Lançamentos
Radar: onze sons que chegaram até a gente pelo Groover
O Pop Fantasma já tem perfil na plataforma Groover, em que artistas independentes podem mandar suas músicas para vários curadores – nós, inclusive. O time de artistas que vem procurando a gente é bem variado, mas por acaso (ou talvez não tão por acaso assim) tem uma turma enorme ligada a estilos como pós-punk, darkwave, eletrônico, punk, experimental, no wave e sons afins.
Abaixo, você fica conhecendo onze nomes do Groover que já passaram na nossa peneira e foram divulgados pela gente no site. Ponha tudo na sua playlist e conheça.
VICTORIA ON THE GRASS. O maior destaque da leva vai para este duo meio italiano, meio britânico, formado por Benedetta Oliovecchio (voz, teclados e baixo) e Caterina Fuso (bateria, guitarra, synth, programações), que basicamente faz dream pop com algo mais – e reúne referências tanto de sons oitentistas como de coisas mais tranquilas dos anos 1990 para cá. O primeiro EP, All above, saiu em 2022.
Ouça: Blur picture.
STEFAN CERTIC. Vindo da Sérvia, Stefan Certic é um compositor e produtor de estilos como synth pop e darkwave, e que está preparando sozinho, tocando todos os instrumentos, um álbum conceitual, World of mine. Enquanto o disco não fica pronto, saem alguns singles – falamos recentemente de um deles, The abyss, que combina teclados circulares, programações eletrônicas, vocais e melodia lembrando bastante o Depeche Mode, e algum peso nas guitarras.
Ouça: Intermezzo.
XOXI HAUNTER. Esse cantor e compositor vem da Califórnia, mas como todo aquele sol, o papo dele é som gótico com vários toques de nostalgia dos anos 1980, voz grave e tom de música de funeral – ainda que seja nas canções mais agitadas. Uma de suas músicas novas, Possess me, saiu em 2023 e tem exatamente esse clima. Xoxi faz questão de falar que não é só isso, não. “Ela tem um som descontraído e sonhador”, conta.
Ouça: Possess me.
SARA DIANA. Com apenas 18 anos, Sara Diana (que vem de Miami, Flórida) tem uma voz bastante madura – fica claro na audição de seu EP Can’t be fazed, definido por ela mesma como um disco sobre sobrevivência. “Todo o conceito de não ficar ‘perturbada’ é sentir como se nada mais pudesse machucar você. Tenho certeza de que muitas pessoas já passaram por um momento na vida em que sentem que estão lidando com tanta coisa que não conseguem mais se abalar. Então, esse projeto é simplesmente isso”, diz ela. Para fãs de Amy Lee e Alanis Morissette.
Ouça: Growing pains, single mais recente.
NOCKTUM. Todos os singles do projeto gótico italiano Nocktum lançados até o momento têm a mesma capa: um caixão com uma cruz virada de cabeça para baixo. Tudo (menos a cruz) em cor preta. A banda foi criada por um rapaz de nome ainda não citado, que tem 31 anos, e que se inspirou especialmente em She Past Away, Depeche Mode e Lebanon Hanover. “Sempre toquei no underground por 15 anos na minha cidade e sempre apoiei artistas emergentes, mas dessa vez decidi me apoiar também”, confessa. A sonoridade da banda é eletrônica, funérea e dançante.
Ouça: os significativos singles Fading life e She tried her best.
BARKER. O formato cantautor de protesto ainda atrai muita gente. Barker, um cantor e compositor da Grã-Bretanha, investe justamente nessa onda, e acaba de lançar um EP chamado Washington girls. Uma das músicas, o single Flags, é uma canção meio folk meio punk que “se inspira em sonhos de sociedades utópicas, levanta questões sobre os perigos do individualismo militante e, na seção final, afirma que somos ‘tão bons quanto aqueles que nos fazem bons'”. A canção abre com um piano circular que lembra um pouco as loucuras do XTC – durante a gravação, ele chegou a mexer com desaceleração de fitas para conseguir sons novos.
Ouça: Flags.
ORGANISED SCUM. “Essa música é um exame da nossa necropolítica, do cenário infernal capitalista neoliberal e, já que todo mundo está fazendo isso hoje em dia, da masculinidade tóxica”, diz o projeto eletrônico Organised Scum sobre sua nova música, Our Steven. O OS vem do Reino Unido, define-se no Groover como “eletrônico/metal/pop” e soa como um Nine Inch Nails mesclado com Roxy Music, se é que isso é possível. O grupo promete o álbum Sensitised para breve.
Ouça: Our Steven.
XX DOG TATTOOS. Essa dupla é um projeto bastante misterioso da França – mas é um projeto musical bem prolífico também, diga-se. A dupla de dark pop formada por Léa Blaszczynski (vocais) e Damien Van Lede (voz e instrumentos) já lançou recentemente até um álbum cheio, Icy bliss, com treze faixas – uma delas é o cântico dark A dog tattoo, que saiu originalmente como single, e que tem um daqueles clipes proibitivos a quem tem sensibilidade visual. Feche a tela e ouça a música.
Ouça: A dog tattoo.
nascent|2342|. O nome dessa banda se escreve assim mesmo, com esse estilo de minúsculas e números. “O som vem do meu amor pelo rock/metal industrial dos anos 90 esmagado junto com tons de dark ambient, grunge e noise rock”, diz o criador da banda, um sujeito que, pelos créditos de composição nas plataformas, chama-se Glenn Smith. Recentemente saiu um álbum de nome significativo, The paranoid junkie in my head is having a good day, 50 minutos de música dura, depressiva e paranoica. Sylvia Hath, single lançado em outubro, é uma dolorida conversa que ele gostaria de ter tido com a escritora Sylvia Plath, que tirou sua própria vida em 1963, aos 30 anos.
Ouça: Sylvia Hath.
OLD SHIPS. Liderado por um sujeito chamado Vlad, esse projeto musical da França inspira-se em Depeche Mode, New Order e em Hot Chip e LCD Soundsystem. Num dos singles mais recentes, Death in the club, a introdução de guitarra ameaça lembrar Legião Urbana e Hojerizah (!), mas o som logo ganha toques eletrônicos. “Tentei criar uma atmosfera dançante, mas hipnótica, que capturasse a cena da vida noturna moderna, onde as emoções se confundem e a autenticidade desaparece sob luzes de neon. A letra explora a solidão e a alienação sentidas em um clube lotado, onde rostos familiares desaparecem e a euforia dá lugar a uma reflexão mais profunda”, diz ele no Groover. Havia um álbum prometido para 2024, que ainda não saiu.
Ouça: Death in the club.
CIRCUS NERVES. Será culpa da IA? O Circus Nerves, vindo do Brooklyn (Nova York), define-se no Groover como “uma banda semi-ficcional recém-formada”, cuja sonoridade alude a bandas como Aztec Camera e The Railway Children (lembra-se deles?). O single mais recente se chama Kiss cam anxiety e é uma balada dançante, marcada por violões, vocais bem cuidados e programações. “A letra é baseada em eventos reais que ocorreram em Buffalo em um jogo de futebol de ação de graças em 1998. O vocalista Hampus Svard era ou não parte dos eventos durante o momento da câmera do beijo”, desconversam.
Ouça: Kiss cam anxiety.
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- Mais do Groover no Pop Fantasma aqui.
Crítica
Ouvimos: Ney Matogrosso & Hecto, “Canções para um novo mundo”
- Canções para um novo mundo é o novo disco de Ney Matogrosso, que marca a parceria dele com a banda-dupla Hecto, formada por Guilherme Gê (voz, teclados, guitarra) e Marcelo Lader (guitarra). O disco tem participações de Roberto Frejat, Ana Cañas e Will Calhoum (Living Colour), além de colaborações musicais com Paulo Sergio Valle, Mauro Santa Cecilia e Sergio Britto (Titãs), entre outros.
- “A decisão de gravar um álbum com a Hecto se deu pelo repertório, que eu gostei muito, além de adorar o rock. As letras são muito contundentes, o que me chamou a atenção. Aí eu canto, porque não tenho restrição. E olha, a parceria vocal com o Gê é uma novidade, né? Eu tinha feito isso só com o Pedro Luis, lá atrás (2004)”, diz Ney.
- “Ney caiu de cabeça no álbum e claro, o projeto se transformou profundamente, foi o começo de uma grande parceria. Além disso, a generosidade e tranquilidade dele no processo todo é um aprendizado pra qualquer artista”, revela Guilherme.
O universo do rock não é nada estranho para Ney Matogrosso – que começou numa banda do estilo, Secos & Molhados, e em 1976, já solo, transformou Mulheres de Atenas, de Chico Buarque, numa canção perdida de David Bowie ou do T. Rex. Mas se alguém achava que faltava um disco “de rock” na discografia solo do cantor, não falta mais.
Acompanhado do Hecto, em Canções para um novo mundo, o cantor afia a pegada indo para os lados do rap-metal com herança de Titãs (a zoação cruel Pátria gentil, com linguagem de telemarketing), para o hard rock com referências de música latina e samba (Teu sangue) e para o samba-metal com guitarra pesada e pandeiro (Nosso grito). Solaris tem tom quase pós-punk, com violões lembrando R.E.M. e Smiths. Dessa música participa Roberto Frejat, o segundo convidado mais bem aproveitado do disco – o principal surge na abertura, em que Will Calhoun, da banda Living Colour, toca bateria em Pátria gentil.
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Em época de 40 anos de Rock In Rio (a primeira edição do festival, aberta por Ney em janeiro de 1985) e de memórias tristes evocadas pelo filme Ainda estou aqui, não surpreende a sinergia que vem de Canções para um novo mundo, disco cujas letras falam de situações lamentáveis do país, mas sempre enfatizando que algo novo bate na porta.
A faixa-título, lembrando a MPB pop dos anos 1980 (de discos como Ideologia, de Cazuza, de 1988), grita: “são as mesmas questões de Shakesperare/guerras e beijos (…)/ninguém pode impedir do novo mundo chegar”. Anonimato, MPB com pegada samba-rock vinda dos anos 1990, suscita várias questões: a letra trata da devolução à não-fama das pessoas que estão fora do universo dos algoritmos? Fala sobre alguém que é sempre apagado historicamente? O refrão traz a frase “que saudade de existir!”
Para fãs antigos de Ney, outra novidade é que o vocal do cantor foi gravado de maneira diferente no álbum, trazendo uma certa sujeira que dificilmente alguém vai ver num disco dele, ou mesmo num show. Canções para um novo mundo, mesmo não sendo propriamente um disco do cantor (é um álbum basicamente do Hecto, embora com personalidade vocal dada por ele) traz também um novo mundo para a história de Ney Matogrosso.
Nota: 9
Gravadora: Som Livre.
Crítica
Ouvimos: Sofia Freire, “Ponta da língua”
- Lançado em março de 2024, Ponta da língua é o terceiro álbum da cantora e compositora pernambucana Sofia Freire. No disco, ela cantou, compôs, produziu, editou e gravou todas as faixas. Por acaso, o estúdio dela se chama Eu Mesma Produções.
- Definido como dark pop, o disco veio de uma crise criativa da pandemia. “Fiquei abalada mesmo, uma vida em pausa. Sabe quando algo está na ponta da língua e não sai? Tive dificuldades de lidar e de entender meus sentimentos, quase uma crise existencial. De alguma forma transformei isso em letras e esse disco é fruto disso. Por isso, o nome”, reflete Sofia.
Tem quase um ano que Ponta da língua, terceiro álbum de Sofia Freire, chegou às plataformas. E como os bons discos de art pop fazem, ele aponta tanto para o futuro que parece um lançamento de 2025 ou 2026. Basicamente é um disco de MPB feito com base no synth-pop. Mas não pense na MPB dos anos 1980, porque o lance aqui é outro, unindo referências claras de música brasileira experimental, indie rock, indie pop, e até neo-soul – na viagem anti-letargia e pró-transformações de Autofagia, que abre o álbum.
Até mesmo o que poderia soar mais orgânico no disco, como a própria voz de Sofia, ganha tratamentos diferentes, e é inserido pela própria cantora como um instrumento a mais. Seja nas vozes sobrepostas que aparecem em quase todas as faixas – e que às vezes soam como Laurie Anderson – ou no design rítmico e ágil das interpretações de Sofia. É o que rola em Arrebento, que mescla ritmos orientais, synths que lembram músicas de Kate Bush e David Sylvian, e o próprio ritmo pessoal da cantora, na letra (“como uma criança/em sincera indisciplina/ri e chora estourando/os balões cheios de ar/quero logo estourar”, contando uma história que passa por feminismo, desejos e projetos).
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Ponta da língua tem uma espécie de tecno-reggae-brega, que é Minha imaginação, cuja sonoridade lembra o synthpop oitentista – os vocais que surgem como surpresas ao longo da música. Orlando lembra os lados mais experimentais do tecnopop. Big bang tem tom orientalista que lembra bandas como Japan e Ultravox, e uma letra que alude ao lado mais visionário e ficcionista-científico de Gilberto Gil. Na faixa-título, uma ótima marcação rítmica traz como surpresas micropontos de pop nacional oitentista, com destaque para versos como “não haverá mais dia/que se passe/sem que eu pense/sem que eu pulse de vontade/de tocar a minha liberdade/com a ponta da minha língua”.
Dentro de mim é outra pérola rítmica, com vocais quase mântricos e letra medindo os custos e benefícios das mudanças diárias (“dentro de mim/basta/ser quem eu sou/custa/ser quem vou ser”). Mormaço une pop sintetizado e Nordeste. E uma surpresa do álbum é Resta saber, que abre como um lounge anos 2000 e vai ganhando características de house music e de batidões dos anos 1990. Se por acaso você deixou escapar esse disco em 2024, ponha na lista do começo de 2025.
Nota: 9
Gravadora: Independente.
Crítica
Ouvimos: Andréa Dutra, “Entre nós”
- Entre nós é o sexto álbum da cantora carioca Andréa Dutra, viabilizado por financiamento coletivo, e produzido por ela e por Léo Freitas.
- O material foi todo composto por ela, e o álbum é de voz e piano, só que com uma diferença: ela aparece acompanhada por diversos pianistas diferentes ao longo das faixas do disco. Por acaso, é o instrumento que ela usa para compor e ensinar música (Andréa é preparadora vocal e professora de canto, além de jornalista).
- A arte da capa foi feita por Tito Faria.
Entre nós tem um formato simplificado e atraente: nove músicas de voz e piano, todas com letra e música de Andréa Dutra – que surge acompanhada por pianistas diferentes em cada faixa. O material, apontando para a união de samba e jazz em vários momentos, ganha inicialmente uma cara alegre e expansiva no single Acerto, torna-se misterioso e introvertido em Entre nós (com versos esperançosos e engatilhados, simultaneamente) e lírico em Valsa nº1. São as três primeiras faixas, nas quais Andréa é acompanhada, respectivamente, por Adriano Souza, Paulo Malaguti Pauleira e Itamar Assiere.
Os pianistas acompanham o estilo de cada música. Entre os melhores momentos, o tom percussivo e simultaneamente clássico de Léo de Freitas em Deixa quieto, que celebra a chuva como um momento de introspecção (“meu pai disse: fica em casa, tá chovendo/nesses dias nem precisa trabalhar/chuva é feita pra tirar férias da vida/de olhos presos na vidraça até passar”), a percussão pianística do samba alegre Dadivosa, tocada por Leandro Braga, e o clima bossa pop de Maio, com Sheila Zagury. Pedra e flor, com letra de volta por cima, une Andréa a três dos pianistas (Adriano Souza, Leo de Freitas e João Braga), entre bases, solos e balanços.
No final, as várias partes de Conselhos para um adolescente na ponte-aérea RJ-SP, uma das melhores letras do álbum, com Antonio Fisher-Band no piano. Como se escrevia em algumas capas de LPs nos anos 1980, “este é mais um disco independente”. De verdade.
Nota: 8,5
Gravadora: Peneira Musical
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