Cultura Pop
Chinaina: um papo sobre EP novo, Carnaval e bandas novas na TV

Sandra Sá virou Sandra de Sá, Igor Cavalera virou Iggor Cavalera. E o cantor e apresentador China, de uns tempos para cá, virou Chinaina. Houve uma razão para a mudança, que não tem nada a ver com numerologia ou algo do tipo: o cantor resolveu alterar o nome artístico por causa da dificuldade de procurar por “China” nos aplicativos de música. “O cara procurava minhas músicas e achava uns 200 Chinas”, brinca o cantor, compositor e apresentador nascido em Olinda (PE). Ele acaba de lançar o EP Carnaval da vingança, que propõe um reencontro com a folia em músicas como Carnaval infinito (a do verso “eu vou fazer um carnaval infinito quando te encontrar”).
China, mesmo gravando tudo à distância, convocou o maestro Nilsinho Amarante para reger uma orquestra e dar uma ambientação de discos de frevo das antigas. “Queria que soasse como nos discos de frevo de antigamente, que era a orquestra inteira junta dentro do estúdio, com um microfone só captando”, conta ele, que além da música, vem se dividindo como apresentador em três canais de TV: fazer festivais no Multishow, descobre bandas novas no Caça Joia, da TV Cultura e divide o Rock Estúdio com Jimmy London, no canal Bis. E recorda todas essas experiências no papo com o Pop Fantasma, indo lá atrás na época de sua primeira banda de sucesso, o Sheik Tosado, da qual relembrou Hardcore brasileiro, um frevocore, no EP novo.
Foto: Divulgação/Pamella Gachido
Antes do EP novo, você havia vindo de uma experiência com um disco bem político, que era o Manual de sobrevivência para dias mortos. Você enxerga semelhanças entre os dois discos em termos de discurso? Rola uma certa continuidade no discurso?
De certa forma sim, pelo seguinte: na época do Sheik Tosado, a gente dizia que se o povo que tivesse curtindo o Carnaval resolvesse parar e fazer uma guerra civil, a gente derrubava qualquer governo. Esse foi um dos motes quando comecei a fazer o Carnaval da vingança. Eu estava revisitando minha obra, e tinha a ideia de regravar o Hardcore brasileiro com orquestra, daí lembrei desses papos que a gente tinha. Então, sim, é uma continuidade, acho que o Carnaval da vingança deixa claro, como fala na letra de Virando Papangu, que “o povo mete medo quando quer voar”.
O Carnaval é uma violência no sentido de descarga de energia, sabe? Eu acho que esse discurso faz parte, ainda mais num momento tão estranho como o que a gente tá vivendo, tão nebuloso… Fora a covid, tem um governo completamente omisso, incompetente. Acho que o povo na rua faz essa vingança acontecer.
Você juntou “Carnaval” e “vingança” num mesmo título. Como foi levar o tema “política” pro Carnaval? O Carnaval tem virado um tema bastante político, com essa discussão sobre se ele pode acontecer ou não…
Eu sempre vi o Carnaval como um ato político, isso para mim nunca foi desassociado. Até porque é uma festa democrática, onde o rico, o pobre brincam juntos na rua. E pra mim é a hora que o povo extravasa, que as marchinhas de Carnaval que satirizam a política e as situações do Brasil acontecem. Acho que no momento que a gente tá vivendo, sobre se pode ou não ter Carnaval… Apesar de eu estar muito triste, acho prudente que não se tenha o Carnaval. Mas acho um absurdo que quem tem dinheiro possa pagar por um Carnaval de bloco.
No fim das contas ele tá fazendo o vírus circular, e se a ideia é impedir a disseminação, tá dando quase na mesma. E aí você privilegia só um pedaço da população. Isso eu acho errado, acho que se tem que cancelar, deveria ser cancelado em todos os âmbitos.
Sobre o EP, eu estava ouvindo e me deu a impressão de um disco para ser lançado com shows em teatros. Como você está pensando os shows do disco?
Bicho, no momento eu tô tentando não pensar no show (risos)! Porque, p… que pariu, quando comecei a fazer o EP eu já estava pensando em orquestra. O lance de tocar em teatro, acho que você acertou em cheio, porque é um lugar que eu gosto de fazer show. Porque todo mundo que foi lá me ver tá prestando atenção naquilo, não é uma festinha às 2h, 3h da manhã. O fazer show em teatro tem um propósito. Seria demais, a minha ideia é fazer o show do disco em algum momento, e com a orquestra inteira no palco.
Eu não consigo ver o espetáculo desse disco com menos que isso. Ao mesmo tempo, a gente sabe que está numa recessão absurda, o preço das passagens nas alturas. Não sei se consigo rodar com uma equipe com 15 pessoas. Mas a ideia seria mesmo fazer shows em teatros, porque é um dos lugares mais seguros nesse momento. Eu sempre brinco dizendo que a máscara só aguenta até a terceira cerveja. Tem uma hora em que você tá ali na festinha e… Bicho, já era a máscara. No teatro você ainda consegue ter essa segurança, porque não pode beber lá.
Mas sendo muito sincero com você, fico tentando nem pensar nesse show pra não ficar triste! (risos) Queria pra cacete levar esse show pra rua, mas tem que respeitar todos os protocolos possíveis, não colocar ninguém em risco, não me colocar em risco. É um cuidado maior que eu estou tendo desde o início da pandemia. Inclusive o próprio disco foi gravado todo à distância.
Como foi?
Produzi de São Paulo, com músicos gravando de Recife, Salvador. A orquestra, eu queria que soasse como nos discos de frevo de antigamente, que era a orquestra inteira junta dentro do estúdio, com um microfone só captando. Mas por causa da pandemia, não dava para juntar todo mundo num estúdio. Eu falei com o técnico de som via zoom, a gente foi marcando o chão, onde seria o lugar de cada músico no estúdio, e botando um microfone para captar no centro. As gravações acabaram se juntando e dando a impressão de ao vivo. Mas foram 16 horas direto de trabalho no computador, graças à tecnologia deu para fazer isso.
O resultado ficou muito melhor do que eu imaginava, ficou com essa coisa quente do Carnaval, ficou lembrando como se fosse ao vivo. Da capa até a última música passa a impressão de um Carnaval. E já que a gente não pode estar na rua, que a galera escute dentro de casa e faça seu Carnaval infinito (nome da faixa de abertura do EP) dentro de casa (risos).
Como foi resgatar Hardcore brasileiro, do Sheik Tosado, no disco?
Sempre quis ter um arranjo de orquestra para essa música, desde quando a gente compôs e lançou em 1999. Sempre quis trazer essa música de volta. A parte curiosa foi a discussão com o maestro para a gente chegar nos 180 bpm. Ele me mandou uma versão em 150, 160 bpm. Falei: “Maestro, isso é um hardcore, tem que ser pra cima!” Ele falou: “Mas gravado vai só até 160 bpm no máximo, os tradicionalistas do frevo já decretaram isso”. Falei: “Bicho, mas é um hardcore, tem que soar como hardcore. Vamos aumentar a velocidade dessa porra!”
Ficamos discutindo um tempo, e venci a discussão dizendo: “Bicho, quando vocês tocam nas ladeiras de Olinda, vocês tocam rápido que só a porra! Parece um hardcore, e agora você tá dizendo que não pode por causa dos tradicionais do frevo. Esquece os tradicionais e vamos fazer história acelerando o frevo!”. Ele deu risada e aceleramos. Depois eu botei as duas versões para ouvir, a minha e a do Sheik Tosado, e as duas têm o mesmo peso e intensidade.
Aliás quais são suas lembranças desse disco do Sheik Tosado, o Som de caráter urbano e de salão (lançado pela Trama em 1999)?
Cara, a gravação desse disco foi demais. A gente era tudo moleque, tudo muito novo, experimentando um estúdio bom, um produtor bom. Já se gravava em computador, mas o Carlo Bartolini (produtor) fez questão de passar bateria pela fita, guitarra pela fita. Tinha todo um cuidado na engenharia do disco. Ele foi mixado por Bill Kennedy aí no Rio, no (estúdio) Mega. O Bill mixou o Metallica, a maior galera. No primeiro dia do Bill, ele já estourou uma caixa do Mega, já começou a reclamar do estúdio. A gente ficou assim: “Peraí, mas esse é um dos maiores estúdios do Brasil, e esse gringo tá achando ruim?” (risos) Mas aí no fim das contas, acho que era marra de gringo, porque ele relaxou e ficou tudo bem.
Eu acho que esse disco tem uma sonoridade muito forte e muito pesada até hoje. O Sheik Tosado antes desse disco nem era tão pesado – ou melhor: talvez a gente nem tivesse a sacada de ser tão pesado quanto esse disco ficou. A gente tinha a coisa do hardcore, do frevo. Mas como nossos equipamentos eram uma porcaria, a gente jamais chegava nessa porrada, tá ligado? E o disco fez a gente melhorar como instrumentista, melhorar em equipamentos. A banda começou a soar tão pesada quanto o disco.
Acho que esse disco é muito importante pra minha carreira. Foi o disco que abriu minhas portas para a vida artística, para a coisa de produzir meus discos, gravar, virar produtor musical também. Até hoje, quando eu tô produzindo coisas mais pesadas é meu som de referência, de guitarra e de bateria. Sempre volto nele. Há uns anos eu entrevistei o Max Cavalera, e a gente falou desse disco. Ele até falou: “Pô, aquele som é brutal!” Bicho, foi foda, quase que eu choro!
E é um disco curtinho. Menos de meia hora…
Mas acho que era o que a gente tinha de material mesmo, naquela época! Lembro que não ficou nenhuma música de fora, do que a gente já tinha. Foi tudo muito rápido, o Sheik tinha um ano de banda quando assinou com a Trama, daí entramos no estúdio, gravamos o disco. E dois anos depois a gente já estava tocando no Rock In Rio. Acho que após o disco esse repertório se ampliou. Mas na época, eram aquelas músicas. E depois que o disco ficou pronto a gente fiou; “Putz, mas só deu 27 minutos?”. Aí, alguém falou: “Mas isso é ótimo, acaba o disco e o cara tem que dar o play de novo!”
Você falou do Rock In Rio: como foi pra você e pra banda estar na edição de 2001?
Foi demais, foi demais. Essa história começa bem antes, porque a gente fez um show no Blem Blem, em São Paulo, abrindo pra Marky Ramone. O empresário da gente na época conhecia um dos caras do Rock In Rio e levou o cara pra ver o show. Acabou o show do Sheik Tosado e ele foi no camarim. Não era o Medina (risos), era um outro cara que eu não me lembro do nome. E depois do show ele falou: “E aí, será que vocês estão prontos para tocar no Rock In Rio?”. A gente, brincando, falou: “Lógico que estamos prontos, vamos nessa!”. A gente só não imaginava que seria no palco principal, né?
Daí quando chegou o convite oficial, era para a gente abrir a noite do Iron Maiden no palco mundo. Foi demais, foi uma sensação incrível, poder estar naquele palco, com aquelas bandas, num festival desse tamanho… Pra gente foi difícil de início. Porque, imagina, tinha fã de Iron Maiden vindo de todo o lugar do mundo e se dependesse deles, o Maiden tocaria de meio-dia até encerrar. O começo foi bem difícil, mas a gente conseguiu peitar e passar por cima dos fãs do Iron que tavam ali na grade e atingir o resto do público. No final foi um sentimento de vitória. Conseguimos mostrar que a música brasileira também pode ser pesada, sem deixar as origens de lado. A gente não precisa ficar pagando pau pra gringo.
Como você se descobriu artista solo? Você lançou primeiro aquele EP Um só, pelo selo Cardume (do produtor e escritor carioca Bruno Levinson, com distribuição da EMI)…
Pois é, eu acho que só quem tem esse disco sou eu mesmo!
Não, eu tenho aqui!
Nas plataformas ele não está, né? O Sheik Tosado a gente brigou, brigou e colocar recentemente nas plataformas. Mas cara, quando eu saí do Sheik Tosado – a banda era um monte de moleque, a gente brigava pra cacete, terminou a banda brigado – só pensei: “Vou fazer faculdade e vou, sei lá, tentar achar outros caminhos”. Fiz jornalismo um tempo, só que não rolou, porque no meio do caminho, o Bruno me chamou pra fazer um primeiro disco solo. Eu pensei: “Vou fazer completamente diferente do que estão esperando”. Para mim, não tinha graça sair do Sheik Tosado para fazer um disco igual a o que faria com eles. Já que sou solo, e os caminhos quem determina sou eu, vou para qualquer caminho. Não tenho o menor problema com isso.
Desde o Um só, eu gosto muito de me arriscar como compositor. Na época do Sheik Tosado a galera achava que eu passava o dia ouvindo som pesado. E era a época em que eu era viciado em bossa nova. Comprava tudo que aparecia pela frente de bossa nova. Nunca tive essa coisa de só ouvir um estilo musical, acho que isso é coisa do nordestino de modo geral. A gente acaba ouvindo de tudo, pode ir a um show dos Ratos de Porão e em meia hora estar do outro lado da rua dançando forró.
E quando eu saí em carreira solo, pensei: “Quero me arriscar, ir para outros caminhos. Eu sei que já sei fazer hardcore, mas quero ir para outros lugares”. Isso me abriu muitas portas como compositor. O cara do Art Popular, o Leandro Lehart, gravou música minha. Mombojó gravou música minha, Dado Villa-Lobos gravou, até o Jota Quest gravou música minha! Para um moleque que cantava hardcore, até que os caminhos se abriram (risos). Mas se você prestar atenção, a cada disco que eu lanço, sempre tem uma música mais pesada, uma parada mais hardcore, um frevocore… Sempre tem alguma coisa no meio do caminho.
Como ouvinte, eu acho uma merda quando uma banda que eu gosto começa a repetir o disco. Você vai ouvir esperando uma coisa nova e é a mesma coisa, a mesma coisa… Eu estava até conversando com o Jimmy London e ele me disse: “Você tem a maior coragem, a cada disco você faz uma parada completamente diferente!”. Eu não tenho que estar preso a uma fórmula, nem quero.
Mas aquela coisa de: “Bom, agora sou um artista solo, vou ter que cuidar da minha carreira sozinho, subir sozinho no palco…” Como foi pra você naquele momento?
Cara, naquele momento foi bem difícil. Eu tinha uma banda, onde eu e meu irmão, Bruno Ximaru, éramos os líderes e a gente decidia tudo junto. E na carreira solo eu tinha que tomar as decisões. De início foi complicado, até para estabelecer a relação que eu tinha com os músicos, o caminho que a gente ia seguir. Foi engraçado, porque no Sheik Tosado, eu e meu irmão, por mais que a gente guiasse os caminhos, como a gente tinha uma amizade com a galera, a turma já ia tocando. E em carreira solo, os músicos estão esperando que você diga algo. Demora um tempo pra pegar essa química, da galera entender qual é a sua.
Foi um início bem confuso pra mim, mas foi um aprendizado importante. Até para o que se desenrolou depois, de trabalhar com produção musical, gravando outras bandas, saber guiar os caminhos. Demorei bastante tempo pra conseguir achar esse lugar e acho que hoje em dia eu ando bem. Mas não vou mentir, não rolou algo como: “Ah, desde o início foi tranquilo…”. Mas nem fodendo! Demorou alguns discos e alguns shows pra chegar nessa segurança, para que eu entendesse meu papel dentro daquilo tudo e conseguisse guiar quem tá junto comigo acreditando no meu som.
Como você virou apresentador?
Velho, foi muito por acaso. Quando eu estava estudando jornalismo, achava que eu ia para o impresso. Sempre gostei muito de escrever. Até que a MTV me convidou para ser repórter por um fim de semana, cobrindo um festival em Belém. Aquele esquema, né? “Não tem grana e tal, mas legal, sua cara aí…” Pensei: legal, vamos lá. Nunca tinha ido em Belém, passei um fim de semana ótimo, conheci um monte de banda foda, tudo na faixa. Achei que ia ser só aquilo, tipo “repórter por um dia”. Só que depois eles me ligaram, perguntando se eu queria ser VJ, porque eles estavam com um projeto de um programa sobre música brasileira. Eu pensei: “Mas eu nem tenho experiência com TV direito”. Aí me responderam: “Seu teste foi lá no festival e todo mundo adorou!”. Eu estava sendo testado e nem sabia (risos)!
Comecei o Na brasa, e aí foi fácil: era falar de música brasileira, que é um negócio que eu gosto, e com artistas que na realidade são meus amigos, uma galera que eu encontro no camarim, nos backstages da vida, nos festivais. Esse início foi fácil. Aprendi a lidar com as câmeras, até tive um diretor muito bom, que falava: “A câmera é como se fosse um brother seu, conversa com ela como se estivesse conversando com alguém”. E foi nessa sacada que eu fui. Comecei a usar as gírias que eu usava em Olinda. Foi uma coisa que eu aprendi com o manguebeat, que na verdade veio de Leon Tolstói, de que quanto mais você fala da sua aldeia, mais você tá falando do mundo. Chico Science sintetizou isso muito bem. Quanto mais eu tiver meu sotaque e meu jeito, mais eu vou cativar quem vai estar assistindo. Não foi nada pensado, só fiz. Dei sorte nesse sentido, de estar falando de música com amigos…
De lá eu pulei pra Band e foi um enorme desafio, porque fui fazer A liga, que era um programa de jornalismo-verdade. Ali eu vi que dentro da TV eu poderia fazer qualquer coisa. Daí fui cobrir os Carnavais em Salvador, Recife, e pintou o Multishow. Sempre no hiato entre uma TV e outra eu pensava: “Agora eu vou lançar um disco, preciso dar uma focada na carreira musical e tal”. E, bicho, eu nunca me livrei da TV, sempre fui chamado para outras coisas. Eu fiz esse exercício de reflexão um tempo atrás: nunca deixei a música de lado e o dinheiro que eu ganho na TV, invisto nos meus discos, em equipamento, uma coisa ajuda a outra.
Hoje eu consigo me vender como um músico que também é apresentador e um apresentador que também é músico. Antes eu ficava muito preso nesse lugar de: “Será que eu sou isso e tô fazendo uma outra coisa?” Mas é como um amigo me falou: eu sou um comunicador, não interessa se estou comunicando em discos ou na frente das câmeras. Fiquei feliz quando cheguei nessa resolução.
Como tá sendo fazer o Caça Joia?
Tá sendo um inferno de vida, nesse momento tenho três mil links para escutar (risos). Mas é o melhor inferno que eu poderia ter. Tem muita coisa nova. Na primeira temporada foram mil links, fora as coisas que eu estava catando. Deu tão certo e era um espaço tão nobre para artistas mostrarem seu som, e fugindo completamente dessa coisa de algoritmo, numero de seguidores, de plays. O programa não é sobre isso. O Caça Joia é música pela música, e o discurso desses artistas, a originalidade.
Eu fui revelado num festival de música em 1998 e fazer o programa é como se eu estivesse devolvendo tudo o que fizeram por mim na música. É uma forma de agradecer e impulsionar outras carreiras. No MTV Na Brasa, vários artistas que estavam começando passaram pelo programa: Emicida, Criolo, Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci. Olha onde esses caras tão hoje! Quem sabe o Caça Joia vai para um lugar desses?
E quando comecei a perceber essa coisa do algoritmo, do número de seguidores começar a importar… Eu acho isso muito estranho, cara. Imagina se o Sheik Tosado tivesse esse esquema de número de seguidores? Jamais iria rolar, a gente era uma banda de hardcore que fazia frevo. Hardcore e punk no Brasil é um nicho. Hoje em dia isso é desleal com novos artistas, esperar que essa galera tenha um número de seguidores para poder estar num festival, ou estar numa playlist… A gente criou o programa para isso, para dar espaço e voz a essa galera. Se a gente não consegue furar essa bolha, que a gente passe pelo lado dela e siga em frente. Vamos passar por essa coisa dos algoritmos e a gente segue!
Fazer o programa é um puta cuidado, eu escuto cada um dos links que me mandam, não deixo passar absolutamente nada. A ideia é fazer uma curadoria do Brasil inteiro, então na primeira temporada passamos por todas a regiões do país e agora vamos pelo mesmo caminho. Às vezes é f…, porque tem três, quatro bandas do Rio que são do caralho e só posso escolher uma. Mas quem boiou nessa temporada pode ir para uma próxima. O Canal Futura ficou muito satisfeito com o resultado e com a audiência. Modéstia à parte é um status importante na televisão para mostrar novos artistas. E são artistas novos, sem nenhum apelo comercial.
E por que você está usando agora o nome de Chinaina?
Minhas redes sociais sempre foram Chinaina. Mas o lance da mudança foi porque eu estava tendo muitos problemas com as plataformas digitais, do cara achar minha música. O cara escrevia “China” e achava uns 200 Chinas diferentes (risos), ou na minha página aparecia o nome de um outro China. As plataformas nunca conseguiram resolver isso. É uma coisa absurda, com a quantidade de tecnologia que temos hoje, os caras não conseguirem resolver um problema tão simples como esse… Aí rolou a ideia de mudar, porque ficaria fácil para as pessoas acharem o nome na internet.
Na verdade nem é que eu “virei” Chinaina. Agora mesmo dei uma entrevista para uma repórter que me chamou o tempo todo de Chinaina. Falei: “Que bom que você está me chamando de Chinaina, mas fica à vontade para me chamar de China! (risos) Não é cabala, não é numerologia, foi só um artifício pra quem gosta da minha música achar ela de maneira mais fácil”.
Aliás, acabei de achar o Um só no Spotify, mas ele tá como China…
Sério? Mas aí você vê a doideira, né? Pra você mudar o nome no Spotify você tem que criar um perfil novo – nele e em outras plataformas – e as músicas migram de um perfil pro outro. As músicas do China vão migrar pro Chinaina, uma hora esse perfil vai ser desativado e vai ficar só o Chinaina. Mas isso só as plataformas podem fazer e a gente fica de mãos atadas. Os caras estão pagando uma miséria para os artistas e a gente não consegue resolver um problema simples assim.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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