Crítica
Ouvimos: DIIV, “Frog in boiling water”

- Frog in boiling water é o quarto disco da banda novaiorquina DIIV, formada hoje por Zachary Cole Smith (voz, guitarra), Andrew Bailey (guitarra), Colin Caulfield (baixo, teclados, guitarra) e Ben Newman (bateria).
- DIIV é uma referência ao verbo “to dive” (mergulhar) – a banda chegou a se chamar Dive, em homenagem à música Dive, do Nirvana. A grafia mudou porque já havia uma banda belga com o mesmo nome.
- O nome do disco (“sapo na água fervendo”) é uma referência a um trecho do livro História de B, de Daniel Quinn, que fala “do colapso lento, doentio e esmagadoramente banal da sociedade sob o estágio final do capitalismo, as realidades brutais que enfrentamos e achamos normais”.
- A Fantasy Records que lançou o novo disco do DIIV é aquela mesma gravadora de antigamente – que lançava os discos do Creedence Clearwater Revival.
O DIIV é, de fato, uma renovação num estilo musical que se arrasta, literalmente e musicalmente, desde os anos 1980, o shoegaze. O grupo existe só desde 2011, tem uma produção bastante espaçada, e já andou enfrentando problemas de banda dos anos 1970 e 1980 (a dependência de heroína do vocalista Zachary Cole Smith, que passou por um rehab) e de banda dos anos 2020 (a expulsão do baixista Devin Ruben Perez após escrever comentários preconceituosos no fórum 4chan).
Musicalmente, muitas eras se fundem no som do grupo: em vez de apenas copiar bandas como The Jesus and Mary Chain, My Bloody Valentine e Slowdive, o DIIV se comporta quase como um Pink Floyd do barulho, intenso, selvagem, mas meditativo. Uma música distorcida que dá para escutar antes de pegar no sono, como nos sons circulares da abertura com In amber e Brown paper bag. Ou na canção de despedida e vingança Everyone out.
Em alguns casos, o DIIV age como uma banda que faz uma espécie de heavy metal leve – um metal sem o heavy, talvez? Ou um stoner tranquilo, com o mesmo caráter repetitivo e lento. A tristonha e poética Raining on your pillow, terceira faixa do disco, tem dessas: abre com notas que poderiam estar numa música do Metallica, mas prossegue num clima que lembra uma canção de ninar, ou de consolação. A faixa-título segue o mesmo esquema, emoldurando uma letra que diz o básico sobre os dias de hoje: cada vez mais, pessoas trabalham duro para manter as torres de marfim dos poderosos.
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Músicas como Reflected e Fender on the freeway, com suas melodias desencantadas, parecem mostrar um misto e cansaço e esperança, tanto em música quanto em letra. Na primeira, Zachary pede para ser deixado em paz e diz que “os parasitas ainda estão no controle”. Na última, que fecha o disco, as imagens são de renovação e impérios caindo. São os temas que permeiam esse Frog in boiling water, do começo ao fim, e que investem num certo lado politizado dos sons distorcidos – o mesmo que (você ouviu isso no episódio do nosso podcast sobre The Jesus And Mary Chain) muita gente via nas primeiras bandas que uniam doçura e barulho nos anos 1980.
Nota: 8
Gravador: Fantasy Records.
Crítica
Ouvimos: The Ting Tings – “Home”

RESENHA: Em Home, os Ting Tings trocam a pista de dança pelo soft rock, yacht rock e blues leve, num disco nostálgico, suave e surpreendentemente bem resolvido.
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“Não sei se há tempo / de mudarmos de nome”, questionam os Ting Tings em Dreaming, segunda faixa deste Home, novo álbum. Não é apenas uma história contada ao acaso: a mudança empreendida pela dupla em seu quinto álbum é tão grande que eles realmente chegaram a achar que uma mudança de nome poderia ser o ideal.
Se você lembra da pós-new wave que Katie White e Jules de Martino faziam em hits de pista como That’s not my name, pode crer que você não vai encontrar rigorosamente nada parecido com isso por aqui. Em Home, os dois decidiram prestar uma homenagem aos reis de estilos como soft rock, yacht rock, country rock e qualquer coisa leve que tenha um “rock” no fim.
O Fleetwood Mac é bastante louvado ao longo do disco, cabendo referências diretas à fase Rumours em Good people do bad things, Winning e na vibração blues de Down – e algo parecido com o período de Future days na mágica Mind thunder, que ainda por cima tem uma guitarra que lembra demais a de Cor de rosa choque, de Rita Lee e Roberto de Carvalho. Tem ainda soft rock no estilo sambinha-de-gringo em Dreaming, além de pop com cara gospel e emanações de Phil Collins em Home.
- O músico que saiu do Fleetwood Mac para entrar num culto religioso.
- A fase casa-da-sogra do Fleetwood Mac (1969-1974) em nove músicas.
- Ouvimos: Pharrell Williams – Black Yacht Rock, Vol. 1: City of limitless access
Em In my hand – um folk com certo clima beatle nos vocais – a introdução confunde: parece que vai começar uma canção do Lady Antebellum. Danced on the wire e Song for meadow têm um lado smooth jazz associável ao Steely Dan, ou até a Djavan, em alguns momentos. Goodbye song, um blues-rock-country estradeiro, com letra baseada num diálogo, evoca Lynyrd Skynyrd, Dire Straits e Eric Clapton. Katie e Jules dizem que o novo disco é bom para ouvir no carro, e não há dúvida nenhuma disso.
Home veio de uma conexão nova na vida do casal – os dois tiveram uma filha em 2020 – e também de uma reconexão com os hits de rádio com os quais eles cresceram na Inglaterra. No fim das contas, uma volta ao passado que pode assustar e até decepcionar antigos fãs (até porque, vamos combinar, qualquer artista, do pop ao metal, já percebeu que o público fiel das rádios “light FM” é algo que não pode ser desprezado de maneira alguma). Quem se dispuser a manter os ouvidos abertos, vai descobrir uma boa metamorfose.
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8,5
Gravadora: Wonderful Records
Lançamento: 6 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Leoni – “Baladas sortidas” (EP)

RESENHA: Leoni lança EP com parcerias e lados B, em clima acústico e variado, com ecos do Heróis da Resistência.
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O EP novo de Leoni é sinal de que ele deveria investir num álbum de encontros no estúdio – mais ou menos como rolou há alguns anos com seu CD acústico Áudio retrato, só que agora com inéditas ou lados B de seu repertório. É mais ou menos o que acontece em Baladas sortidas.
No EP, ele abre a seleção com justamente um B-side – Incapacidade de amar, parceria com Cazuza e balada jazz-blues que estava no primeiro álbum do Heróis da Resistência, sua banda pós-Kid Abelha (1986). A leveza radiofônica dos sucessos de Leoni surge em Quem nos dera, gravada ao lado de Zélia Duncan, e Tenta, um som adulto em parceria com Henrique Portugal (ex-Skank) que faz lembrar justamente o Heróis. Também surge no inventário de tropeços de Te entendo cem por cento, parceria com George Israel e Roberto Frejat, gravada ao lado de Zeca Baleiro.
Leoni, um sujeito que em seu primeiro álbum solo (epônimo, 1993), fez marchinha tropicalista e forró-rock (em Nada como eu e você e O fim de tudo, respectivamente) ao lado do pop de Garotos II – O outro lado, volta a investir bastante na variedade musical, no curto espaço do EP. Fazia sentido no papel leva o músico paulistano Romulo Froes (que compõe e canta a música com Leoni) para um universo mais pop e tranquilo. E uma faceta eletrônica e levemente psicodélica – cortesia das programações de Antonio Leoni – surge em Nuvem vermelha, regravação da música de Ana Frango Elétrico (do álbum Me chama de gato que eu sou sua).
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Outro Futuro
Lançamento: 6 de junho de 2025
- Ouvimos: Ana Frango Elétrico – Me chama de gato que eu sou sua
- Ouvimos: Zeca Baleiro – Piano
- Ouvimos: Wado e Zeca Baleiro – Coração sangrento
Crítica
Ouvimos: Pulp – “More”

RESENHA: Se o Pop Fantasma desse nota 20 para um álbum, seria para More, retorno elegante do Pulp, com Jarvis Cocker inspirado e um disco cheio de estilo, classe e surpresas.
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O Pop Fantasma só dá notas de 5 a 10 pros discos, indo de ruim (mas audível e checável) a transcendental. Discos que mereceriam nota de 0 a 4, honestamente, são ouvidos apenas até a faixa 4, se tanto – e dispensados. Pois bem, se houvesse uma nota 20 por aqui, seria dada ao retorno do Pulp: More não é apenas um disco, é um sonho que David Bowie, Bryan Ferry, Serge Gainsbourg, Scott Walker, Leonard Cohen e Ian Curtis tiveram, e que motivou uma conversa entre os seis.
Jarvis Cocker, líder do Pulp, é uma daquelas figuras que motivam qualquer jornalista a escrever mais sobre ele do que sobre sua banda – sua póetica o torna quase um personagem de filme. Essa figuraça do rock dos anos 1990, que alcançou o sucesso tardiamente (o Pulp surgiu em 1978 e só estourou quase 15 anos depois), às vezes soa como uma versão irônica de Bryan Ferry à frente do Roxy Music. Ou como uma versão britpop do Marcelo, aquele personagem amoral e despudorado que apareceu em quase todos os filmes de Walter Hugo Khouri. Nas letras do Pulp, Cocker surge disposto a observar de forma inusitada temas como amor, sexo, envelhecimento, vida íntima, luta de classes e particularidades em geral.
More é um disco elegante, cheio de cordas, com emanações do glam rock, do chamber pop, do pop francês (em especial) e da esquina entre disco music e pós-punk – Slow jam, por exemplo, tem algo de Sister Midnight (David Bowie e Iggy Pop) e lembra os passeios da dupla pelos estúdios da França e de Berlim. O tom de faixas como Spike island e da valsa rock Farmers market, duas canções que criam a sensação de paraíso na mente, serve para trazer à memória que no Roxy Music, durante vários anos, tocaram vários artistas de rock progressivo – gente muito eficiente em criar climas.
A sonoridade de More aponta também para glam rock + easy listening (em Tina e Grown ups), sons entre o country e a música dos girl groups sessentistas (A sunrise), rock lunar e belo (Partial eclipse, cuja beleza mostra como o Coldplay reduziu o rock britânico a uma empulhação e a um mínimo reconhecível como experiência musical), mais sons elegantes e dançantes (Got to have love e o trip hop enrockado de My sex) e algo próximo de Heroin, do Velvet Underground, só que com magia e estilo (Background noise).
- O comecinho do Roxy Music no nosso podcast
- Relembrando: Iggy Pop – New values (1979)
- Quem é quem (e o que é o que) na ficha técnica de Ziggy Stardust, de David Bowie
Quanto às letras… Jarvis fala de amor platônico em Tina – o narrador se apaixona por uma menina que viu no trem e imagina com ela desde casamento até sexo em lugares inusitados (“transando em uma loja de caridade / em cima de sacos de lixo pretos / cheio de doações”). Grown ups faz comentários quase automáticos sobre os lados ruins e bons de crescer e envelhecer, quase sempre pela ótica do “vai ser sempre a mesma coisa?”. Got to have love, próxima do soul britânico, prega verdades como “sem amor / você só está se masturbando dentro de outra pessoa” e que “quando o amor desaparece/ a vida desaparece”.
My sex, por sua vez, causa estranheza: você não entende se Jarvis está falando de um ser agênero, ou de um tipo de ato sexual que é próprio de alguém, ou de um sexo que abarca tudo – todas as preferências, gêneros, estilos, o que aparecer. Esse clima bizarro, que gera fichas que caem às vezes vários anos depois, é a cara do Pulp, eternamente condenado a ser aquela banda do britpop que muita gente não vai gostar da primeira vez que ouvir – não tem a zoeira intelectual do Blur, o clima rocker do Oasis, por exemplo. Até que um dia você e o Pulp se esbarram, como um futuro casal que se conhece numa batida de carrinho no supermercado. Pode acontecer com More.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Rough Trade
Lançamento: 6 de junho de 2025.
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