Crítica
Ouvimos: Aphex Twin, “Blackbox life recorder 21f / in a room7 F760”

- Blackbox life recorder 21f / in a room7 F760 é o (já perdi a conta)º lançamento do músico, DJ e produtor irlandês Richard D. James, sob o codinome Aphex Twin. Seu lançamento envolveu o uso de pôsteres com um QRCode, espalhados pelas ruas de Los Angeles. O QRCode levava a um aplicativo com visualizers das faixas.
- Na loja da gravadora Warp foram colocadas, além das quatro faixas do EP, mais quatro versões das mesmas músicas, com outra masterização, além de outra faixa, M12 6 omc zeq.
- Um gráfico colocado no Reddit mostra toda a produção de Aphex depois do EP Collapse, lançado em 2018 e tido como o retorno a seu som original, incluindo até as faixas não-lançadas.
Richard D. James, o popular Aphex Twin, está bem longe de ser um criador “comum” de música. Lança discos quando quer, da maneira que quer, sob o pseudônimo que quer, e nem sempre faz questão que os discos cheguem a público da maneira mais adequada – ou seja, com entrevistas, lançamentos com várias cópias e produtos relativamente fáceis de serem achados.
Lançamentos em K7 reproduzidos em pequena escala e músicas meio perdidas na internet costumam fazer parte do dia a dia dele. Álbuns sob a nomenclatura Aphex Twin são raros (Siro, o mais recente, saiu em 2014), mas EPs, discos especiais, singles e coletâneas são comuns – e de 2014 para cá já foram sete EPs.
Os fãs vão atrás, fazem suas próprias playlists e compilações, e batem ponto na loja virtual da gravadora Warp para garantir os novos lançamentos. Fica fácil de entender o fascínio que Richard exerce quando se ouve seu trabalho, dançante, mas de perspectiva quase mântrica, como se Brian Eno e Tangerine Dream tivessem tomado ecstasy antes de produzirem trilhas sonoras e álbuns de “música ambiente”.
No caso deste Blackbox life recorder 21f / In a room7 F760, novo EP de Aphex, somos apresentados logo na abertura, com a faixa-título, a um som eletrônico tão bem arquitetado que parece orgânico, feito por uma banda. Seguido pelo drum’n bass domado de zin2 test5. E pelo tom meio tecnopop meio psicodélico de in a room7 F760, com batidas criativas o suficiente para fazerem caber um solinho de cowbell logo no início – além de ruídos com uma ambiência tão estranha, que parece que estão rolando do seu lado, em casa, quando você escuta a música de fone.
Encerrando, tem Blackbox life recorder 22 (Parallax mix), tema instrumental que atira o ouvinte num abismo de sons graves, fugindo um pouco do comum do disco, cujas outras faixas poderiam ganhar letras. Só um EP, bem curto, que soa como um souvenir dos arquivos de Richard, mas com boas surpresas de um dos artistas que ensinaram uma turma enorme a valorizar sons eletrônicos.
Crítica
Ouvimos: Clara Bicho, “Cores da TV” (EP)

“Artista visual, musicista e jornalista pela UFMG”, como se define em seu instagram, Clara Bicho oferece mais do que apenas música em seu aguardado primeiro EP, Cores da TV – o disco é um universo esperando para ser desvendado. As melodias tem ar indie pop, as letras têm clima de diário, os cenários mostram Clara interagindo com todos os lugares dos quais ela fala nas letras.
A paleta indie pop do disco traz influências de disco music na faixa-título Cores da TV (parceria com Sophia Chablau), que traz sonoridade remetendo a grupos como Girl Ray, enquanto Meu quarto é mais experimental, soando como um passeio introspectivo pelos guardados de Clara Bicho e pelas recordações de uma vida (“faz um tempo ue eu tento me organizar / mas disso tudo aqui eu não quero me livrar”).
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Quase sempre, o som de Cores da TV parece “derreter”, como numa psicodelia pop, herdada tanto de Mutantes quanto de Flaming Lips. Rola isso na bossa indie Música do peixe, que depois se transforma numsamba-rock, e também no pop adulto oitentista (city pop, digamos) de A rua. Luzes da cidade, quase na mesma vibe, é um pop de quarto que remete ao boogie dos anos 1980, cujo vocal tem sujeira de gravação feita em casa.
No final, o som luminoso e repleto de recordações de Árvores do fundo do quintal, gravada ao lado da banda catarinense Exclusive Os Cabides (“as árvores do fundo do quintal / mandam lembranças / de quando a gente era criança”). Uma música, e um EP, em que passado e afeto são tão importantes quanto o futuro, e formam uma visão nova de música pop.
Nota: 9
Gravadora: Bolo de Rolo
Lançamento: 5 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Maré Tardia, “Sem diversão pra mim”

Lançada em 2022, a estreia epônima do Maré Tardia era um disco bastante juvenil, mais ligado a uma combinação de indie rock e surf music. Mas já indicava o caminho que a banda seguiria com Sem diversão pra mim, seu segundo álbum. O Maré Tardia atual soa mais explosivo, apresenta composições bem mais afiadas e parece ancorado em diversas fusões estilísticas que se alternam: punk dos anos 1970, indie dos anos 2000, pós-punk (tanto o original quanto o revisitado a partir da virada do milênio) e, em especial, sonoridades que remetem a bandas como Libertines e Television Personalities.
Essa mistura aparece em faixas como Leviatã, Já sei bem, Junkie food (com um clima surfístico-misterioso que lembra o início do Dead Kennedys) e na faixa-título – cujos vocais evocam a fase punk do Ultravox e, não por acaso (note o nome do disco), também têm algo de Titãs. Tarde demais traz vários riffs, vocais gritados, uma pegada grunge e, surpreendentemente, encerra com um clima de maracatu punk, com percussões marcantes e guitarras inspiradas. Uma inesperada brasilidade também marca Nunca mais, última do álbum, com batida discreta de bossa nova e um improviso samba-rock no final.
Ian Curtis, que homenageia o saudoso vocalista do Joy Division, tem guitarras que lembram o U2 do início e grupos pouco lembrados do pós-punk, como Comsat Angels. Já a despojada Nadavai, lançada como single, é punk indie com batidas à la Dave Grohl e um vocal descolado que remete ao rock dos anos 2000 (Arctic Monkeys, Strokes). Sem diversão pra mim, o disco, carrega por acaso muito do romantismo que permeou o rock brasileiro de vinte anos atrás – aquela estética de falar de si e dos sentimentos como quem comenta o mundo, firmando posição diante de tudo. Ouça correndo.
Nota: 8,5
Gravadora: Deck
Lançamento: 30 de abril de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Y3ll, “Entre samples roubados & cerveja barata”

Direto do extremo leste de São Paulo – entre Guaianases e Cidade Tiradentes -, Daniel Oliveira, o popular Y3ll, soltou nas plataformas Entre samples roubados & cerveja barata, álbum de título certeiro e alma 100% urbana. Aqui, o rap vira quase city pop, mesmo nos momentos em que a estética japonesa não está diretamente presente. É trilha sonora de rolê pela cidade — real ou imaginária —, desses que começam na quebrada e terminam em algum lugar no controle remoto ou nas profundezas das plataformas de streaming.
A faixa Livre já dá o tom: sample do tema do programa do Datena no SBT misturado com Estou livre, de Tony Bizarro. Não se vão carrega peso e ironia: um rap encorpado por grooves de disco music e sonoridades de flashback, com Y3ll fazendo a pergunta que vale um milhão: “por que idiota falando bosta atrai multidão?”. Em Coral — que traz o título do disco num dos versos —, o clima muda: sambinha-rap suave, tranquiilo. Pela Leste, por outro lado, volta pro grave e dançante: batidão pesado, com sample até do programa do João Kléber.
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Os temas variam entre prazeres simples e duras realidades: sábado à noite, boletos, tretas, polícia, morte. Estão todos ali na sombria Dono do pedaço, com um riff de teclado de influência árabe, e no rap falado, lento e quase confessional de Não sei. Interlúdios dão o respiro: Comerciais simula um dial girando entre anúncios, Interlúdio traz papos paralelos, e Viva a vida é um velório vem com ninguém menos que Zeca Pagodinho filosofando sobre os enterros felizes no bairro carioca de Irajá.
No fim das contas, Entre samples roubados & cerveja barata é um disco-vinheta. Um mosaico sonoro da quebrada, da vida, da cidade — daqueles que não contam só uma história, mas várias ao mesmo tempo.
Nota: 8,5
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 9 de maio de 2025.
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