Cultura Pop
Quando o Van Halen gravou Kinks

Por algum motivo, a antiga “invasão britânica” do rock dos anos 1960 virou uma tendencinha lá por 1978. A edição de 4 de fevereiro daquele ano da Billboard apontava que nos últimos meses, três canções daquela época haviam sido regravadas e voltaram aos charts. Tinha ninguém menos que Santana cantando She’s not there (Zombies), o conjunto disco Santa Esmeralda relendo Don’t let me be misunderstood (Animals) no estilo e – veja só – o Van Halen recordando You really got me (Kinks, uma banda que, na prática, nem chegou a invadir os EUA).
“Ao contrário dos outros dois grupos, a versão do Van Halen para a música dos Kinks é feita no mesmo hard rock poderoso dos remanescentes do blues-rock britânico, como o Deep Purple”, contou a publicação. Que, aliás, dava até o telefone do empresário dos novatos Eddie (guitarra), Alex Van Halen (bateria), Michael Anthony (baixo) e Dave Lee Roth (vocais) e o local onde a banda mais poderia ser achada (o palco do Whisky A Go Go, em Los Angeles, onde dividiam espaço com punks e new wavers e no qual haviam tocado no réveillon de 1977).
Apesar do Van Halen ser um grupo bastante autoral (a ponto do repertório sempre ganhar créditos para todos os quatro integrantes), Ten Templeman, diretor de A&R da Warner e produtor da banda, sugeriu que You really got me não apenas fosse gravada no primeiro álbum, epônimo, de 1977, bem como virasse o primeiro single do disco. Eddie van Halen, no começo, não teria curtido a ideia. Mas acabou gravando.
“Foi um esforço conjunto. Foi uma coisa conjunta entre nós e Ted. Na noite em que ele nos viu tocar, tocamos aquela música e ele começou: ‘Ei, cara, essa pode ser uma boa música para colocar no disco’. E pensei: ‘Sim, merda'”, brincou Eddie Van Halen nesse papo aqui. “Isso porque todos nós estávamos esperando para fazer essa música desde que tínhamos quatro anos. Quer dizer, soa diferente do original. É meio atualizado. Fizemos a canção ‘vanhalenizada’ como um avião a jato”.
Nos anos 1970, por sinal, os Kinks desfrutavam de um sucesso nos EUA que nunca haviam tido antes. A banda teve a parte “americana” de sua carreira interrompida ainda nos anos 1960 em circunstâncias pra lá de esquisitas. Ao que consta, isso aconteceu por causa do comportamento turbulento do grupo no palco. E por causa de uma encrenca qualquer durante a participação dos Kinks no programa de Dick Clark, Where the action is.
Passados quatro anos, a banda voltou a tocar por lá, ainda que seus discos não fizessem tanto barulho. Até que em 1976, o chefão do selo Arista, Clive Davis, resolveu verificar a quantas andava a carreira dos Kinks. Isso levou a banda teve uma sobrevida na onda do pré-punk e do power pop. Passaram a fazer parte do dia a dia do grupo discos gravados em Nova York (o britânico radical Ray Davies, líder do grupo, alugou um apartamento lá para trabalhar) e hits como Sleepwalker e (Wish I could fly like) Superman.
Era, tudo considerado, um bom momento para recordar um antigo hit dos Kinks, e You really got me ainda era lembrada nos EUA naquele período. Os Kinks é que, como bons cidadãos de grosso trato, já tiveram opiniões bem venais em relação à releitura feita pelo Van Halen. Dave Davies, guitarrista (e irmão de Ray) já reclamou que quando fizeram a tour do disco Low budget (1978) precisavam aturar jovens dizendo que eles tocavam a música do Van Halen nos shows”, e que os Kinks odiaram a versão.
Um tempo depois, o astral de Dave (que se diz responsável pelo som característico da gravação original dos Kinks) mudou em relação à releitura, e ele até topou dar uma entrevista a um site de fãs do Van Halen em 2013. Lembrou que You really got me teve influências dos Ventures (“a primeira música que Eddie Van Halen aprendeu a tocar na guitarra foi Walk, don’t run, dos Ventures”, lembrou o entrevistador, para surpresa do próprio Dave).
“Eu e Ray éramos grandes fãs dos Ventures. É parte da história de You really got me. Eu gostava dos músicos de jazz da geração mais velha, e eles construíam as músicas com base em riffs, meio que como um rock”, afirmou, dizendo também que a primeira tentativa de gravar a canção foi estragada pela gravadora. Até que o empresário da banda deu 200 libras ao grupo e os enviou a um estúdio, dizendo para fazerem o que queriam. Daí Dave teria cortado os falantes da caixa de som para conseguir mais distorção e tocou na faixa que fez sucesso.
Em certo tom de crítica em relação ao Van Halen, Dave só diz que o original dos Kinks é sobre “um bando de crianças tentando se expressar”, enquanto a do VH diz respeito a “uma vida americana confortável”. Por sinal, ele também tinha assistido ao grupo tocando uma versão acústica da música, gravada em 2012, e assustou-se não apenas com o clima relaxado da gravação (que considerou bem melhor) como com o fato da banda ter guardado a releitura para o fim do show, numa surpresa para os fãs.
“Era como se fosse a música deles, mas não era, era uma música nossa. As emoções que eles tiveram, sobre guardar a música até o fim e que era uma música de impacto, era o mesmo tipo de conversa que eu e Ray teríamos no começo da banda. Foi meio assustador porque foi a música que deu início à carreira deles, e também deu início à carreira dos Kinks”, contou.
Ficou na dúvida sobre qual versão é a melhor? Bom, fizeram um vídeo comparando as duas. Pega aí.
Veja também no POP FANTASMA:
– Dez hits da fase americana dos Kinks: descubra!
– Quando Ray Davies (Kinks) meteu o pau em Revolver, dos Beatles
– Percy: aquela vez em que os Kinks fizeram a trilha de uma comédia sobre transplante de pênis
– O passado punk do Van Halen – temos imagens
– US Festival: o (er) Woodstock da década do “nós”
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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