Crítica
Ouvimos: 20/20, “Back to California”

- Back to California é o novo álbum (o primeiro desde 1998) da banda de power pop estadunidense 20/20. O grupo, que teve hits como Yellow pills entre o fim dos anos 1970 e o começo dos 1980, retorna tendo como integrantes oficiais a dupla de fundadores Steve Allen (voz e guitarra) e Ron Flynt (voz e baixo).
- O álbum foi gravado no clássico estúdio Sound City, em Los Angeles. O retorno do grupo começou a tomar forma em 2019. “O ano de 2020 estava se aproximando rapidamente e havia rumores de um show no Roxy em Hollywood”, diz Flynt. “A ideia de voltar para a Califórnia era inebriante, e trazer meu filho Ray para tocar bateria selou o acordo para mim. Foi quando começamos a escrever música”.
O 20/20 não chegou a ser popular no Brasil, mas rendeu hits legais e uma carreira bem bacana no power pop californiano. Singles como Yellow pills, Nuclear boy e Cheri volta e meia aparecem do nada em alguma playlist de plataforma digital – ou são oferecidas após alguma música do The Motors, dos Soft Boys, do Cheap Trick ou do The Jam, ou até de Ramones.
A novidade é que, depois de alguns finais, retornos e mudanças de formação, Steve Allen (voz e guitarra) e Ron Flynt (voz e baixo), que já eram os responsáveis pela maioria das canções da banda, voltaram a tocar juntos e lançaram seu primeiro disco de inéditas depois de vários anos. Back to California é um álbum comemorativo não apenas em relação ao retorno do grupo – também comemora o mergulho da dupla na musicalidade histórica da cidade, e no som que fez as cabeças dos dois quando bem jovens.
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Se em discos anteriores, o som do 20/20 até poderia ser confundido com um desdobre menos anti-comercial do punk, aqui não há muitas dúvidas: dá para achar toques de Beatles, Roy Orbison, Badfinger e até Chuck Berry no novo álbum. Spark e King of the whole wide world são duas canções em clima beatle, lembrando composições de George Harrison. A faixa-título soa como a fase antiga da banda, mas puxando daqui e dali, dá para encontrar um Ramones + Roy Orbison + Pretenders, ali, encapsulado. O belo jangle pop Laurel Canyon propõe um passeio à meca paz-e-amor onde viviam vários roqueiros e cantautores folk nos anos 1960.
Farewell é uma balada nostálgica que poderia ter siso gravada por um ás do country nos anos 1960. Why do I hurt myself lembra os anos 1950, na batida, na melodia, na maneira de falar sobre os sofrimentos da vida. A venturosa Lucky heart é power pop de alma, lembrando bandas como Replacements e Smithereens, que vieram depois do 20/20. Duas curiosidades são Long distance call, rock influenciado pelas bandas clássicas ligadas em soul, com piano Rhodes marcando o ritmo; e When the sun goes down, uma canção quase jovem-guardista (se tivesse sido lançada lá por 1964, ganharia versão em português com certeza), lembrando a inocência do rock pré-Beatles. Ouça correndo.
Nota: 9
Gravadora: SpyderPop Records
Lançamento: 17 de janeiro de 2025
Crítica
Ouvimos: Tyler The Creator – “Don’t tap the glass”

RESENHA: Tyler The Creator lança Don’t tap the glass, disco curto e dançante que mistura indie pop, rap, house e soul com clima retrô e foco total no corpo.
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Chromakopia, o bowieófilo disco anterior de Tyler The Creator, saiu em outubro do ano passado – e eis aqui Tyler com um álbum novo, o curtíssimo Don’t tap the glass, menos de um ano depois. Com uma discografia já grandinha, Tyler sempre espaçou seus álbuns em dois anos, mas dessa vez, parece que a ideia era malhar enquanto o ferro estava quente.
Ainda mais que Don’t tap the glass é basicamente um disco de indie pop, dando contornos ultratexturizados a estilos como hip hop, Miami-bass e house music – e o próprio Tyler disse que se trata de um disco “feito para dançar”, e nada mais do que isso. O entendimento de Don’t tap the glass vai pelo corpo e pelos pés, não exatamente pela revolta, pelo conceito ou pela provocação – ainda que seja um disco de rap, estilo musical que tem isso tudo aí na gênese.
E aí que se há um “fantasma” assombrando Don’t tap the glass é o rap zoeiro dos anos 1980, mais do que a sensação de perigo que o estilo provocaria após os anos 1990 – além dos verdadeiros manuais de dança que eram os discos de soul dos anos 1970. Big poe, na abertura, traz Tyler mandando os estatutos da gafieira de Don’t tap the glass (“número um, movimento corporal / não fique parado”), e embarcando num boombap ruidoso.
Faixas como Sugar on my tongue estão mais próximas do funk original e do pós-disco do que se imaginaria – e a safada Sucka free é um r&b que passa até por um boogie. Mommanem, cheia de efeitos de percussão e vocais, parece um tema para acompanhar corridas. Stop playing with me é pura ostentação e sacanagem, e vai numa onda já naturalmente mais associável a Tyler, só que com mudanças – afinal, é um som que tocaria numa festa.
Tyler invade a área da dance music nostálgica em Ring ring ring, e une soul latino e batidão gangsta em duas faixas coladas, Don’t tap that glass e Tweakin‘. Climas meio nostálgicos e meio lo-fi tomam a frente em Don’t you worry baby (cuja batida parece um carro apressado e com volume alto passando em sua rua) e I’ll take care of you.
Levando em conta a discografia de Tyler e seu histórico que-se-foda, Don’t tap that glass é um diferencial, e talvez soe como um presente para os fãs fieis – aliás um presente bem melhor do que demorar mais dois anos para lançar o sucessor de um disco de sucesso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Columbia/Sony
Lançamento: 21 de julho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Fishbone – “Stockholm syndrome”

RESENHA: O Fishbone volta com Stockholm Syndrome, misturando punk, ska e soul em críticas afiadas a Trump, racismo e indústria, sem perder a fé no amor.
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Mais conhecidos como uma banda de ska + soul + rock, os americanos do Fishbone sempre estiveram mais para uma formação punk – o próprio nome, “espinha de peixe”, foi escolhido, segundo o próprio grupo, por representar fidelidade às convicções e “não se dobrar”.
Stockholm syndrome, primeiro álbum do grupo em mais de 20 anos, vai na mesma onda de união de ritmos e energia punk, só que com alguns condimentos a mais: o disco sai na segunda era Trump, o momento grave ganha comentários no álbum, e a banda aproveita para olhar sua própria história em várias faixas.
Não é à toa que Stockholm abre com Last call in America, soul + rock gravado com George Clinton, com letra girando em torno de assuntos como racismo, justiça social, equidade. E ainda tem Racist piece of shit, ska de protesto que chama Trump de “rei laranja louco” e pisa com classe no presidente norte-americano.
O ódio amplo, geral e irestrito espalhado pelo fascismo surge no hard rock sombrio de Secret police. A máquina de matar negros e pobres levada adiante por estado e polícia é o tema do reggae Why do we keep on dying. A transformação do ser humano em fantoche das big techs surge em Living on the upside down, cujo som oscila entre blues, rock e punk.
O Fishbone olha para si próprio e para sua trajetória no ska-punk Adolescent regressive behavior, música ágil de letra enorme que fala de inimigos que brigavam na rua, e que anos depois trabalham juntos – parece que até as crises dentro do grupo viraram canção. Os chutes que a indústria fonográfica dá nos artistas ganham espaço no soul rock Dog eat dog. Há bastante esperança no final, com o gospel Love is love, evocando John Lennon e Rolling Stones.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Consigliere
Lançamento: 27 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Carlos Patricio (e Camaradas) – “Revertério”

RESENHA: No álbum Revertério, Carlos Patricio mistura MPB sulista, samba, folk e tecnopop num songbook afetivo e cheio de parcerias.
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Com uma carreira musical que já vem desde os anos 1980, o gaúcho Carlos Patricio decidiu fazer de seu terceiro álbum solo, Revertério, um lançamento colaborativo. O material começou a ser gravado em 2021 (com sessões divididas entre São Paulo, Rio Grande do Sul e Uruguai) e as músicas são divididas com vários parceiros, vindos dos encontros ao vivo que Carlos vem promovendo desde 2016.
Valendo por um songbook com amigos, Revertério traz algo que a MPB do Sul tem como base desde os anos 1970: a poesia contemplativa e cortante, e a capacidade de aglutinar vários climas e influências simultaneamente. A faixa-título, com produção de Sebastian Jantos, um samba com violão e guitarra, traz algo da MPB paulista, ao lado das palmas do samba baiano. Kids e teens é um tecnopop adulto, com Mario Falcão dividindo vocais e operando uma programação que dà um ar de videogame antigo à faixa. Rota de navegação, com Pablo Lanzoni, é uma balada folk noturna e contemplativa, que deve tanto a Dire Straits quanto às vibes sombrias do Radiohead.
Os sambas não chegam a predominar em Revertério, mas quando surgem chamam a atenção – com direito a um Samba do Chico que na verdade é uma marcha, gravada com Johann Alex de Souza. O pescador de ideias abre com sons distorcidos e revela-se uma milonga de oito minutos. Sons latinos e acústicos surgem em Piazada, uma canção sobre os movimentos da vida, na cigana No mar da tua existência, e na hispânica Niña, com Michelle Cavalcanti no vocal.
No final, Carlos regrava É poesia, música de seu LP independente Vertente (1986). Um rock tocado no violão (por Quinca Vasconcellos), que guia o timão para a irreverência de Rita Lee e Raul Seixas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 24 de maio de 2024
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