Destaque
E aí, dá pra reavaliar Chinese Democracy, do Guns N’ Roses?

Quando o Guns N’ Roses subiu no palco do Rock In Rio de 2011, debaixo de uma puta chuva, quem estava liderando a banda era o temperamental Axl Rose de sempre. O grupo atrasou uma hora e meia para subir no palco (fez o show às 2h45, para uma plateia que ia se mandando aos poucos). O cantor abriu os trabalhos dando “bom dia” aos heróis da resistência e, mesmo com os atrasos, não pensou em reduzir o show. A banda mandou pau em 18 músicas, durante 2h20, incluindo algumas (poucas) canções do disco mais recente da banda, Chinese democracy, lançado em novembro de 2008.
Chinese democracy tem, digamos, vários subtextos bem bizarros. A começar porque o título já mexe bastante em vespeiro. Axl disse ter se inspirado nos “movimentos democráticos chineses” para fazer a letra da faixa-título. Mas, de modo geral, só achou o nome era bastante sonoro. O cantor também teceu comparações bem abiloladas entre o país asiático e a “democracia dos Estados Unidos” (hoje, em plena pandemia e logo após o circo armado por Donald Trump no Capitólio, tudo isso viraria piada e cancelamento em segundos).
Seja como for, o subtexto mais bizarro do disco vem de seu próprio histórico, com vários adiamentos, produtores entrando e saindo do estúdio, mudanças de suporte de gravação, vários músicos e estúdios, e o próprio Axl rasgando e desgravando coisas para fazer um disco que, no final, nem sequer se pareceria com uma obra-prima como Pet sounds, dos Beach Boys. Mas que tem lá seu charme.
TAVA DANDO MERDA
Por volta de 1993, impossível negar, o Guns N’ Roses estava em franca decadência, atropelado pelo grunge, pelas trocas de guarda no pop e pelos conflitos dentro da banda – e pela rebarba do uso de drogas. O guitarrista Izzy Stradlin já havia saído e sido substituído por Gilby Clarke. A banda começou a gravar material novo que não foi para a frente, um pouco porque ninguém se sentia em condições de fazer nada, um pouco porque o guitarrista Slash e o vocalista Axl, principais forças criativas por trás da banda, estavam batendo cabeça.
Anos depois, Slash disse que nunca entendeu o que Axl queria. Quando o cantor começou a amar rock eletrônico e a ficar meio obcecado pelo som do Nine Inch Nails, aí mesmo que deu merda. O guitarrista disse que era melhor o colega ficar sozinho. Axl não perdoou a esnobada. Robin Finck, justamente um ex-guitarrista do Nine Inch Nails entrou no lugar de Slash, em 1997.
Nessa época, a produção do futuro disco do Guns estava indo para as mãos de Mike Clink, produtor do par de discos Use your illusion. Isso após o disco quase ter sido produzido por ninguém menos que Moby. A ideia, segundo uma matéria publicada no site da MTV, era que os dois trabalhassem juntos (bom, Moby abandonou a história e disse que Axl era “bem enrolado”).
ZONA
Resumir em poucas linhas tudo o que envolveu Chinese democracy até seu lançamento é uma tarefa árdua, mas vamos lá. O Guns mudou sua formação toda. Axl foi dado como desaparecido (hoje sabe-se que esteve trancado no estúdio esse tempo todo). Surgiram boatos de que o cantor simplesmente tinha visto a montoeira de grana que tinha no banco e deixou essa besteira de música para lá.
A entrada na banda do guitarrista Paul Tobias, amigo de infância de Axl Rose, foi um ponto discordante que determinou pelo menos as saídas de Slash e do baterista Matt Sorum. Num papo com o Lawrence Journal World, Matt recorda ter colocado Axl contra a parede e dito a ele que deveria trazer Slash de volta. Axl acabou despedindo o baterista.
Em 1998, o produtor (e baixista do Killing Joke) Youth foi chamado para tentar fazer o disco chegar a algum lugar. E nem precisou de muito esforço para descobrir que o grande inimigo do próximo álbum do Guns N’Roses se chamava Axl Rose. Num papo com o New York Times (que por sinal Axl e a Geffen odiaram terem lido, assim que publicado) pintou um retrato do vocalista parecido com o do Pink, personagem principal da ópera-rock The Wall, do Pink Floyd. “Ele estava bastante isolado. Não havia muitas pessoas em quem ele pudesse confiar. Foi muito difícil penetrar nas paredes que ele construiu”, disse.
A VIDA PASSA E NÓS AQUI À TOA
Na mesma matéria do New York Times, colaboradores e ex-colaboradores do Guns resumiam em uma só palavra o que havia acontecido com a banda no comecinho da elaboração do novo disco: tédio.
O grupo tinha dinheiro no banco o suficiente para ficar de boresta por quanto tempo desejasse. E todo mundo já estava de saco cheio dos estresses internos (e dos ataques de Axl). Já a Geffen, gravadora da banda, esperava o álbum que viria depois de The spaghetti incident? para no máximo 1994 ou 1995.
Axl Rose virou mais que um líder: teria virado um déspota da banda, que ficava sentado ouvindo as relutantes colaborações dos colegas e mudava a formação do Guns como queria. Pelo menos um notável da Geffen que tentou se meter no processo e dar uma apressadinha básica em Axl foi afastado do projeto: Todd Sullivan, executivo de talentos da empresa.
Em 2001, Tom Zutaut, que contratara o Guns N’ Roses para a Geffen, voltou ao selo com uma missão: tentar convencer a Axl a lançar o disco. Até aquele momento, do material feito pelo cantor com seus inúmeros colaboradores, já haviam saído uma releitura de Sympathy for the devil, dos Rolling Stones, e a autoral Oh my God, essa incluída na trilha do filme O fim dos dias, de Peter Hyams. A “nova música” do Guns N’ Roses foi apresentada por todas as rádios rock do Brasil e do mundo, mostrava pra geral a relação da banda com o metal industrial e… ficou obscura o suficiente para nunca sair como single.
E AÍ SAIU O DISCO
Chinese democracy, quando saiu, gerou um sentimento de… “peraí, saiu mesmo?”. Apesar de costumeiramente ser referido como “o disco mais esperado de todos os tempos”, só os fãs mais roxos ainda estavam esperando de verdade que saísse algo dali, muito embora os rumores deixassem todo mundo de orelha em pé.
Até o lançamento, Axl já havia achado novos “heróis da guitarra” para cobrir o buraco de Slash. Buckethead, que usava uma máscara branca e um balde da rede de fast food KFC na cabeça, foi guitarrista do grupo até 2004 e tocou no show da banda no Rock In Rio 3, em 2001. Ron “Bumblefoot” Thal e DJ Ashba entraram em seguida, e tocaram no tal show da quarta edição do festival, debaixo de chuva. Roy Thomas Baker, produtor do Queen, somara-se à lista de produtores do grupo, obrigando Axl a regravar o disco inteiro, com o material já completo.
De 2004 até 2008, o álbum foi passando por etapas diferentes: fim do financiamento da Geffen, retirada do cronograma da gravadora (!!), vazamento de algumas faixas do disco em 2006, mais algumas etapas de produção (Andy Wallace, ex-produtor do Helmet, agora era um dos responsáveis), mais algumas gravações. Depois, inclusão de uma das faixas no game Rock band 2 (a boa Shackler’s revenge) e, finalmente lançamento. E, claro, assim que saiu, a inevitável proibição na China, cujo governo não gostou nem um pouco das comparações estabelecidas por Axl na letra da faixa-título.
MAS E AÍ, DÁ PRA OUVIR?
Sim, dá. Para começar a gostar do disco, vale ouvir pelo menos o material de Chinese democracy que continuou no repertório do Guns N’ Roses quando a banda voltou com quase toda a formação clássica. Entre elas, a faixa-título e Better, que estiveram até no repertório do show do Rock In Rio em 2017. A primeira é um hard rock como “antigamente”, a segunda também, mas com uns elementos moderninhos a mais. Tem ainda a boa balada Catcher in the rye, que ganhou poder com Slash na guitarra, em shows mais recentes.
https://www.youtube.com/watch?v=8sWeKZPa5SI
A boa I.R.S. poderia tranquilamente fazer parte de Use your illusion. Para quem ama Slash e tem implicância com as escolhas de Axl, Prostitute e Madagascar podem ficar por último. Especialmente a segunda, já que tem o acento pop e as programações eletrônicas que deram no saco do guitarrista durante a primeira fase da elaboração do disco. Mas são boas músicas, no mesmo esquema grandiloquente do par de álbuns duplos.
Essa última canção, por sinal, já era velha conhecida dos fãs brasileiros do Guns N’ Roses. Foi até apresentada no Rock In Rio 3 (2001) como uma “nova canção que espero que possa expressar meus sentimentos”. Tanto ao vivo quanto no disco, Madagascar era acrescida de discursos e trechos de filmes, num esquema meio Ministry.
https://www.youtube.com/watch?v=TsBCk-IvLdU
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Cultura Pop
Quando Suicide gravou… “Born in the USA”, do Bruce Springsteen

A way of life, disco de 1988 da dupla de música eletrônica Suicide, é tido como um disco, er, acessível. Acessível à moda de Martin Rev e Alan Vega, claro. O disco pelo menos podia ser colocado tranquilamente na prateleira dos artífices da darkwave e era bem mais audível do que o comum de um grupo que havia lançado a assustadora Frankie teardrop. O disco era produzido por Ric Ocasek, líder dos Cars (que já havia produzido o segundo disco deles, de 1981, Alan Vega/Martin Rev), e tinha até uma eletro-valsinha, Surrender, além de um estiloso misto de rockabilly e synthpop, Jukebox baby 96.
O que ninguém esperava era que a dupla tivesse feito nessa mesma época uma estranhíssima versão de… Born in the USA, de Bruce Springsteen. A faixa surge numa versão ao vivo, gravada num show de Vega e Rev em 1988, em Paris. A dupla nem sequer disfarçou que a ideia era fazer uma versão bem lascada – saca só o sintetizadorzinho da música, e a referência a músicas como Lucille, de Little Richard, e o tema When the saints go marching in, logo na abertura. A “versão” da faixa resume-se a quase nada além do título da canção. Parece um karaokê do demo (e é).
A versão poderia ser uma bela pirataria, mas vira oficial nesse mês: vai aparecer em uma reedição de A way of life, prevista para o dia 26. A edição de luxo estará disponível em vinil azul transparente com Born in the USA e em CD com quatro faixas bônus, além do formato digital. O material extra inclui versões ao vivo de Devastation e Cheree, bem como uma versão inicial de estúdio de Dominic Christ. O pesquisador Jared Artaud encontrou as faixas enquanto trabalhava no arquivo de Vega, após a morte do cantor em 2016.
E se você não sabia, vai aí a surpresa: Springsteen tá bem longe de ser um sujeito que diria “what?” ao ser informado da existência do Suicide. Pelo contrário: era fã da dupla e costumava dizer que a estreia do Suicide, o disco epônimo de 1977, era “um dos discos mais sensacionais que já ouvi”. Em 1980, o cantor esteve com a dupla e Vega descobriu que Springsteen era seu fã – e se surpreendeu.
“Ele estava gravando o disco The river (1980) e nós estávamos gravando nosso segundo álbum em Nova York. Então tivemos uma reunião de audição do nosso álbum. Havia três ou quatro figurões da nossa gravadora, e Bruce também estava lá. Depois que tocamos o álbum, houve um silêncio mortal… exceto por Bruce, que disse, ‘Isso foi ótimo pra caralho.’ Ele fazia questão de nos dizer o quanto nos amava”, contou em 2014 ao New York Post.
Mais: um texto do site Treblezine, a partir de audições da obra de Bruce e de entrevistas do Suicide, descobre: a dupla influenciou muito o sombrio disco Nebraska, tido como o “primeiro disco solo” (sem a E Street Band) de Springsteen (1982), basicamente um disco sobre crise, desemprego e gente à beira do desespero pela falta de oportunidades. Houve uma versão elétrica e pesada de Nebraska, mas Bruce quis lançar o disco acústico, de voz, violão e registros crus, e que de fato lembram o clima esparso do Suicide do primeiro disco.
Na dúvida, ouça State trooper, cujos uivos lembram bastante os gritos (sem aviso prévio) de Frankie teardrop. “Lembro-me de entrar na minha gravadora logo após o lançamento do meu disco”, disse Vega depois de ouvir State trooper pela primeira vez. “Eu pensei que era um dos meus álbuns que eu tinha esquecido. Mas era Bruce!”
Cultura Pop
No podcast do Pop Fantasma, a fase de transição do Metallica

A morte do baixista Cliff Burton, em 27 de setembro de 1986, desorientou muito o Metallica. Além do que aconteceu, teve a maneira como aconteceu: a banda dormia no ônibus de turnê, sofreu um acidente que assustou todo mundo, e quando o trio restante saiu do veículo, só restou encarar a realidade. A partir daquele momento, estavam não apenas sem o baixista, como também estavam sem o amigo Cliff, sem o cara que mais havia influenciado James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett musicalmente, e sem a configuração que havia feito de Master of puppets (1986) o disco mais bem sucedido do grupo até então.
Hoje no Pop Fantasma Documento, a gente dá uma olhada em como ficou a vida do Metallica (banda que, você deve saber, está lançando disco novo, 72 seasons) num período em que o grupo foi do céu ao inferno em pouco tempo. O Metallica já era considerado uma banda de tamanho BEM grande (embora ainda não fosse o grupo multiplatinado e poderoso dos anos 1990) e, justamente por causa disso, teve que passar por cima dos problemas o mais rápido possível. E sobreviver, ainda que à custa justamente da estabilidade emocional de Jason Newsted, o substituto do insubstituível Cliff Burton…
Nomes novos que recomendamos e que complementam o podcast: Skull Koraptor e Manger Cadavre?
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts.
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Estamos aqui toda sexta-feira!
Destaque
Dan Spitz: metaleiro relojoeiro

Se você acompanha apenas superficialmente a carreira da banda de thrash metal Anthrax e sentia falta do guitarrista Dan Spitz, um dos fundadores, ele vai bem. O músico largou a banda em 1995, pouco antes do sétimo disco da banda, Stomp 442, lançado naquele ano. Voltaria depois, entre 2005 e 2007, mas entre as idas e as vindas, o guitarrista arrumou uma tarefa bem distante da música para fazer: ele se tornou relojoeiro (!).
A vida de Dan mudou bastante depois que o músico teve filhos em 1995, e começou a se questionar se queria mesmo aquela vida na estrada. “Fazíamos um álbum e fazíamos turnês por anos seguidos, e então começávamos o ciclo de novo – o tempo em casa não existia. É uma história que você vê em toda parte: tudo virou algo mundano e mais parecido com um trabalho. Eu precisava de uma pausa”, contou Spitz ao site Hodinkee.
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Na época, lembrou-se da infância, quando ficava sentado com seu avô, relojoeiro, desmontando relógios Patek Philippe, daqueles cheios de pecinhas, molas e motores. “Minha habilidade mecânica vem de minha formação não tradicional. Meu quarto parecia uma pequena estação da NASA crescendo – toneladas de coisas. Eu estava sempre construindo e desmontando coisas durante toda a minha vida. Eu sou um solucionador de problemas no que diz respeito a coisas mecânicas e eletrônicas”, recordou no tal papo.
Spitz acabou no Programa de Treinamento e Educação de Relojoeiros da Suíça, o WOSTEP, onde basicamente passou a não fazer mais nada a não ser mexer em relógios horrivelmente difíceis o dia inteiro, aprender novas técnicas e tentar alcançar os alunos mais rápidos e mais ágeis da instituição.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Discos de 1991 #9: “Metallica”, Metallica
A música ainda estava no horizonte. Tanto que, trabalhando como relojoeiro em Genebra, pensou em largar tudo ao receber um telefonema do amigo Dave Mustaine (Megadeth) dizendo para ele esquecer aquela história e voltar para a música. Olhou para o lado e viu seu colega de bancada trabalhando num relógio super complexo e ouvindo Slayer.
O músico acha que existe uma correlação entre música e relojoaria. “Aprender a tocar uma guitarra de heavy metal é uma habilidade sem fim. É doloroso aprender. É isso que é legal. O mesmo para a relojoaria – é uma habilidade interminável de aprender”, conta ele. “Você tem que ser um artista para ser o melhor – seja na relojoaria ou na música. Você precisa fazer isso por amor”.
>>> POP FANTASMA PRA OUVIR: Mixtape Pop Fantasma e Pop Fantasma Documento
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