Cultura Pop
Aniversário de Brotherhood, do New Order!
Brotherhood, quarto álbum do New Order, faz 35 anos hoje. Saiu no dia 29 de setembro de 1986. E reúne lá suas credenciais para ser considerado o melhor disco do grupo britânico por muita gente. Aliás, senão o melhor, pelo menos o mais criativo.
Quando alguém diz que “o disco tal é o Sgt Pepper’s de fulano”, isso pode querer dizer muita coisa. Pode querer dizer que se trata do melhor disco do artista, ou, numa perspectiva irônica, pode ser o mais maluco, ou o mais enfeitado, como um bolo de noiva. Brotherhood, pelo menos no quesito maluquice, pode até ser chamado assim. Dividido em dois lados diferentes (lado A mais roqueiro e lado B mais eletrônico), ele apresentava viagens dance-psicodélicas (All day long, Angel dust), pelo menos uma música com início falso (Weirdo) e uma canção com final “psicodélico” (Every little counts, na qual o cantor Bernard Sumner começa a rir assim que canta os versos “eu acho que você é um porco, você deveria estar em um zoológico”).
No livro Substance: Inside New Order, o ex-baixista Peter Hook (completavam a banda “os outros dois” Gillian Gilbert, teclados, e Stephen Morris, bateria) entrega que as origens de Brotherhood são bem mais variadas do que parecem. E diz que em vários momentos, a banda inspirou-se em si própria. A balada As it is when it was, segundo ele, teve o riff de baixo inspirado… no Joy Division. Bom, tem um ou outro dedilhado que faz recordar Love will tear ur apart, canção citada por ele como referência, mas é tão de leve que fica imperceptível. Broken promise soa para Hook como algo da era do primeiro disco do New Order, Movement (1981). Way of live tem o riff de baixo de Age of consent, ao contrário.
Paradise, a dançante e roqueira faixa de abertura, foi inspirada nas canções de “partida” do country (“Bernard Sumner estava muito ligado a isso, em termos de letras”), e esconde uma homenagem a Dolly Parton. Bizarre love triangle foi um trabalho eminentemente de grupo, inclusive com letra feita em quarteto. All day long é “uma canção sobre abuso infantil que você pode dançar”. Weirdo causou uma discussão acalorada (rolou um fuça-a-fuça medonho, segundo o baixista) entre Hook e Bernard na mesa de mixagem, por causa dos backing vocals. Angel dust tem samples de um álbum religioso e guitarras herdadas das trilhas de faroeste de Ennio Morricone.
Finalmente, Every little counts tem linhas de baixo roubadas de Emma, do Hot Chocolate, efeitos de teclados do final feitos num teclado Emulator II (“com Bernard apertando todas as teclas, e usando as duas mãos”, conta Hook) e cochichos dissimulados da banda sobre os risos de Summer (dá para ouvir).
Brotherhood pegou um momento em que o New Order se desentendia bastante – tanto que alguns integrantes não ficaram satisfeitos com o disco. Stephen Morris disse certa vez que o disco é “esquizofrênico”, por causa da separação entre dance tracks e músicas mais roqueiras. Reclamou também que o fim do disco poderia ter sons diferentes para cada suporte: uma fita sendo mastigada, um CD pulando.
O disco novo do New Order foi gravado parcialmente num estúdio que se tornou famoso por causa do U2, o Windmill Lane, em Dublin, Irlanda. A banda passou por maus bocados: circularam pelo país a bordo de um Ford Granada sambado (cujo alarme soava toda vez que abriam a porta) e deram uma passada na Irlanda do Norte para fazer um show, em meio aos conflitos no país. Foram destratados pelos guardas da fronteira e o tal alarme do carro quase provocou um tiroteio. Também caíram de boca na noite dublinense, cheia de bares.
O grupo fechou as gravações do disco no Japão e chegou a pensar em lançar um EP exclusivo para o país, que não saiu. Tiveram a oportunidade de usar uma máquina digital de 32 canais – que dava mais problemas de manutenção do que alegrias. No fim das contas, foram também alguns dias de diversão, mas com Peter Hook caindo de cabeça na cocaína e começando a arrumar encrenca por conta disso.
No fim das contas, Brotherhood chamou a atenção não apenas pela proposta sonora, como também pela capa, bastante misteriosa – aliás quase tão misteriosa quanto a dos discos do Joy Division. Apesar do nome da banda ter sido acrescentado em algumas edições (no Brasil, inclusive), a ideia era fazer uma imitação de folha de zinco, sem referência ao New Order.
Chris Mathan, que trabalhava com o designer Peter Saville, fez o design da tipografia da capa e lembra que o metal foi entregue por diferentes atacadistas. Peter Hook bateu o olho numa chapa onde estava escrito ‘BILLITON TITAANZINK’ e fez sua escolha. Outras chapas foram usadas nas capas dos singles de Bizarre love triangle e State of the nation (esse último um single que acabou ficando de fora do disco, e que posteriormente foi incluído em reedições em CD).
E essa briga toda aí geraria Brotherhood, um disco clássico, mas que ainda não seria o grande estouro do New Order – uma banda que, naquele período, ainda era relegada a papéis inferiores. Peter Hook garante ter sido passado para trás por Ian McCulloch, do Echo & The Bunnymen, que tirou a banda de uma configuração de turnê. Para divulgar o disco, fizeram um giro pela Espanha em que, numa das apresentações, tocaram num campo de touradas, e ficaram acomodados num camarim ao lado do fedidíssimo local dos touros. Tem mais sobre a vida do New Order nessa época aqui. Mas a história logo mudaria.
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Cultura Pop
No nosso podcast, o recomeço de John Lennon entre 1969 e 1970
No começo de sua carreira solo, John Lennon era um artista brigão, politizado, dado a excessos, que estava de cara virada para seus ex-colegas de Beatles, e que havia encontrado um pouco de paz em seu relacionamento com a artista asiática Yoko Ono. Em meio a isso, alternava protestos, álbuns experimentais (ambos feitos com a nova esposa) e seus primeiros singles, com músicas guerrilheiras como Cold turkey e Instant karma!
Entre 1969 e 1970, parecia que acontecia de tudo na vida dos Beatles. E por tabela, na vida de John, que vivia um dia a dia de brigas, entrevistas malcriadas, gravações novas, ameaça de falência, problemas no novo casamento e um processo de autodescoberta que aconteceu depois que um certo livro apareceu na sua caixa de correio… A gente termina a temporada de 2024 do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, recordando tudo que andava rolando pelo caminho de Lennon nessa época. Termine de ouvir e ataque a super edição turbinada de John Lennon/Plastic Ono Band (1970) que chegou às plataformas em 2020. E, ei, não esqueça de escutar Yoko Ono/Plastic Ono Band, que saiu junto do disco de John.
Século 21 no podcast: Juanita Stein e Caxtrinho.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
(temos dois episódios do Pop Fantasma Documento sobre Beatles aqui e aqui).
Crítica
Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world + Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV” (ao vivo)
Sério que Songs of a lost world, álbum novo do The Cure, já ganhou rapidamente uma edição deluxe com um registro ao vivo de todas as faixas do álbum? Sim, ganhou essa edição acrescida do rabicho Songs of a live world: Live Troxy London MMXIV. Até porque se o disco já fez bastante sucesso, a noite de lançamento do álbum foi inesquecível – com um show da banda em 1º de novembro no Troxy London, tocando todo o repertório do começo ao fim, além de vários hits. E é justamente o repertório do disco executado nessa noite, ao vivo, que surge como “disco 2” do álbum.
O Cure, redescoberto por novas gerações e por uma turma que não necessariamente é fã deles, mas curte os hits e gosta de curtir uma fossa, meio que vai tentando dar uma de U2: além de oferecer mais um mimo para os fãs, a banda vai doar todos os royalties deste lançamento para a instituição de caridade War Child. Na loja online do grupo existe um hotsite (ainda se usa esse termo?) só para as diferentes versões de Songs of a live world e para duas edições diferentes em vinil vermelho de Songs of a lost world: uma deles apenas com o disco original, e outra em formato duplo, trazendo as músicas em versões instrumentais no disco 2 (reparem bem: Songs tem músicas em que o vocal começa quase no fim da faixa, e que já são quase instrumentais, mas aí vai quem quer).
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O show inteiro daquela noite possivelmente você já viu no YouTube (se não viu, veja lá embaixo deste texto). E possivelmente você ficou impressionado/a como o The Cure voltou disposto a se transformar num espetáculo. Só que sem as presepadas do Coldplay e sem os truques de mágica do U2: é só a banda, num cenário escuro e esfumaçado, com muito peso e imponência visual e auditiva. As músicas do álbum transportadas para o “ao vivo” soam um pouco mais humanizadas, especialmente no caso de canções que, no disco, eram torrentes de ruído, como Warsong e Alone.
And nothing is forever destaca a magia dos teclados que, rearranjados, poderiam estar até num disco do Péricles – esse lado popularzão sem deixar de ser “dark” sempre foi uma das grandes forças do Cure. A ambiência do Troxy deixou músicas como I can never say goodbye (feita por Robert com o pensamento na morte de seu irmão mais velho Richard) e Endsong bem menos robóticas e desprovidas de qualquer traço de frieza. Se o disco novo do Cure é triste, a contrapartida ao vivo é a prova de que o show é feito para fãs que curtem chorar baldes ouvindo música. E tá tudo bem.
Nota: 9
Gravadora: Fiction/Polydor
Crítica
Ouvimos: Dead Boys, “Live in San Francisco”
A Cleopatra Records, uma gravadora de Los Angeles que se dedica a lançar em edições oficiais-ou-quase antigos discos piratas (boa parte deles de punk rock, psicodelia e pedradas obscuras dos anos 1960) revisita agora o catálogo de bootlegs dos Dead Boys, com esse Live in San Francisco.
O show foi gravado em 2 de novembro de 1977, na época de lançamento da estreia do grupo, Young, loud and snotty (1977) e já esteve nas lojas com vários nomes: Live 1977, Live in Old Waldorf (local em San Francisco onde rolou o tal show), Down in flames, etc. Não muda o fato de que é um piratão legítimo, com qualidade de gravação de demo antiga (foi tirado na verdade de uma transmissão da emissora KSAN-FM) e sem muitos tratamentos. Mostra pelo menos o peso do grupo na época, além de uma seleção de faixas de Young, além de algumas que sairiam só no segundo álbum, We have come for your children (1978).
O material dos Dead Boys seria bastante influente em gerações posteriores do punk, do power pop e até do rock pauleira (Guns N’Roses, por exemplo). A abertura com Sonic reducer e All this and more mostra um estilo de punk rock herdadíssimo de artistas como Alice Cooper, Ramones, David Bowie, Rolling Stones, New York Dolls. Um som que, mesmo antes do vocalista Stiv Bators abrir a boca, já se impunha pela atitude, pelas microfonias e pelo clima descompromissado musicalmente – no nível da desafinação em alguns momentos, como em All this and more, a desbocada Caught with the meat in your mouth e outras, todas aplaudidas por uma plateia audivelmente pequena, mas animada.
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- Stiv Bators: o “outro nome” do punk em documentário
- Entrevista: Frank Secich fala sobre a pouco lembrada (e ótima) carreira solo de Stiv Bators
Flame thrower love, que sairia só no segundo disco, está no álbum ao vivo e já trazia uma diferença em relação ao material anterior: era uma canção punk basicamente construída em cima de um riff pesado, algo bem mais próprio do hard rock. A destrutiva Son of Sam, entre gritos de Stiv e viradas erradíssimas do baterista Johnny Blitz, era formada por uma estranha mescla de pós-punk deprê e acordes poderosos na linha do The Who. No final, a cacofonia de Down in flames, cantada por Bators quase sem voz, e a homenagem aos Stooges com a releitura de Search and destroy, com microfonias no fim.
Os Dead Boys não sobreviveriam, pelo menos inicialmente, ao excesso de drogas, às incompreensões do mercado e a seu próprio comportamento destrutivo. O grupo voltou em 2017 e recentemente anunciou um disco gravado por uma turma all-stars, liderada pelo guitarrista original Cheetah Chrome – disco esse que já causou polêmica porque o vocalista Jake Hout acusa a banda de querer usar a voz do falecido vocalista Stiv Bators em IA. Só vendo, mas o passado, com todos os seus defeitos e qualidades, tá aí.
Nota: 7,5
Gravadora: Cleopatra Records
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