Lançamentos
“E se houvesse uma música nova dos Beatles?”. Pois é, agora tem. E aí?

O “e se…?” rende mil histórias e mil roteiros de cinema e TV – dos melhores aos mais infames, vale dizer, já que nem sempre dá pra raciocinar por hipóteses, e muitas vezes o que parece uma sinopse bacana rende uma ideia de jerico quando vai pro papel. A possibilidade de haver uma canção nova dos Beatles em pleno 2023, e pouco após sair um LP novo dos Rolling Stones, parecia tão remota que talvez só os fãs mais sonhadores dedicavam tempo a pensar no assunto.
Pois na semana passada saiu Now and then – e se houve alguma espécie de encomenda, o resultado superou muito as expectativas, iniciadas desde quando começou-se a falar numa possível nova canção da banda realizada com a ajuda da Inteligência Artificial. Não apenas pela música em si, que é um retrabalho pós-beatle numa gravação deixada por John Lennon – uma das várias demos que ele gravou em casa durante os anos 1970. E, não importa o que digam, soa de fato como uma canção da banda.
Tudo foi embalado com o mistério que costuma cercar os lançamentos ligados ao grupo (um vídeo com uma fitinha no Instagram desencadeou tudo) e com a descarga de memória afetiva que projetos como esse merecem – ainda que, sim, a capinha do single seja bem feinha. No documentário que mostra as gravações, tudo é tão bem costurado que você mal chega a perceber que se trata de cenas dos Beatles em etapas diferentes das vidas deles – ajuda muito o fato de Paul McCartney e Ringo Starr serem basicamente senhores joviais. No clipe, os irônicos John e George surgem em clima quase angelical, em imagens tiradas de filmes como Magical mystery tour.
Por outro lado, no documentário, comove assistir às imagens de George Harrison nos anos 1990, época da coletânea Anthology. O beatle zoeiro e místico dos anos 1960 havia se tornado uma figura triste, que parecia não estar muito à vontade com aquele reencontro – e não estava mesmo. Não gostou de Now and then desde o início, vetando que a música fosse trabalhada em Anthology. Chamou a gravação de “lixo” por causa do registro baixinho da voz de John. Detalhe: ao compilar material para o inesperado Unplugged de John Lennon, lançado em 2004, Yoko Ono preferiu não usar material gravado ao piano, porque o cantor colocava o microfone em cima do instrumento e sua voz realmente ficava com volume baixo.
Você já deve ter lido a história: Peter Jackson, diretor do documentário Get back, usou uma técnica chamada MAL (não é uma referência ao antigo quebra-galhos dos Beatles, Mal Evans) que separou a voz de John da gravação do piano, possibilitando que a música saísse. Como George já havia gravado guitarras para a canção na época de Anthology, tudo foi mantido. Paul tocou guitarra slide no estilo de Harrison para complementar. No fim das contas, a tecnologia e a vontade de fazer algo juntos (ainda que separados) reuniu a banda.
Now and then fala sobre o impacto que relacionamentos têm nas nossas vidas – mesmo quando as pessoas não estão mais presentes. Ouvido com o coração, é um hino que ajuda a explicar porque é que os Beatles preferiam ficar intocados, já que não havia mais como reproduzir a magia dos anos 1960, e os interesses dos integrantes eram outros. Vida em família, projetos solo, misticismo, drogas não-psicodélicas, tocar com amigos, cada um na sua viagem particular.
O grupo talvez precisasse menos da entidade “Beatles” do que os Stones precisavam do caboclo “Stones”, ou o Who precisava de si próprio – tanto que as duas últimas bandas não enxergaram problemas em chamar novos músicos para substituir nomes que morreram ou saíram. Cada uma no seu papel, cada papel merece respeito. Às vezes o “e se” é mais interessante do que deparar com carreiras sem sentido, álbuns ruins e turnês que se transformam em bagunça no palco (não foi o que aconteceu nem com o Who nem com os Stones, diga-se).
No caso da dupla de frente, John preferiu organizar com o Yoko Ono três movimentos simultâneos: o dos artistas confessionais, o dos originais do rock (inventou o pós-punk e o som do Roxy Music em 1969 com o single Cold turkey) e o dos pré-punks (com o som minimalista de Plastic Ono Band, de 1970). Paul voltou-se para a família e preferiu fazer tudo o que ele já queria fazer com os Beatles (ou dos Beatles), sem os outros três para atrapalhar.
Pode ser que mais algo brote do baú de Paul, John, George e até de Ringo, e a Inteligência Artificial ajude a criar mais uma canção “nova” dos Beatles. Por enquanto, mais do que um ciclo sendo encerrado, é um momento mágico da cultura pop.
Crítica
Ouvimos: Babymetal – “Metal forth”

RESENHA: Em Metal forth, o Babymetal mistura peso e pop: nu-metal, j-pop, rap e até soul, provando maturidade após 15 anos de carreira.
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Babymetal é heavy metal para não-metaleiros, você poderia dizer. Nem tanto, né? É um banda que vem da cultura asiática de criação de ídolos, é formada por meninas (que já são mulheres) e gerenciada por uma agência poderosa – a Amuse, que tem até escola de música. Mas dá pra dizer, sem medo de errar, que muita gente foi apresentada ao universo do som pesado por causa delas. Até porque o Babymetal é esperto o suficiente para agregar mumunhas pop, e estilos como r&b e rap, a um universo conhecido pelo radicalismo.
Você piscou o olho e o Babymetal já tem quinze anos, várias turnês e, curiosamente, um número de discos bem pequeno. Metal forth é o quarto álbum e funciona bem para metaleiros de ouvidos abertos e sem preconceitos. Dando um passeio pelas faixas: Ratatata tem ar de j-pop e k-pop, e une som pesado, rap e dance music. Song 3 é uma porrada que une vocais guturais (da parte dos convidados do Slaughter To Prevail) e vozes meio Alvin e os Esquilos. From me to you, na abertura, herda sonoridades do metal alternativo e da música pop – é som rápido, pesado, eletronificado.
Entre as surpresas de Metal forth, tem Sunset kiss, que deixa o Babymetal com uma cara de Spice Girls trabalhadas no couro e no preto. E My kiss, um nu-metal cuja introdução ameça uma chupada em Ratamahatta (hit do Sepultura com participação de Carlinhos Brown). Tom Morello põe energia em Metal!!!, que também traz emanações de Sepultura, mas une som pesado e soul. Já White flame, no final, aponta para vários lados: j-pop, emo, punk… encerrando com um solo de guitarra final que lembra Queen.
Quem ouvir Metal forth de mente aberta, vai descobrir que, com o tempo, o Babymetal foi se tornando um projeto bastante equilibrado – as integrantes cresceram e o mundo ao redor delas mudou bastante.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Capitol
Lançamento: 8 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: Deb and The Mentals – “Old news” (EP)

RESENHA: Deb and The Mentals volta às raízes em Old news: punk, grunge e new wave com peso, energia e nostalgia.
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Com uma formação nova que traz Fi (NX Zero), na guitarra, Deb and The Mentals decidiu voltar ao começo num EP de nome sintomático, Old news. Deb Babilônia adota novamente as letras em inglês nas cinco faixas do disco – e a banda corresponde com um som voltado para uma confluência entre punk, grunge e new wave. A faixa de abertura Together again une anos 1980 e 1990, soando como Ramones na fase Mondo bizarro (1992). Suck me in, com um pouco mais de peso, tem muito de bandas como Generation X. A noventista To erase vai para a pequena área do punk + metal, com peso e intensidade.
O “lado B” de Old news tem um hardcore rápido, cavalar e acelerado, Burn it down, fechado com microfonias. Tem também a música mais bonita do disco, Runaway, união de punk e rock britânico oitentista, chegando a lembrar Smiths. Dying spark, por sua vez, chama atenção pela boa marcação de baixo e bateria, e pela linha do tempo sonora que vai dos anos 1970 aos 1990.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Algohits
Lançamento: 13 de agosto de 2025
- Ouvimos: Paira – EP01 (EP)
- Ouvimos: A Terra Vai Se Tornar Um Planeta Inabitável – Ident II dades (EP)
- Ouvimos: akaStefani e Elvi – Acabou a humanidade
Crítica
Ouvimos: Klisman – “CHTC”

RESENHA: Em CHTC, Klisman transforma o Centro Histórico de Salvador em rap visceral, misturando trap, afropop e relatos de vida dura.
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CHTC, título do disco de estreia do rapper baiano Klisman, é uma sigla para “Centro Histórico tá como?” – e uma lembrança do coração de Salvador, um conjunto de pontos turísticos que explicam a história da capital baiana (Pelourinho, Elevador Lacerda, Mercado Modelo), além de um entorno de dez bairros. Klisman cresceu por lá e levou tudo para seu som, que une mumunhas do trap, e um certo elemento de perigo vindo do rap, além de erros e acertos pessoais. O som une beats de trap, afropop e vibes latinas.
Klisman fala da vida como ela se apresentou não apenas para ele, mas para vários amigos seus. Reparação histórica entra na mente dos que são tidos como vilões, em versos como “se eu roubo esse gringo é reparação histórica / visão de cria não pega na ótica” e “poucos sabem o dilema que eu vivo / do tipo: como vender drogas e ser um bom filho? / como tirar vidas e criar meu filho?”. Caminho certo cria imagens musicais para retratar um dia a dia que exige posicionamento rápido (“são escolhas que mudam o caminho de casa”), o mesmo rolando na ameaça sonora de 25kg e na sagacidade de Proibido branco. O próximo é rap lento e climático que une ódio e tiração de onda.
Para quem for ouvir CHTC, o conselho é tentar entender tudo como um filme e não sair julgando: Klisman entrega todas as contradições de quem cresceu numa realidade bem distante do que a classe média enxerga como normal – e o normal ali são leis bem estranhas. Em Praia da Preguiça, aberta com sample de violão e flautas, e Pixadão de guerra, sonhos misturam-se com alfinetadas em trappers famosos e realidades de trincheira (“a emoção de ver o alemão sangrar / é a mesma de ver o irmão prosperar”). Ainda sou o mesmo vai para vários lados da violência urbana: “quantas mãe vai ter que chorar? / ele poderia ter um Grammy / mas ele tá na boca portando uma Glock”.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Nadamal
Lançamento: 22 de maio de 2025.
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