Destaque
POP FANTASMA apresenta Jonnata Doll e Os Garotos Solventes, “Filtra-me”
Lançada por Jonnata Doll & Os Garotos Solventes em seu terceiro disco, Alienígena, do ano passado, a canção Filtra-me ganha um clipe bastante ousado e arriscado. Jonnata, no vídeo, surge mantido em cativeiro, vendado e observado por estranhos, durante uma sessão de shibari – a milenar técnica de amarração japonesa, usada a partir do século 20 para fins eróticos.
A música Filtra-me, além de estar no disco, havia aparecido na trilha sonora do espetáculo teatral distópico Res Pública 2023, censurado por Roberto Alvim quando ainda era responsável pela Funarte. Já o clipe de Filtra-me já estava pronto desde o fim do ano passado, e a ideia era usá-lo para turbinar o novo disco, que ganharia turnê. A covid-19, no entanto, atrapalhou os planos não apenas de Jonnata, mas também de todo mundo que está no mercado de shows.
“A ideia era divulgar o disco a todo vapor, mas a pandemia pegou a gente. A gente ganhou um Proac (Programa de Ação Cultural) da cidade de São Paulo para a circulação, e a gente vai ter que adaptar isso para o formato digital. O clipe acabou sendo lançado agora porque teve toda uma pós-produção, esperamos uma data que fizesse sentido. E o dia 3 de agosto (quando saiu o clipe) foi o aniversário de 32 anos da data em que a censura foi oficialmente encerrada no Brasil, o país que tortura sem censura”, relata o cantor.
O clipe de Filtra-me foi todo rodado em preto e branco num porão abandonado no bairro Campos Elíseos, em São Paulo. E teve direção de Thiago Mattar, que fez o documentário O barato de Iacanga, sobre o Festival de Águas Claras (você já leu uma entrevista com Thiago sobre o filme aqui no POP FANTASMA). A própria locação, onde o artista plástico Thomaz Rosa tem um ateliê, deu a ideia de como deveria ser o clipe. E a situação atual do país deu o “toque final”.
“Do lado do ateliê dele tem uns quartos vazios, e a gente imaginou um ambiente de sequestro, de tortura, dos porões da ditadura. Não estávamos vivendo a pandemia, mas estávamos vivendo uma doença, uma formação de necropolítica que se instaurou no poder. O próprio Thiago criou essa concepção mais fetichista, do shibari, que é uma tortura associada ao prazer”, conta Jonnata Doll, que contou com a consultoria de um casal de praticantes, Amauri Filho e Aileen Rosik. Eles também estavam entre os atores do vídeo. “Eles são super experientes, ela é dominatrix”, recorda Jonnata.
Por sinal, rolou um sofrimento durante as gravações, a começar por que Jonnata tem asma e não pode ficar preso por muito tempo. “Eu começo a ter ataque de pânico com qualquer coisa que me prenda ou me retenha. Mas resolvi encarar, achei que poderia ser interessante como superação. Bom, não é lá uma grande superação…”, brinca. “Mas isso traz uma resposta na performance. Às vezes o artista tem que se colocar num lugar desconfortável para chegar a um outro lugar”.
Mas não foi só isso: Jonnata acabou demorando demais num dos momentos do clipe, no qual ele aparecia amarrado e estendido. Por causa disso, permaneceu um tempinho com sequelas. “Eu fiquei estendido durante um bom tempo. Não foram horas, mas o tempo seguro seriam 20 minutos, mais ou menos. Fiquei lá me forçando a continuar, porque não tínhamos uma tomada ainda. Depois eu fiquei com o nervo radial do braço direito esmagado e demorou uns meses para poder mexer a mão direito e tocar”, conta.
“O Jonnata é foda porque se entrega mesmo. Ele é praticamente indestrutível. Acabou de se acidentar feio de bicicleta e já tá inteiro de novo”, conta Thiago, o diretor, lembrando que a eletricidade do último take tomou conta de toda a equipe. “Mas ficamos preocupados quando ele contou que não tava conseguindo tocar guitarra no show”, conta.
Para o futuro, com ou sem pandemia (e com clipe e disco para divulgar), Jonnata faz planos. “Ganhamos o projeto de circulação do Proac e vamos transpor para shows online. Vamos fazer um show no Centro Cultural São Paulo para cadeiras vazias”, conta, rindo. “Mas vamos pensar mais como um vídeo, vamos tocar o álbum na íntegra”.
E, por sinal, tem mais novidades vindo por aí na vida de Jonnata, que se torna pai em breve: a namorada do cantor está grávida. O casal se mudou temporariamente para Arcos, cidadezinha no interior de Minas Gerais, e ficou em quarentena por lá. Jonnata diz que a aventura na cidade já o inspirou para novas canções.
“A gente estava na roça e entendi o estilo de vida agro. Entendi porque é que temos um presidente desse jeito no poder, para quem ele fala. A população de lá pensa a terra de uma forma muito prática, pragmática, é uma relação até abusiva, das pessoas com os animais, com a terra. Ao mesmo tempo, é uma relação afetiva. Isso provavelmente vai virar um próximo disco”, revela, antes de dar o toque. “Os artistas têm que continuar criando. Se o mundo está hostil, temos que dar uma resposta criativa”.
Conheça o clipe de Filtra-me, de Jonnata Doll e os Garotos Solventes.
Cultura Pop
Quando Suicide gravou… “Born in the USA”, do Bruce Springsteen
A way of life, disco de 1988 da dupla de música eletrônica Suicide, é tido como um disco, er, acessível. Acessível à moda de Martin Rev e Alan Vega, claro. O disco pelo menos podia ser colocado tranquilamente na prateleira dos artífices da darkwave e era bem mais audível do que o comum de um grupo que havia lançado a assustadora Frankie teardrop. O disco era produzido por Ric Ocasek, líder dos Cars (que já havia produzido o segundo disco deles, de 1981, Alan Vega/Martin Rev), e tinha até uma eletro-valsinha, Surrender, além de um estiloso misto de rockabilly e synthpop, Jukebox baby 96.
O que ninguém esperava era que a dupla tivesse feito nessa mesma época uma estranhíssima versão de… Born in the USA, de Bruce Springsteen. A faixa surge numa versão ao vivo, gravada num show de Vega e Rev em 1988, em Paris. A dupla nem sequer disfarçou que a ideia era fazer uma versão bem lascada – saca só o sintetizadorzinho da música, e a referência a músicas como Lucille, de Little Richard, e o tema When the saints go marching in, logo na abertura. A “versão” da faixa resume-se a quase nada além do título da canção. Parece um karaokê do demo (e é).
A versão poderia ser uma bela pirataria, mas vira oficial nesse mês: vai aparecer em uma reedição de A way of life, prevista para o dia 26. A edição de luxo estará disponível em vinil azul transparente com Born in the USA e em CD com quatro faixas bônus, além do formato digital. O material extra inclui versões ao vivo de Devastation e Cheree, bem como uma versão inicial de estúdio de Dominic Christ. O pesquisador Jared Artaud encontrou as faixas enquanto trabalhava no arquivo de Vega, após a morte do cantor em 2016.
E se você não sabia, vai aí a surpresa: Springsteen tá bem longe de ser um sujeito que diria “what?” ao ser informado da existência do Suicide. Pelo contrário: era fã da dupla e costumava dizer que a estreia do Suicide, o disco epônimo de 1977, era “um dos discos mais sensacionais que já ouvi”. Em 1980, o cantor esteve com a dupla e Vega descobriu que Springsteen era seu fã – e se surpreendeu.
“Ele estava gravando o disco The river (1980) e nós estávamos gravando nosso segundo álbum em Nova York. Então tivemos uma reunião de audição do nosso álbum. Havia três ou quatro figurões da nossa gravadora, e Bruce também estava lá. Depois que tocamos o álbum, houve um silêncio mortal… exceto por Bruce, que disse, ‘Isso foi ótimo pra caralho.’ Ele fazia questão de nos dizer o quanto nos amava”, contou em 2014 ao New York Post.
Mais: um texto do site Treblezine, a partir de audições da obra de Bruce e de entrevistas do Suicide, descobre: a dupla influenciou muito o sombrio disco Nebraska, tido como o “primeiro disco solo” (sem a E Street Band) de Springsteen (1982), basicamente um disco sobre crise, desemprego e gente à beira do desespero pela falta de oportunidades. Houve uma versão elétrica e pesada de Nebraska, mas Bruce quis lançar o disco acústico, de voz, violão e registros crus, e que de fato lembram o clima esparso do Suicide do primeiro disco.
Na dúvida, ouça State trooper, cujos uivos lembram bastante os gritos (sem aviso prévio) de Frankie teardrop. “Lembro-me de entrar na minha gravadora logo após o lançamento do meu disco”, disse Vega depois de ouvir State trooper pela primeira vez. “Eu pensei que era um dos meus álbuns que eu tinha esquecido. Mas era Bruce!”
Cultura Pop
No podcast do Pop Fantasma, a fase de transição do Metallica
A morte do baixista Cliff Burton, em 27 de setembro de 1986, desorientou muito o Metallica. Além do que aconteceu, teve a maneira como aconteceu: a banda dormia no ônibus de turnê, sofreu um acidente que assustou todo mundo, e quando o trio restante saiu do veículo, só restou encarar a realidade. A partir daquele momento, estavam não apenas sem o baixista, como também estavam sem o amigo Cliff, sem o cara que mais havia influenciado James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett musicalmente, e sem a configuração que havia feito de Master of puppets (1986) o disco mais bem sucedido do grupo até então.
Hoje no Pop Fantasma Documento, a gente dá uma olhada em como ficou a vida do Metallica (banda que, você deve saber, está lançando disco novo, 72 seasons) num período em que o grupo foi do céu ao inferno em pouco tempo. O Metallica já era considerado uma banda de tamanho BEM grande (embora ainda não fosse o grupo multiplatinado e poderoso dos anos 1990) e, justamente por causa disso, teve que passar por cima dos problemas o mais rápido possível. E sobreviver, ainda que à custa justamente da estabilidade emocional de Jason Newsted, o substituto do insubstituível Cliff Burton…
Nomes novos que recomendamos e que complementam o podcast: Skull Koraptor e Manger Cadavre?
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts.
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Estamos aqui toda sexta-feira!
Destaque
Dan Spitz: metaleiro relojoeiro
Se você acompanha apenas superficialmente a carreira da banda de thrash metal Anthrax e sentia falta do guitarrista Dan Spitz, um dos fundadores, ele vai bem. O músico largou a banda em 1995, pouco antes do sétimo disco da banda, Stomp 442, lançado naquele ano. Voltaria depois, entre 2005 e 2007, mas entre as idas e as vindas, o guitarrista arrumou uma tarefa bem distante da música para fazer: ele se tornou relojoeiro (!).
A vida de Dan mudou bastante depois que o músico teve filhos em 1995, e começou a se questionar se queria mesmo aquela vida na estrada. “Fazíamos um álbum e fazíamos turnês por anos seguidos, e então começávamos o ciclo de novo – o tempo em casa não existia. É uma história que você vê em toda parte: tudo virou algo mundano e mais parecido com um trabalho. Eu precisava de uma pausa”, contou Spitz ao site Hodinkee.
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Na época, lembrou-se da infância, quando ficava sentado com seu avô, relojoeiro, desmontando relógios Patek Philippe, daqueles cheios de pecinhas, molas e motores. “Minha habilidade mecânica vem de minha formação não tradicional. Meu quarto parecia uma pequena estação da NASA crescendo – toneladas de coisas. Eu estava sempre construindo e desmontando coisas durante toda a minha vida. Eu sou um solucionador de problemas no que diz respeito a coisas mecânicas e eletrônicas”, recordou no tal papo.
Spitz acabou no Programa de Treinamento e Educação de Relojoeiros da Suíça, o WOSTEP, onde basicamente passou a não fazer mais nada a não ser mexer em relógios horrivelmente difíceis o dia inteiro, aprender novas técnicas e tentar alcançar os alunos mais rápidos e mais ágeis da instituição.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Discos de 1991 #9: “Metallica”, Metallica
A música ainda estava no horizonte. Tanto que, trabalhando como relojoeiro em Genebra, pensou em largar tudo ao receber um telefonema do amigo Dave Mustaine (Megadeth) dizendo para ele esquecer aquela história e voltar para a música. Olhou para o lado e viu seu colega de bancada trabalhando num relógio super complexo e ouvindo Slayer.
O músico acha que existe uma correlação entre música e relojoaria. “Aprender a tocar uma guitarra de heavy metal é uma habilidade sem fim. É doloroso aprender. É isso que é legal. O mesmo para a relojoaria – é uma habilidade interminável de aprender”, conta ele. “Você tem que ser um artista para ser o melhor – seja na relojoaria ou na música. Você precisa fazer isso por amor”.
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