, mixados em uma semana… Foi uma mudança de paradigma muito grande. Fomos tentando aprender com essa primeira experiência, e quando a gente foi gravar O passo do Lui (segundo disco, 1985), falamos: “olha, a gente vai gravar e queria uma autonomia maior no estúdio, para conseguir um som mais condizente com o de uma banda de rock”. Essa experiência meio atravessada do primeiro disco levou a um segundo álbum sensacional. O Herbert teve a inspiração daquelas músicas todas, mas a gente apostou tudo ali. Quisemos fazer um super som de bateria, guitarra, e fazer um negócio mais perto dos parâmetros que a gente tinha de banda estrangeiras. E foi um sucesso estrondoso, a gente até tava depois no Rock In Rio. Mas o primeiro álbum foi o patamar pra gente ir atrás dos nossos anseios musicais.
E eu fiquei impressionado de ler no livro que vocês conheceram o Zoltan Merky (diretor técnico dos tempos da Odeon, que aparece creditado em discos como o Clube da esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges, como Z.J. Merky). Nem sabia que ele ainda estava na empresa naquela época…
Sim, o Zoltan (1920-2002) era um cara que tava administrando aquela bagunça ali. E ele impôs parâmetros muito rigorosos. A impressão que a gente tinha dos estúdios da EMI-Odeon é que aquilo parecia uma repartição pública da Alemanha Oriental! O ponteiro do VU (que mede o volume) não podia esbarrar no vermelho, e o Marcelo Sussekind (produtor dos Paralamas nos dois primeiros álbuns) falava: “cara, rock n roll tem que gravar é no vermelho!”. Fomos tentando contornar essas limitações. Mas o Zoltan acabou reconhecendo isso, por conta dos resultados que fomos tendo ali, justamente com O passo do Lui.
E a fama dele era de brabo!
Pois é, ele era o inspetor-geral da gravadora. E o estúdio 1 da Odeon era um lugar mitológico. Lá tinha mesa Neve, som espetacular, os microfones disponiveis eram Neuman, Telefunken. Foram gastos milhares de dólares ali, era tudo de altíssimo nível. Tinha que ter um zelo com aquilo. Só faltava mesmo era um pouco mais de ousadia, de usar o estúdio como uma ferramenta artística, pegar mais ambiência na bateria. Aquela coisa que a gente lia na Musician, no New Musical Express, nas entrevistas com grandes produtores, como Bob Clearmountain, Steve Lillywhite, ou o Hugh Padgham, que produziu vários álbuns do The Police, e inventou o som de bateria do Phil Collins. A gente queria botar a mão na massa. Porque os equipamentos, a gente tinha. Faltava só vontade política.
(a propósito, para saber mais sobre Zoltan Merky, recomendamos o livro Terra Trio, escrito pelo autor desta entrevista, e lançado pela editora Sonora – desculpem o merchan)
Você falou agora há pouco do João Fera e está para sair um livro sobre ele. Como você está vendo o fato da história dos Paralamas do Sucesso estar ganhando tantos contornos diferentes, produtos, visões diferentes? Tem o musical da banda também…
O musical tá sendo um sucesso. Recentemente, logo depois da pandemia, saíram dois documentários que quiseram fazer sobre a gente, e que foram bem referenciais sobre as origens dos Paralamas, muito emocionantes e muito bem feitos. Teve o Herbert de perto, filme sobre o Herbert, o documentário Os quatro Paralamas (ambos de Roberto Berliner). E tem o musical. Quando vieram procurar a gente para falar sobre isso, não demos impeditivo nenhum, só não pudemos ter nenhum envolvimento. As pessoas que fizeram o roteiro são muito talentosas. Demos carta branca e foram muito respeitosos. O Zé (Fortes, empresário do grupo) foi assistir a um ensaio um dia antes da estreia e achou sensacional. Os músicos são muito talentosos, tem música ao vivo. Esse tipo de trabalho abre uma porteira muito legal nessa espiral virtuosa de trabalho, nas artes, no teatro. Porque precisa de técnico de luz, de cenografia, de técnico de som, atores, cantores, músicos. Isso é maravilhoso. Vi a avant-premiere do musical do Tom Jobim e achei fantástico, é de tirar o chapéu (até o dia da entrevista, João ainda não havia assistido ao dos Paralamas por questões de agenda).
Do livro do João Fera você participou de alguma forma?
Não, eu até faço um agradecimento a ele no livro, porque ele me ajudou a terminar meu livro me emprestando o data book dele. Ele tem o bom hábito, o nobre hábito, de anotar todos os shows que ele fez desde que começou a tocar. Isso desde a época dos bailes, ou os shows que ele fez com Wando. Ele anotou todos os shows, os lugares e quanto ele ganhou em cada um dos shows! Então quando ele entrou pros Paralamas em 1986 – em outubro, final de outubro, aliás – passou a registrar tudo, e temos o registro de todos os shows desde essa época, por causa disso. O João nos emprestou esse arquivo para a gente ter uma ideia de quantos shows a gente já tinha feito, para poder colocar nessas estatísticas, nesses documentários. E teve um papel importantíssimo no meu livro para eu saber datas e lugares.
Quem tá escrevendo o livro é o filho dele, o Fera deve estar sendo entrevistado. E ele tem mais história que o Papai Noel, vive contando histórias dos tempos bicudos, de baile, de quando ele tocava com o Wando e ia para a Amazônia de ônibus, aí de lá pegava um vião para ir tocar no Xingu… Ele foi desenvolvendo com o tempo essa tarimba que ele tem com reggae. Ele nem conhecia reggae antes de tocar com a gente, conhecia no máximo Bob Marley e Não chores mais, do Gilberto Gil. Fomos aplicando reggae nele e o João virou um exímio músico de reggae. Tem toda uma ciência que ele foi pegando, de como tocar aquele órgão percussivo do reggae.
E como você tá vendo o universo dos shows no pós-pandemia? Teve agora essa onda dos shows de “retorno”, de “despedida”, ou coisas como Titãs encontro…
Nossa percepção é que aquela tal “demanda não atendida” era uma espécie de represa que foi aberta. Romperam a represa e depois que acabou a pandemia… esse negócio até agora não acabou. O público parece que ainda está com aquela mesma demanda para assistir a shows de todos os gêneros. A gente percebeu isso na nossa agenda, que está muito movimentada. Na estrada, a gente encontra com muita gente do rock fazendo shows: Biquini, Pitty, os Titãs que estão ainda em ação – não os do Encontro, o trio que está aí.
É impressionante porque parece uma nova realidade mesmo, que estamos vivenciando: as pessoas ainda têm muito ímpeto para ir a shows, estamos vendo como os eventos de rock levam cada vez mais público, o Coala, o Lolla, o Rock In Rio, o The Town… É um exemplo de pujança, de como o segmento do rock ainda está aí levando gente, de como as pessoas estão dispostas a ter essa diversidade. Muita gente gosta de Paralamas e também de sertanejo, não é água e óleo. Tem aquela discussão sobre se as pessoas vão ao Rock In Rio par comer cachorro quente ou pra ver um artista, mas no fundo, tá todo mundo indo para lá por causa da música, para ver quem vai estar no palco. Se vão lá só para tirar foto, selfie, é outra história. Mas a pandemia acabou há dois anos e estamos vendo esse ímpeto todo do público, que está presente em grandes eventos e nos shows mais convencionais que temos feito em grandes espaços.
É muito legal ver que a gente ainda tem essa demanda fomentada por shows, a galera que curtia a gente nos anos 1980, a galera nova… E as pessoas estão deixando de fazer essas comparações esdrúxulas sobre se o rock tá aí ainda, se tem representatividade. Acho legal a gente tentar abrir espaço para coisas novas na medida do possível, festivais são bons para isso. Essa discussão sobre quem está subindo na ribalta pode ser saudável, mas se ficar comparando alhos com bugalhos…
O jornalista André Barcinski comentou no Twitter que hoje em dia tem tanto festival que as pessoas estão esquecendo do cenário de casas pequenas…
O Barcisnki comentou isso, né? Eu acho que ao mesmo tempo que deveria existia um pouco mais de gente tocando, bandas e artistas que não sejam tão mainstream, se precisa fomentar a existência desses lugares… No Rio tem um ou outro lugar que é legal. Talvez não ter tantos lugares assim aconteça por um reflexo na nossa realidade social, de violência nas ruas. Ou por causa dos encargos econômicos que dificultam na hora de abrir um bar, e aí é economicamente complicado ter um lugar desses.
E daí a necessidade de trazer gente nova pro lineup dos festivais, porque para isso, festival serve: botar gente que tá começando, não só consagrados. Ainda mais com essa dificuldade de botar headliners, de botar grandes atrações em festivais, algo que está sendo discutido a nível global. Os headliners fazem seus próprios shows em estádios cheios, sem precisar de festivais: Paul McCartney, Red Hot Chili Peppers… Eles enchem estádios sozinhos!
Encerrando, achamos há algum tempo uma foto da Madonna no banheiro do Danceteria, em Nova York, no começo dos anos 1980, em que aparece uma assinatura sua na parede do banheiro, bem perto dela. Você até comentou sobre a foto nas redes sociais. Como foi descobrir essa foto?
Caramba! O (jornalista) Pedro Só comentou com minha mulher sobre essa foto e foi uma história inusitada, muito divertido me deparar com isso. Foi uma coisa totalmente surreal e teve um efeito incrível. Postei no meu Instagram e foi muito divertido, muita gente viu e curtiu. Eu estava tocando com o Lobão lá, porque o baterista dele não conseguiu visto e a gente já conhecia o repertório dele todo. E o pessoal todo escreveu na parede. Só não falei disso no livro porque ele já estava pronto!
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Entrevista
Tributo à banda paulista Magüerbes ganha sua primeira parte, com várias regravações

Banda de Americana (SP), o Magüerbes, que une estilos como thrash, grindcore e hip hop, já tem três décadas de existência, completadas esse ano. A webrádio paulista Mutante Radio, que já realizou tributos a Dead Fish (Tá servido?) e The Bombers (Amor, fúria e amor) já havia decidido que os próximos da lista de homenageados seriam eles e sai agora a primeira parte do MGBS30 – Um tributo mutante aos Magüerbes.
O disco, lançado primeiro no Bandcamp do selo Mutante Discos, tem 19 faixas e estilos variados. O Tolerância Zero ficou com Tilt + Maquinofobia, Vital pôs bastante peso em Rumo, o Roboto deu balanço a Cara a tempo, a Footstep Surf Music Band encarou Base d´água e a banda Belize E Bermudas fez um ska em Sobre o sol. A homenagem punk metal à cidade natal da banda, Americana, foi para uma banda conterrânea, o Organa.
O criador da rádio, Ricardo Drago, diz que a ideia do tributo nem surgiu por causa das três décadas dos Magüerbes. “Já tinha eles na minha lista de tributos. Não sou muito de fazer os tributos em cima de datas, então eu tinha já uma lista bem adiantada. Só que aconteceu do Haroldo, vocalista dos Magüerbes, vir ao Estúdio Mutante dar uma entrevista pro Du, do podcast Deselegância 019. E lá pelas tantas, falando sobre os 30 anos, o Haroldo comentou que o Rafa Francischangelis, irmão do baterista Rica, estava com um tributo encaminhado”, diz ele, que por intermédio de Haroldo chegou em Rafa e viu uma lista inicial com 30 nomes.
O Magüerbes é uma banda importante do meio indie nacional. Fãs consideram o grupo, cuja formação tem hoje Haroldo (voz), Burga, Binho (ambos guitarra), Julio (baixo) e Rica (bateria) como uma das primeiras bandas de metal alternativo – esse tipo de mistura sonora só ficaria ilustre lá pelos anos 2000. Daí a lista grande, com vários convidados – e ainda faltavam nomes bem próximos do grupo, pelo que Drago lembra.
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“Me ofereci pra ajudar e no mesmo dia comecei a falar com várias bandas e amigos. Conversei também com as bandas que o Rafa já havia convidado, e começamos!”, conta ele. Rafa, segundo Ricardo, saiu da produção por estar ocupado com outras coisas, e ele precisou tocar o trabalho sozinho. “Nisso o que eram 30 musicas, viraram as 82 que eles já gravaram”.
Oitenta e duas? Sim, como você leu no começo do texto, o que saiu foi apenas a primeira parte. São seis volumes de tributo aos Magüerbes, e em janeiro sai o próximo. Mais projetos na mesma linha estão por vir: ainda em novembro saem reagravações de dois álbuns dos Inocentes, Miséria e fome (1983) e Pânico em SP (1986). “Vamos ter pelo menos mais dois tributos aos Inocentes em 2025”, conta ele, que promete também uma regravação com várias bandas do álbum Sonho médio, da banda Dead Fish (1999), um tributo aos 30 anos da banda Gritando HC (“esse, um projeto do meu amigo Shamil que me convidou”, diz), e um outro à banda paulistana de ska punk Skamoondongos.
Mais: nas primeiras horas de 2025 a Mutante Discos lança o tributo à banda Muzzarelas, de Campinas (SP), definido por Drago como um projeto sonhado durante anos. “A ideia sempre foi fazer o Jumentor (primeiro álbum da banda, de 1995) inteiro. Enquanto não acontece, juntamos quatro faixas de cada disco deles e sai como álbum duplo no começo do ano”, diz.
E pelo visto essas produções dão trabalho… “É preciso ter paciência. Cada banda vive numa realidade. 99% das bandas topam na hora, ai você passa a data que você e todo mundo sabe que não será cumprida…”, conta Drago. “Só que quando você começa a receber as prés de uma musica que tem 30 anos, e a banda convidada dá outra vida àquela música, você só consegue pensar que tudo deu certo”. No começo do projeto, cada banda pode escolher a música que quer tocar, mas depois vai afunilando. “Já claro teve casos da banda pedir pra trocar e demos um jeito, afinal é um Tributo Mutante”, brinca.
“Uma coisa que é bem legal, é que sempre rola uma liberdade total. Tem banda que faz sua tradução da letra, reescreve, reinventa. E isso é a parte mais legal, as bandas dão uma vida nova àquela música que você conhece!”, diz o produtor, que, sem desprezas as outras plataformas de música, valoriza o Bandcamp para lançar primeiro os discos. “Nele, além de ser rápido e prático pra você colocar sua música, você pode monetizar sozinho, e realmente é só divulgar”.
Rica, baterista do Magüerbes, curtiu o resultado. “Achei que as bandas fizeram versões muito fodas, colocando a cara deles sem ficar muito preso na original. Estou ouvindo bastante, aliás”, conta. Para 2025, a banda anuncia o lançamento de um documentário contando a história das três décadas do Magüerbes (“trinta, trinta e um anos da banda”, diz), o lançamento do disco mais recente da banda Rurais (2023) em vinil, e o The roots of Rurais, “que é uma releitura de músicas velhas da época das demos e algumas do disco 2 (2004)”, complementa o baterista.
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