Cultura Pop
Não mexe com elas: treze mulheres que tocam muito alto
Hoje não é apenas o Dia Internacional da Mulher. É o dia em que a data completa 40 anos – coisa que até o sertanejo ex-teen Luan Santana sabe. Em comemoração à data e à luta diária de todas as mulheres, seguem aí treze mulheres que fizeram muito barulho no punk, no proto-punk e no heavy metal. E algumas delas ainda fazem.
GRACE SLICK: Vários anos antes dos Sex Pistols falarem “fuck” na TV, a vocalista do Jefferson Airplane disse uma variante da palavra-que-começa-com-f no “Dick Cavett Show”, quando o grupo foi lá lançar seu novo single, “We can be together”. Em ótima fase e lançando um disco bem sucedido atrás do outro, o Jefferson não viu problema algum em incluir as palavras “motherfucker” e “shit” na canção. A gravadora RCA pressionou e as duas palavras foram apagadas do single, mas no LP e no programa de Dick Cavett, foram ouvidas por quem quis (e sim, por essas e outras atitudes, os hippies do JA merecem ser incluídos perfeitamente no rol dos proto-punks). Hoje Grace tem 78 anos e tem se dedicado mais à pintura do que à música.
JEAN MILLINGTON: Baixista e vocalista de uma pouco conhecida banda feminina de hard rock dos anos 1970, o Fanny. As quatro gravaram seis discos entre 1970 e 1974, foram elogiadas por David Bowie e Todd Rundgren (que produziu um disco delas) e trabalharam como musicistas de estúdio.
https://www.youtube.com/watch?v=fWQnCN-MWFg
POLY STYRENE: Ex-cantora de ópera, ex-hippie, pianista e punk de primeira hora, a britânica Marianne Joan Elliott-Said montou o X-Ray Spex após assistir a um show dos Sex Pistols em 1976. Chamou bastante a atenção como frontwoman, ganhou mutos fãs e passou a ditar moda para vários deles – teve também muitos problemas vindos da pressão da fama e chegou a ser internada com sérios problemas psiquiátricos em 1978, sendo diagnosticada como bipolar em seguida. Em 1979, a BBC passou alguns dias com ela e fez um documentário para a série “Arena”, em que ela falava sobre música, fama, indecisões, solidão, moda, e aparecia ensaiando com a banda. Infelizmente saiu de cena em 2011.
https://www.youtube.com/watch?v=O3VfugdCTTU&t=654s
FAY FIFE: Vocalista do Rezillos, uma das primeiras (e mais bem sucedidas) bandas punk britânicas. A fase inicial, com ela nos vocais, não durou muito tempo – o grupo bandeou-se para a new wave e em 1979 mudou de nome para Revillos. Fay retornou para a banda anos depois e está lá até hoje, mas também trabalhou como atriz e até como psicóloga clínica (é formada pela Universidade de Edimburgo).
CORDULA: Vocalista da banda alemã de anarco-punk Die Atztussis, que durou pouquíssimo tempo (1979 e 1980 no máximo).
https://www.youtube.com/watch?v=dWj5Y_i5kvM
BETSY BITCH: Vocalista do Bitch, uma bizarra banda punk voltada para temas sadomasoquistas, surgida em Chicago no fim dos anos 1980, inspiradíssima por Alice Cooper. O primeiro LP, “Be my slave”, saiu em 1983 e gerou controvérsia até o fim da década – o PMRC (lembra?) chegou a citar o álbum como exemplo de disco com conteúdo sexual explícito. A banda voltou em 2014 com Betsy nos vocais.
ARI UP: A alemã Ariane Daniela Forster (1962-2010) foi vocalista de uma conhecidíssima banda punk feminina dos anos 1970, as Slits. O grupo surgiu em 1976, formado por ex-integrantes dos Castrators e do The Flowers of Romance (banda que teve um rodízio de músicos, dentre os quais futuros integrantes do PiL e dos Sex Pistols), mas só gravou o primeiro disco em 1979, “Cut”. Alias, vale citar todo mundo das Slits: a guitarrista Viv Albertine, por exemplo, está por aí em carreira solo e até lançou um livro de memórias em 2014, “Clothes, clothes, clothes. Music, music, music. Boys, boys, boys”.
EXENE CERVENKA: Vocalista da banda californiana de punk rock X. O grupo tocava tão bem (e Exene era uma frontwoman tão boa) que, ao assistir à banda, Ray Manzarek, tecladista dos Doors, ofereceu-se para produzir o primeiro disco. “Los Angeles” (1980), o debute, revelava Exene não apenas como cantora, mas como excelente letrista – bem antes da banda, ela participara de workshops de poesia e, em 1982, lançou “Adulterers anonymous”, série de quatro livros ao lado de Lydia Lunch (sobre a qual você lê mais adiante).
BEKI BONDAGE: Loura e geralmente coberta de roupas de couro, a inglesa Rebecca Louise Bond (seu nome verdadeiro) lembrava mais uma versão gata e feminina de Lemmy Kilmister, do Motörhead, ou uma cantora de heavy metal – mas foi (e é) vocalista de uma das melhores bandas da segunda onda do punk, o Vice Squad. O grupo teve idas e vindas e está aí até hoje, com ela nos vocais e uma formação bastante desfigurada.
LYDIA LUNCH: A misteriosa cantora e poetisa novaiorquina se chamava Lydia Koch e ganhou o apelido porque, morando um squat povoado por artistas em Nova York, era responsável por roubar comida para alimentar os amigos músicos. Virou ativista de um grupo de músicos que, já em meados dos anos 1970, contestava a acomodação e a caretice do próprio punk – a turma da chamada no wave. Tornou-se cantora do grupo Teenage Jesus & The Jerks e, com eles, participou de uma coletânea que juntava essa galera no wave toda, “No New York” (1978, produzida por Brian Eno). Hoje mora em Barcelona e em 2015 lançou “Urge to kill”, disco de seu projeto Lydia Lunch Retrovirus.
KELLY JOHNSON: Amiga e ex-namorada de Lemmy Kilmister, do Motorhead, Kelly foi vocalista nos quatro primeiros discos da banda feminina de hard rock Girlschool. Ao sair do grupo, em 1984, iniciou carreira solo e teve outros projetos. Era sempre elogiada como guitarrista (o amigo Lemmy dizia que “ela era como Jeff Beck na era mais rock’n roll dele”). Morreu em 2007 após longa batalha contra um câncer.
SANDRA COUTINHO: Vocalista, baixista e comandante das Mercenárias. O grupo teve, por pouco tempo, um integrante homem (Edgard Scandurra, guitarrista do Ira!, que chegou a construir uma bateria improvisada para tocar com elas enquanto as meninas não conseguiam uma titular). Mas no geral é uma rara voz punk feminina no Brasil – que após várias mudanças de formação, existe até hoje e ainda faz shows. O primeiro disco, “Cadê as armas?” (1986, Baratos Afins), saiu em CD e está no Spotify. O segundo disco, o pós-punk“Trashland” (1988, lançado pela EMI, hoje Universal) permanece inédito em CD ou formato digital.
ANDREA TRUE: Lembra do Andrea True Connection, grupo de disco music de relativo sucesso nos anos 1970 (de “More, more, more”, é claro que você lembra)? Em 1980, a cantora americana Andrea True resolveu gravar seu único disco solo, “War machine”, mas passou longe da disco: abraçou uma controversa mistura de hard rock e new wave, que não chegou a fazer sucesso, mas rendeu um clipe para a faixa-título. Vai como menção honrosa (e infelizmente Andrea saiu de cena em 2011).
Tem também Patti Smith, Runaways, L7, Debbie Harry, Courtney Love, Suzi Quatro, Madonna (que teve uma fase punk-new wave duradoura antes da fama), Siouxsie e várias outras, inclusive a baiana Pitty, que tocou em bandas punk como Inkoma e She’s. Mas essas você tem a obrigação de conhecer.
Cultura Pop
No nosso podcast, a época em que o Killing Joke revolucionou o pós-punk
Drogas, caos, peso, ocultismo, iluminação espiritual e paixão pela violência e pelo proibido marcaram a carreira do Killing Joke – e marcam até hoje, já que a banda ainda existe. Do começo até meados dos anos 1980, Jaz Coleman, Youth (e depois Paul Raven), Paul Ferguson e o recém-falecido Geordie inseriram mais e mais perigo num estilo musical, o pós-punk, marcado pela insinuação e pela exploração de demônios interiores.
No nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, o assunto de hoje é a melhor fase do Killing Joke, uma das bandas mais misteriosas da história do rock, responsável por aproximar estilos como pós-punk, gótico e heavy metal. Terminamos no disco Brighter than a thousand suns (1986), mas a história do grupo ainda inclui muitos outros discos – ouça tudo.
Século 21 no podcast: Girls In Synthesis e Plastique Noir.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Ramones, “Halfway to sanity” (relançamento)
Que ironia: um disco nota 6 dos Ramones causa crises de saudades e revisionismo histórico e… pelo menos aqui no Pop Fantasma, aumenta de cotação. Halfway to sanity (1987) volta agora às lojas brasileiras (as online e as que resistem), e no formato CD. Foi o último disco gravado com Richie Ramone na bateria, pouco antes do grupo fazer uma tentativa de colocar o ex-Blondie Clem Burke para substituí-lo.
Dizer que “o disco tal dos Ramones foi marcado por brigas durante a gravação” é chover no molhado, ainda mais em se tratando de uma banda que tinha o intransigente Johnny Ramone como guitarrista. Halfway, décimo álbum da banda, lançado originalmente em 15 de setembro de 1987, por sua vez, é um caso à parte: a porrada comeu antes, durante e depois. Para começar, em janeiro daquele ano, o grupo baixou em São Paulo para três shows – o primeiro deles terminou em briga generalizada provocada por skinheads.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- Temos episódios do nosso podcast sobre Ramones e Blondie.
No meio das gravações, Joey e Johnny Ramone, inimigos íntimos, não se entendiam. O produtor Daniel Rey tinha problemas de comunicação com boa parte da banda. Dee Dee Ramone (ainda no baixo do grupo), passava boa parte do tempo doidão, não conseguia se comunicar com ninguém e – dizem – teve suas partes de baixo tocadas por Rey. Pessoas que lidavam com os Ramones de perto dizem que a banda já estava de saco cheio de trabalhar feito louca, gravar um disco por ano e não ser reconhecida, com direito a amigos da onça perguntando a eles “quando a banda iria estourar”.
E aí que Halfway soa insano, embora sob controle. Curtíssimo (12 músicas em 30 minutos e uns quebrados), o álbum traz os Ramones fazendo algumas incursões pelo hard rock e pelo hardcore, com direito a vocais berradíssimos de Joey Ramone em faixas como I know better now, a agitada Weasel face (na qual a voz do cantor chega a lembrar a de Alice Cooper) e o skate punk legítimo I’m not Jesus. O grupo chega perto do pós-punk gótico em Garden of serenity, adere ao som tribal na onda do Public Image Ltd em Worm man, e soa revivalista na balada Bye bye baby (com cara de canção de girl group, e escrita, claro, por Joey) e no rock vintage Go lil Camaro go, marcado por uma apagada participação de Debbie Harry.
1987 foi um ano de três bateristas para os Ramones: com Halfway em curso, Richie saiu brigado da banda, e deu lugar para Clem Burke – jornalistas lançaram a piada de que ele adotaria o nome Clemmy Ramone, mas ficou mesmo como Elvis Ramone. Não deu certo e após dois shows confusos, Marky Ramone, que estava afastado da banda desde 1983, retornou. Hoje, vale a redescoberta.
Nota: 7,5
Gravadora: ForMusic (no Brasil)
Crítica
Ouvimos: Nick Lowe e Los Straitjackets, “Indoor safari”
- Indoor safari é o novo disco do cantor, compositor e produtor britânico Nick Lowe. Um artista cuja carreira vem desde meados dos anos 1960, mas que se notabilizou a partir dos anos 1970, primeiro como integrante das bandas Brinsley Schwarz e Rockpile, depois como artista solo lançado por gravadoras como a indie Stiff e a indie-major Radar.
- O disco é uma compilação de gravações feitas ao longo de dez anos por Lowe com a banda retrô-lounge-surf Los Straitjackets, que sempre se apresenta disfarçada por máscaras de wrestling. O cantor e o grupo já haviam lançado um álbum ao vivo em 2016.
- Indoor safari sai pelo selo Yep Roc, iniciado em 1997 e cujo elenco já teve de Fountain Of Wayne a Bob Mould e Gang Of Four.
Figurinha indispensável dos anos 1970, brilhante como cantor, compositor e produtor, rei da transição entre pub rock, punk e new wave (seu som passa pelos três estilos)… Nick Lowe é aquele cara que provavelmente, no Brasil, muita gente conhece sem conhecer. Volta e meia ele é citado por aí como nomão influente, artistas como Elvis Costello já trabalharam com ele, e sua discografia, além de já ser bem extensa, inclui músicas que volta e meia rolam no rádio até mesmo no Brasil, como So it goes, Crackin up e Cruel to be kind.
Drogas e problemas pessoais deixaram a história de Nick mais conturbada, mas ele nunca parou. De qualquer jeito, a carreira discográfica de Lowe meio que ficou no para-e-anda depois de 2013, quando ele lançou Quality street, disco de Natal. Em compensação, ele saiu em turnê para divulgar o álbum ao lado de uma banda chamada Los Straitjackets, uma banda da mesma gravadora que ele (Yep Roc), dedicada a rock extremamente vintage – surf music, rockabilly e coisas próximas do bubblegum – com cada integrante usando uma máscara de wrestling.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Isso aí era Lowe, que já foi visto como um revisionista futurista, voltando-se para um som clássico de rock, ao lado de uma galera bastante animada. Tão animada que o enrosco com a banda rendeu turnê e alguns singles. E agora rende uma espécie de coletânea expandida, Indoor safari, com os compactinhos que ele vem gravando ao lado dos Straitjackets, mais três músicas inéditas. Uma das novas canções, a surfística Went to a party, surge na abertura soando como o Who ou os Kinks dando vida nova a uma canção dos anos 1950 – ou alguma música perdida de bandas como Kingsmen ou Rivingstones.
Indoor safari não é um disco “novo”, mas isso não o torna menos valoroso. Os Straitjackets e Lowe fazem um disco de rock quase 100% autoral que poderia ter saído em 1961 ou 1962, com músicas que, se tivessem sido feitas naquela época, estariam no set list do show dos Beatles em Hamburgo, ou entre as releituras dos primeiros discos deles. De qualquer jeito, há dois covers, A quiet place, de um grupo chamado Garnett Mimms & The Enchanters, original de 1964; e Raincoat in the river, gravada originalmente por Ricky Nelson.
O clima lounge prometido pela foto da capa surge amplificado em músicas como Love starvation, a tristezinha rocker de Crying inside, a maravilha meio Motown meio Beatles Jet pac boomerang (encerrada com uma citação de Please please me, dos quatro de Liverpool), a selvageria rocker de Tokyo bay e a bateção irresistível de violão e guitarra de Trombone. Cada riff de guitarra soa como anúncio de duelo, numa onda meio surf rock de faroeste. Ouça no volume máximo.
Nota: 9
Gravadora: Yep Roc
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema7 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?