Cultura Pop
“Turn on”: um programa de TV que horrorizou geral em 1969
O programa humorístico norte-americano Laugh in fez sucesso pra burro. Existiu de 1968 a 1973, revelou carreiras como a de Goldie Hawn e era apresentado por uma dupla bastante ágil, Dan Rowan e Dick Martin. Na época, os produtores do programa, Ed Friendly e George Schlatter, ganharam tanta moral que havia quem pensasse que tudo o que eles fizessem daria certo. Em 5 de fevereiro de 1969, às 20h30, a ABC levou ao ar um programa produzido por eles, que acabou por desmentir essa afirmação: Turn on, que era para ser uma espécie de comédia de esquetes psicodélicos, e que acabou por só ter um episódio. Chegou a ser filmado um outro, que nunca foi ao ar. No YouTube, tem só um trechinho mínimo desse segundo episódio – o primeiro permanece sumido – que só está aí porque foi incluído num documentário da BBC.
O esquema do Laugh-in era de gags rápidas, com conteúdo sexual e político – se você acha que já viu algo parecido, antigos programas de humor da Rede Globo como o Viva o Gordo, de Jô Soares, acharam motivos para existir em torno disso. Já o Turn on era um lance mais complicado, com gags envolvendo um número excessivo, para a época, de piadas sexuais. O roteiro previa que o programa era realizado como se o texto e a edição saíssem de um computador, que servia de mestre de cerimônias para a atração. Devia ser algo bem complicado para explicar.
Para complicar mais um pouco: se qualquer programa de humor lançava mão de uma claque de risadas para finalizar as piadas, o Turn on finalizava os esquetes com os ruídos de um sintetizador Moog (engraçado que programas como o próprio Viva o gordo usavam uns ruídos de sintetizador junto com as risadas, no fim de alguns esquetes). Para complicar mais ainda: em algumas piadas, a tela aparecia dividida em quatro quadros, como se fosse uma história em quadrinhos – não havia nem tecnologia para se fazer esse tipo de coisa e a turma usava quatro projetores de imagens virados para espelhos, o que deixava tudo mais psicodélico ainda. Um produtor da CBS chegou a falar que o programa era “psicologicamente perturbador”.
Ficou faltando falar do que havia no roteiro. O site Night Flight lembra que uma das piadas mostrava um pelotão prestes a fuzilar uma mulher bonita e avisando a ela que “pode parecer estranho, mas o pelotão tem um último pedido” (tum-dum-diss?). Em outro esquete, embaixo da palavra “sex”, o ator Tim Conway e o convidado Bonnie Boland simulavam uma transa homossexual. Conway passava toda a atração tentando se suicidar. Era loucura demais.
O conteúdo provocou tanta raiva numa afiliada da ABC de Cleveland, Ohio, que a emissora cortou a exibição quando o programa estava em onze minutos de duração – um morador do local, irritado com o fato do canal ter parado de exibir a série Peyton Place, ligou para lá e fez um escândalo tão grande que a emissora desistiu do programa. A crítica não dexou a produção do Turn on em paz e classificou tudo como um abacaxi daqueles. Com fama de ter sido um programa bem mais vulgar e maluco do que propriamente engraçado, ele acabou sendo abandonado pelo canal antes que desse mais merda.
Recentemente, foram perguntar ao produtor George Schlatter o que se passou na cabeça dele quando fizeram o Turn on, e ele foi bastante sincero: tudo veio de um grande excesso de autoconfiança. “Era a arrogância do poder que assumia o controle. Eu hoje sou um cara pretensioso, agora imagina há quarenta anos, com 50 de share”, brincou. “A ideia era arrastar a audiência sem que eles estivessem num lugar confortável, eles só estavam ali e mais nada. Acabou que não havia audiência”. O papo com George você vê abaixo, com legendas automáticas (ruins).
Crítica
Ouvimos: Joan Armatrading, “How did this happen and what does it now mean”
- How did this happen and what does it now mean é o vigésimo-primeiro disco de estúdio da cantora e compositora britânica Joan Armatrading. A única coisa que ela não fez no disco foi a engenharia de gravação: ela compôs, tocou, cantou, produziu e programou tudo.
- Ao The Guardian, ela explicou o título do disco (“como isso foi acontecer e o que significa agora?”): “Acho que nos tornamos polarizados porque quando você está cara a cara com alguém, coisas como linguagem corporal e contato visual nos impedem de fazer certas coisas. Isso não acontece nas mídias sociais, então se espalha para o mundo real. Não vamos nos livrar de todas as guerras e desentendimentos, mas o título do álbum está perguntando como diabos podemos sair dessa situação em que estamos e como voltamos para um lugar melhor”.
Descobrir, sem estar esperando, que Joan Armatrading lançou um novo álbum, é uma surpresa enorme. Ver que o disco é um projeto quase inteiramente solo (ela compôs, produziu, tocou e programou tudo sozinha) não chega a ser uma surpresa para quem conhece um pouco da história dela e pelo menos alguns hits e discos clássicos.
No caso de How did this happen and what does it now mean, o estilo conhecido de pop-rock confessional dela, já a partir do título, vem com um subtexto de sobrevivência e superação. Ainda que algumas histórias contadas nas letras apontem para ressacas amorosas e falsidades do amor em geral, como no pop-rock Someone else e no r&b I gave you my keys (“eu te dei minhas chaves para tudo que eu tinha/você era minha divindade, você governou meu mundo/governou minha terra, governou meu céu/como você pôde me machucar tanto?”).
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Já o blues-rock-soul percussivo I’m not moving põe violência urbana no disco, com Joan recordando as cenas que viu durante um assalto, e levando a história para uma situação em que a minoria tem as maiores cartas na mão (“posso ser pequeno/mas sou poderoso/você pode ser muito mais velho/mas ainda assim eu governo você”). O pop com argamassa soul e musicalidade herdada do folk, especialidade dela, volta em faixas como 25 kisses, Here’s what I know e a faixa-título, que conta outra história de amor que acaba com problemas e dúvidas (“onde está aquela versão de nós mesmos/que nós amávamos, que era tão preciosa/em nosso mundo, em nossos corações?”).
Para quem tem saudades do lado baladão de AM de Joan, registre-se a presença de Irresistible e Say it tomorrow e do gospel Redemption love. No disco novo, ela fez questão de que todos os seus lados musicais convivessem sem problemas, cabendo até dois instrumentais, Now what e Back to forth, nos quais ela se mostra uma excelente guitarrista de blues e rock. Aos 74 anos e sabendo fazer de tudo num estúdio, Joan é o poder, mesmo que falte um certo empoderamento nas histórias amorosas das letras.
Nota: 7,5
Gravadora: BMG
Crítica
Ouvimos: Os Paralamas do Sucesso, “10 remixes”
- 10 remixes traz (como diz o próprio título) dez canções dos Paralamas do Sucesso remixadas. O trabalho foi orquestrado pelo DJ Marcelinho da Lua, que escolheu DJs de diferentes gerações. O trio e o empresário José Fortes também já tinham uma lista com alguns nomes.
- “Tudo começou quando eu estava num show do Paul McCartney em 2013, quando prestei atenção nas inúmeras releituras de músicas dos Beatles feitas por DJs que tocavam antes do Paul subir ao palco. Fiquei pensando como seria legal se fizessem o mesmo com o repertório dos Paralamas”, contou João Barone, baterista da banda, em seu Instagram.
Lançar um álbum de remixes dos Paralamas do Sucesso é uma ideia tão boa que não dá pra entender como ninguém pensou nisso antes. Discos de remixes de um mesmo artista, aliás, costumam sair bem irregulares, além de cometerem verdadeiras atrocidades. Felizmente, 10 remixes saiu legal, e quase tudo pode ser dançado na pista e ouvido em casa sem (muitos) atropelos.
Em Lanterna dos afogados, Mahmundi deu um ar dançante e viajante à música, e inseriu sua voz como parte das novidades da canção – soou tão bem que ela deveria pensar em fazer outras visitas à obra da banda. Ska, com DJ Marky, virou um cruzamento de ska, reggae e drum’n bass. O beco ganhou remix conceitualmente correto (e bom) do Tropkillaz, em clima funk-reggae, com os vocais de Herbert Vianna filtrados e à frente. Selvagem, nas mãos de Daniel Ganjaman, virou reggae-dub.
No 10 remixes, vale também citar o samba-funk-reggae que surge de O amor não sabe esperar (com Paralamas e Marisa Monte), capitaneado por Pretinho da Serrinha e Bossacucanova. Além do synthpop simultaneamente experimental e cheio de balanço de Mulú em Aonde quer que eu vá, e do redesenho drum’n bossa de Marcelinho da Lua em Mensagem de amor.
Por outro lado, Lourinha bombril rendeu menos do que poderia ter rendido nas mãos do Àttooxxá. Ela disse adeus, com Papatinho, virou um batidão funk pequenininho (com pelo menos um minuto a menos que o original) e sem muitos atrativos. E não sei até que ponto a balada stoniana Saber amar tinha que ganhar um remix techno de botar fogo na pista, que foi para as mãos de Ké Fernandes (Groove Delight).
Nota: 8
Gravadora: Universal
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Crítica
Ouvimos: New Order, “Brotherhood (Definitive edition)”
Pode ser algum problema de atenção ou de audição, mas não percebi nenhuma diferença no som dessa edição definitiva de Brotherhood em relação à remasterização “de colecionador” do disco, lançada em 2008 (e vale lembrar que o quarto álbum do New Order, de 1986, já teve seus bastidores recordados aqui mesmo no Pop Fantasma). Dois anos antes do quadragésimo aniversário do Sgt Pepper’s às avessas do grupo, no entanto, a definitive edition lançada pela Rhino é a melhor forma de comemoração, por reunir num só lançamento o antes, durante e depois do álbum.
Resumindo a história em poucas linhas: Brotherhood saiu numa época de transição para o New Order, uma banda cujas vendas ajudavam a dar sustentação ao selo indie britânico Factory, mas que não vivia uma vida de grupo do primeiro time – com direito a shows nos cafundós, camarins zoados e uma certa sombra de desprestígio. O álbum era dividido entre um lado A mais roqueiro e um lado B mais eletrônico. As duas faces eram balizadas por uma espécie de pós-punk-country (Paradise, com letra inspirada nas “canções de partida” do estilo musical) e um futuro clássico dance-pop (Bizarre love triangle).
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- Mais New Order no Pop Fantasma aqui.
- Episódio do nosso podcast sobre eles aqui.
Mas ainda havia no álbum rocks de pista (Broken promise, Way of life), outro pós-punk dançante (Weirdo, com abertura “falsa”), uma canção acústica pop e quase sixties (As it is when it was), dance music ambient (All day long), dance music sombria e lisérgica (Angel dust) e o encerramento com Every little counts, cantada por Bernard Sumner aos risos (ele chega a interromper a música para rir) e fechada com alguns minutos de psicodelia e ruídos.
A nova edição dá som a histórias sempre contadas a respeito do grupo, trazendo por exemplo, as músicas da demo gravada por eles no Japão em 1985, em meio a uma turnê por lá. A versão de State of the nation não é exatamente imperdível, mas a de As it is when it was vale a audição: vem mais tecnopop, sem violão, sustentada pelo baixo agudo de Peter Hook, e com certa cara de The Cure.
Evil dust, que já havia sido lançada na edição de colecionador de 2008, retorna – é uma versão “maligna” de Angel dust, com mais espaço para os vocais da cantora libanesa Dusya Yusin, sampleados de duas músicas de Brian Eno e David Byrne, The carrier e Regiment (ambas do disco My life in the bush of ghosts, de 1981). O material composto pelo New Order para o filme Salvation! (1987), de Beth B, aparece na íntegra, dos temas instrumentais (como as quase progressivas Salvation theme e Sputnik) ao single bem sucedido Touched by the hand of god.
Das inéditas lançadas na nova edição de Brotherhood, tem uma para escutar no último volume: Every little counts aparece em sua lendária versão completa, com alguns minutos a mais de psicodelia ruidosa e assustadora no final, um segundinho de silêncio e… o ruído de toca-discos pulando. Era para ser mais parecido ainda com A day in the life, fechamento do Sgt Peppers, dos Beatles, e era para dar mais sensação ainda de desnorteio. Brotherhood é uma ousadia que ainda permanece atual.
Nota: 9
Gravadora: Rhino
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