Crítica
Ouvimos: Quito Ribeiro, “Umguerrê”

- Umguerrê é o segundo álbum do músico baiano Quito Ribeiro, com produção de Pedro Sá e Domenico Lancellotti. Na banda se revezam, além de Pedro Sá e Domenico Lancellotti, Jorge Continentino nos sopros, Ricardo Dias Gomes e Noé Ribeiro (filho de Quito) nos sintetizadores, e o trio Dora Morelenbaum, Tori, e Tainá nos vocais.
- “O ponto de partida para o disco foi a intenção de aproximar minhas composições da estética do duo de improvisação de Domenico e Pedro Sá – o Vamos Estar Fazendo. A intenção era desmontar as minhas canções dentro desse contexto mais livre que a improvisação permite. Para criar uma atmosfera mais próxima de uma trilha sonora de filme e ao mesmo tempo um som que soasse como som de banda. Para isso algumas canções foram modificadas quando já estávamos no estúdio”, conta Quito.
Quito Ribeiro lança seu segundo disco quase duas décadas depois da sua estreia com Uma coisa só (2007) – em meio esse hiato, outros trabalhos, em música e até em cinema e literatura, foram aparecendo. Não por acaso, e levando em conta as outras ocupçaões de Quito, Umguerrê não é apenas um disco: ele também é cinema, poesia e até diário, graças às letras e ao clima quase imagético das canções.
A abertura com Se fosse seria som une estilos como quem funde imagens: uma batida de rock psicodélico, um clima de dub garantido pelos efeitos e ecos, um violão próximo do samba, metais, sopros e guitarra próximos do jazz, Quito declamando um rap em meio à letra. Nota de geladeira, um samba-rock sofisticado e eletrônico que une João Donato e Letieres Leite, e traz uma letra com várias recordações e lembretes – como quem deixa recados na porta da geladeira para filhos, pais, esposa ou roommates. O tom das letras é coloquial, como quem apenas menciona coisas ou usa códigos entendidos por amigos próximos, familiares ou conterrâneos – o que torna Quito bastante próximo de letristas como Luiz Galvão, Tom Zé e até Gilberto Gil.
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Umguerrê é MPB e samba, mas também é psicodelia, em essencial. E uma psicodelia, vale dizer, mais pra Sly & Robbie do que pra Syd Barrett. O design musical é marcado por ecos, ruídos que aparecem de repente, e surpresas musicais – como na afrolisergia de Bob Pai e Material (Guerreiro), no tom luxuoso de Meu novo Ilê, ou na bossa ruidosa Pode entrar (cuja letra traz versos como “um sorriso de navalha/numa pele de cetim/há muito tempo seu manto é mortalha/mas a beleza não tem fim”).
Uma boa curiosidade em Umguerrê é Aventura (Pequeno grande planeta), uma espécie de country-samba-rock infantil, repleto de toques musicais lembrando Gilberto Gil e Jorge Ben – e que Quito revela ter sido inspirado num videogame, Little big planet, que ele via seus filhos jogando quando eram pequenos. Uma música que ajuda a expandir cada vez o universo já naturalmente expandido do segundo álbum de Quito.
Nota: 8
Gravadora: YB
Crítica
Ouvimos: Lorde – “Virgin”

RESENHA: Lorde rompe com o passado em Virgin, disco íntimo e sombrio que mistura pop minimalista, desabafos e eletrônica densa.
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Tão dizendo por aí que Virgin, o quarto disco de Lorde, é o que sua estreia Pure heroine (2013) deveria ter sido, se na época ela não tivesse 17 anos. Faz sentido, embora Ella Marija Lani Yelich-O’Connor (nome verdadeiro da cantora) não fosse exatamente uma artista disposta a chocar e a confundir quando mais nova. Na época, ela basicamente ela se divertia desafiando os limites do mercado pop com versos cortantes e uma sonoridade sombria.
Na real, nem dá para dizer que há uma disposição em “chocar” (no sentido sensacionalista da coisa) aqui. O material de Virgin veio de questionamentos e desabafos sinceros. E que soam mais sinceros ainda pelo lugar que o álbum ocupa na carreira dela – o lugar de disco bastante aguardado, e que trouxe para o fã-clube dela uma turma que tem hoje a idade dela quando começou. Virgin também foi estrategicamente montado por ela e seus parceiros-produtores para combinar sensorialmente letras, músicas, arranjos e narrativa.
As questões sobre sexualidade que ela vem falando em entrevistas já abrem o álbum com Hammer, uma balada introspectiva, mas dada a explosões, em que ela fala frases como “não tenho todas as respostas”, “paz na loucura”, “cartão-postal da borda”, entre outras sentenças bem mais espinhosas que a narrativa do tranquilo Solar power (2021), disco anterior. Um álbum que acabou chamando infelizmente mais atenção pela capa sexy e pelas músicas declaradamente emaconhadas.
Virgin soa o tempo todo como algo detalhadamente trabalhado, e não excessivamente trabalhado. Os arranjos são quase minimalistas, as seguranças e inseguranças das letras são universais e comuns, a perda da inocência citada na dance music sombria Current affairs pode acontecer aos 40 ou 50 anos. Em meio ao som eletrônico e texturizado de What was that, mais inseguranças, drogas e amores em que só uma parte dá o suficiente.
O repertório de Virgin também abarca crueza quase industrial referenciada no blues e no jazz (o single Man of the year), indie pop com frieza controlada e interpretada (Shapeshifter), um eletrorock sobre cobranças, estresses e busca da perfeição (Favourite daughter) e bjorkices (as vozes e efeitos de Clearblue). Broken glass soa quase como um baile funk indie, com uma letra seca sobre transtorno alimentar – e climas próximos do soul e do synthpop surgem em If she could see me now e David.
De modo geral, Virgin é um disco marcado pelo silêncio antes do chute no balde, e pelo esporro após a explosão. Lorde decidiu romper com tudo, inclusive com suas versões anteriores, e pôs a busca por um novo mapa nas músicas. Deu super certo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Republic/Universal
Lançamento: 27 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Nxdia – “I promise no one’s watching”

RESENHA: Nxdia mistura pop, rock e eletrônico em I promise no one’s watching, uma mixtape ousada que testa estilos sem medo de errar.
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Considerado um álbum pelas plataformas e um EP por vários sites de resenhas, I promise no one’s watching é visto por Nxdia, cantora egípcia radicada em Manchester, como uma mixtape. Faz sentido por causa do caráter despojado das músicas, e pela mistura promovida por ela nos 25 minutos do disco.
Feel anything, na abertura, pula do bedroom pop para o batidão eletrônico em minutos. A sexualmente ativa Jeniffer’s body é rock agitado na onda pop de Olivia Rodrigo. O tema queer Boy clothes, pesado e dançante, evoca Lady Gaga e Billie Eilish em detalhes, enquanto Puppet, More! e She likes a boy são eletrorock construídos no pula-pula grunge.
- Ouvimos: Lady Gaga – Mayhem
- Ouvimos: Olivia Rodrigo – Guts
- Ouvimos: Billie Eilish – Hit me hard and soft
Por aí você tem uma ideia da variedade do disco, e falando assim, parece que Nxdia está em busca de uma identidade, tateando e vendo o que dá certo. Talvez até seja isso – e I promise no one’s watching, antes de ser o disco de uma cantora, soa como o disco de uma creator musical, que sai testando templates em cada faixa. Quem for ouvir, que abra a mente.
Vale afirmar que as apostas de Nxdia costumam dar certo, especialmente quando ela põe texturas diferentes no rock anos 1980 em Nothing at all, e moderniza o som associado a grupos como Slits em Body on me, quase falada, com baixo grave e forte à frente. Boo, nevermind é eletropunk dos bons. Só no final, Tin man derrapa tentando acertar no shoegaze de FM e cravando a flecha numa espécie de nu-metal baixos teores.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Bxdger Records
Lançamento: 13 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Jambu – “Manauero”

RESENHA: Manauero, novo do Jambu, mistura reggae, pop nacional 90s, sons de Manaus e indie pop com sotaque e coragem pop fora da curva.
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Já passaram pelos ouvidos do Pop Fantasma discos que poderiam ter saído dos estúdios da Odeon em 1975, ou da CBS em 1979 – e chegou a vez de um álbum que tem cara de CD lançado pela Sony Music em 1995. A diferença é que Manauero, segundo disco do Jambu, chega num mercado que, se não premia a ousadia pop com vendagens de milhões (como fez com Skank e Cidade Negra), entende um pouco mais de discos fora da curva.
Manauero traz Gabriel (voz e guitarra), Bob (guitarra), Guga (baixo) e Yasmin (voz e bateria) misturando duas vivências: são moradores de São Paulo (desde 2023) e estão cada vez mais voltados para suas raízes de Manaus. O som do Jambu deixa de fazer parte do contexto indie nacional e ganha uma cara mais voltada para o reggae – mas um reggae unido a sons de Manaus, lambada, guitarrada e até a forró.
Incendeia – faixa composta por Eugênio Mar, avô do Gabriel – une emanações de Djavan, Red Hot Chili Peppers e Natiruts, a sons da terra deles. Vagabundo é indie pop com coloração local e tom de ska disfarçado, com baixo conduzindo o ritmo. Passatempo é forró-reggae com evocações de Alceu Valença. Já Lentamente, com referência de Chorando se foi (Kaoma) é um tecnopop orgânico, com guitarra estilingando, enquanto Vc se foi e é tarde une indie pop atual e sons oitentistas.
- Ouvimos: Papatinho – MPC (Música Popular Carioca)
- Ouvimos: DJ Guaraná Jesus – Ouroboros
- Ouvimos: Don L – Caro vapor II – Qual a forma de pagamento?
Essa mistura musical também remete a uma tendência recente: assim como bandas de indie rock revisitam o grunge com estética pop contemporânea, o grupo olha para o pop nacional dos anos 1990 – e todas as suas referências – sob uma nova lente. É o que se ouve em Latinoamericano (que une balanço e protesto, à moda de Natiruts e Skank), Cerveja gelada (com toques sutis de Prince e Lincoln Olivetti na mescla sonora) e Eu te espero, cujo arranjo aproxima elementos de Paralamas do Sucesso, Gilberto Gil e The Cure.
Já Boato parte da guitarrada e do reggae para chegar ao pós-punk, enquanto O último suspiro (Interlúdio) aposta numa versão suave do shoegaze para enriquecer a mistura sonora do grupo. Em Manauero, o Jambu ressurge orgulhoso de si próprio e de sua história.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Deck
Lançamento: 25 de abril de 2025
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