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Caneco Quente: som lo-fi e quase eletrônico, lá de Minas
Em junho, o músico mineiro Pedro Handam, baterista da banda Moons (e que já passou por vários outros projetos), decidiu dar vazão a seu lado de criador de música experimental, lo-fi, quase eletrônica – apesar de haver um trio de pratos-caixa-surdo como “bateria de apartamento”, como ele mesmo fala. Trouxe de volta seu projeto Caneco Quente, que surgiu em 2007 quando tocava numa banda chamada Transmissor (o nome surgiu da união de duas letras, Caneco verde e Macaco quente, que tentou emplacar na banda, sem sucesso). “Para não perder a viagem juntei uma com a outra”, brinca ele, que retorna com um disco duplo, Falta flauta/Flauta falta.
Apesar de formarem um set só de álbuns (Pedro diz que os dois discos foram lançados separados por “um vacilo” cometido por ele mesmo), Falta flauta e Flauta falta acabaram sendo lançados em separado nas plataformas, o que torna a audição até mais interessante, visto que são álbuns complementares – em experimentações, conceitos, timbres e visões pessoais, que apontam justamente para descobertas e vivências da pandemia. Há músicas como O seu nome é Pedro ou papai? e Linda Lina, ambas sobre a cadelinha do músico, Lina, que adoeceu no começo das gravações e morreu na última semana de trabalho. Aliás, Pedro diz que tudo do disco gira em torno dela.
Há também recordações de infância, como em Pedra pedra pedra, sobre um canivete que ele ganhou há 30 anos ao pai e ainda funciona. Ou Ele é um mineiro em Portugal, sobre um amigo que morava no Porto desde 2017 e retornou para o Brasil para ficar com a família. “Considero os discos como um álbum duplo. Como todas as músicas foram feitas durante o mesmo período (entre maio de 2020 e maio de 2021), elas acabaram tendo uma mesma onda, compartilham do mesmo universo de timbres, conceitos, etc”, afirma.
O músico já havia lançado um primeiro disco da banda em 2019 (epônimo, e já com uma música chamada Lina, por acaso). Mas o Caneco Quente tinha virado um projeto para as horas vagas, já que ele demorou quase dez anos para retomar as primeiras composições.
“Durante esse tempo eu até contribui com algumas letras pros projetos que participava, mas nunca me deixaram cantar. Eu sempre quis registrar as minhas próprias ideias, mas só consegui dar um passo adiante nas composições quando comecei a gravar o primeiro disco, no meio de 2017”, conta ele, que gravou o disco novo em casa, num quarto-estúdio que ele chama carinhosamente de Abalo Císmico. Diz ter escutado pouca música durante a elaboração. “Eu, infelizmente, me deixei levar por esse turbilhão de pura paranoia que são as notícias do Brasil e ouvi muito pouca música durante a concepção/gravação/finalização do disco. Ouvia praticamente só podcast de política, muito baixo astral”, conta.
Mesmo nas faixas instrumentais dos dois discos, os títulos parecem sempre querer dizer alguma coisa, ou serem histórias da vida de alguém, aliás. Pedro diz que isso surgiu de sensações e imagens deixadas pelas músicas. “Tento não pensar demais na hora de dar títulos pra elas e geralmente fico com a primeira opção que aparece (mesmo que não faça muito sentido depois). Sempre gostei demais dos nomes absurdos que bandas como Flaming Lips, Les Savy Fav e Satanique Samba Trio dão pras suas músicas, procuro ir pelo mesmo caminho”, conta.
Pedro, que é artista plástico, também fez as capas dos discos. As ilustrações foram feitas especialmente para os lançamentos. “O processo das capas foi bem parecido com o da composição das músicas, sem muito rascunho, deixando correr solto pra ver até onde vai e, naturalmente, gerando muita bobagem pelo caminho. Eu sou muito ansioso e tenho dificuldade pra planejar as coisas, então aproveito esses impulsos pra que apareça algo interessante no meio da confusão, seja na música ou nas artes visuais”, diz.
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Crítica
Ouvimos: Pavement, “Cautionary tales: Jukebox classiques”
- Cautionary tales: Jukebox classiques é o novo box retrospectivo do Pavement, com músicas dos lançamentos da banda em 7 polegadas, além de algumas outras coisas, como as versões alternativas das faixas Black out e Extradition, lançadas em 2006 para quem fez a pré-encomenda da nova versão do disco Wowee zowee (1995).
- A caixa já está disponível nas plataformas – mas em formato físico, Cautionary tales sai apenas no dia 12 de julho. O pacote inclui reproduções dos singles originais de 7″ e um livreto de 24 páginas.
Blur, Cate Le Bon, Parquet Courts, Nirvana, Weezer, Super Furry Animals, The Coral e até o R.E.M. Todas essas bandas/artistas, em algum momento da carreira, foram comparadíssimas a um verdadeiro gigante do indie rock, o Pavement. Ou se deixaram deliberadamente influenciar pela banda criada pelos guitarristas e vocalistas Stephen Malkmus e Scott Kannberg. Um grupo que, vindo da Califórnia, estava mais para projetinho lo-fi e barulhento vindo de Nova York ou de algum canto ensimesmado de Seattle, embora fizesse sentido no cenário de um estado norte-americano bastante diversificado.
No caso do Nirvana, passou para a história o quanto a música do Pavement inspirou a composição de In utero (1993), último álbum do trio liderado por Kurt Cobain. Dando uma ouvida nas primeiras faixas desse Cautionary tales: Jukebox classiques, caixa (por enquanto apenas virtual) reunindo todo o material de 7 polegadas lançado pelo grupo, fica evidente que sem o ruído berrado dos dois primeiros EPs do Pavement, Slay tracks: 1933 – 1969 (1989) e Demolition plot J-7 (1990), porradas do álbum do Nirvana como Scentless apprentice não teriam sido feitas.
As onze faixas desses dois EPs (incluindo pérolas como Box elder e You’re killing me!) perfazem a primeiríssima fase da carreira do Pavement, uma banda que, por ter vindo de uma cidade pequena na Califórnia (Stockton), parecia se sentir mais à vontade para zoar tudo o que via de longe, e ainda falar do dia a dia de seus conterrâneos nas letras. O próprio grupo não parecia perceber o quanto seu som, apesar de focar no ruído, era sociável – caíram até nas graças do DJ inglês John Peel, que descobriu a banda e passou a divulgá-la.
Slanted and enchanted, álbum de estreia (1992), provocou inveja em boa parte dos grandes nomes do rock da época, Kurt Cobain incluso: era porrada musical elaborada, com uma ou outra canção com tendência a grudar no ouvido – Summer babe, incluída no box, era desse disco, e Cautionary tales resgata também lados B como Baptist blackstick e raridades como Sue me Jack, rock suingado e elegante para os padrões do grupo na época.
De Crooked rain, crooked rain (1994, o segundo disco) em diante, o Pavement ficaria mais elegante, inclusive. Traria barulhos incluídos de modo dosado, em meio a canções mais formais, influenciadas por country, power pop, Beach Boys, Neil Young. A banda juvenil dos primeiros EPs estava se tornando um The Cure bem mais indie, um Television dos anos 1990 ou quem sabe um Grateful Dead da mesma década – misterioso, cultuado e com um séquito de fãs.
Essa história é contada por intermédio de músicas que fizeram o grupo ganhar um número bem grande de fãs no Brasil, como Cut your hair e a bela e quase radiofônica Gold soundz. Ou Range life, canção que, em sua letra, espalhava brasa para Smashing Pumpkins (“eles não têm nenhuma função, e eu não entendo uma palavra do que eles dizem”) e Stone Temple Pilots (“eles não merecem nada mais do que eu”). Billy Corgan, dos Pumpkins, agarrou ódio do Pavement por causa disso – já se recusou a dividir palco com eles em festivais.
Lados B dessa época, como a vinheta instrumental Kneeling bus, com bateria desencontrada e tom dado por riffs de guitarra e solos de piano elétrico, são as boas descobertas da caixa. Daí para diante, o Pavement já fazia parte do cenário indie oscilando entre canções contemplativas e melodias que sequestravam a atenção – além de letras que os fãs, antes de tudo, gostavam de discutir. I love Perth, referência à maior cidade da Austrália Ocidental, faz os fãs australianos da banda debaterem em fóruns na internet até hoje.
A referência irônica à psicodelia californiana de Gangsters and pranksters também despertou a atenção de muita gente. Unseen power of the picket fence, feita pela banda para aparecer na coletânea No alternative (1993), é cara de pau: a música pinta um retrato bem estranho do R.E.M., a ponto de muita gente se perguntar até hoje se ninguém da banda ficou ofendido ou grilado com versos como “o cantor tinha cabelo comprido/o baterista sabia como se restringir/o cara do baixo tinha os movimentos certos/o guitarrista não era nenhum santo”, em meio a referências a discos e músicas do quarteto (“Time after time era a música que eu tinha como menos favorita”, cantam).
O slacker rock (sinônimo de rock blasé e garageiro) do Pavement foi se tornando cada vez mais palatável e de longo alcance à medida que novos álbuns surgiam: Wowee zowee (1995), o ultra-trabalhado Brighten the corners (1997) e finalmente o controverso Terror twilight (1999) – este, produzido por Nigel Godrich (Radiohead), que tentou colocar o espírito livre do Pavement numa redoma, embora a banda tenha soado fora de tempo e espaço como sempre, em Spit on a stranger e Carrot rope, além do B side Harness your hopes, tudo isso presente em Cautionary tales. Uma história bem legal de ouvir, e de contar.
Nota: 10
Gravadora: Matador.
Crítica
Ouvimos: Mannequin Pussy, “I got heaven”
- I got heaven é o quarto disco do Mannequin Pussy, banda punk da Filadélfia que tem em sua formação a vocalista e guitarrista Marisa “Missy” Dabice, a baterista Kaleen Reading, o baixista Colins “Bear” Regisford e a guitarrista Maxine Steen.
- O disco novo é o segundo álbum pelo selo Epitaph. Antes a banda gravava pelo Tiny Engines, selo especializado em punk, indie e emo. Em 2019, a gravadora foi acusada de quebra de contrato pelo não-pagamento de royalties – o próprio Mannequin disse ter ficado sem receber algumas quantias. Os álbuns pelo selo foram comprados pela banda e estão sendo disponibilizados pelo selo Romantic Records, do próprio grupo.
- Em 30 de outubro de 2021, um baita perrengue: a banda teve roubada uma van e um trailer com os quais excursionava, contendo mais de US$ 50.000 em equipamentos. Precisaram fazer turnê com equipamento emprestado.
Se fosse uma banda dos anos 1990 (década com a qual, em algumas músicas, é associada), o Mannequin Pussy provavelmente seria considerado “alternativo” demais, e sua receita musical demoraria para ser descoberta de verdade. Sendo uma banda dos anos 2010/2020, que já está no quarto álbum, veio na época certa para impressionar com sua mistura de referências e detalhes.
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O som é punk lembrando tanto formações riot grrl quanto girl groups dos anos 1960 (em Loud bark, feminismo e pé na porta nos versos “nem um único filho da puta que tentou me trancar/poderia colocar a coleira em volta do meu pescoço”) e o lado mais ruidoso do rock britânico oitentista (a romântica Nothing like soa como Jesus & Mary Chain com vocal feminino e guitarradas como as dos Smashing Pumpkins). I don’t know you, por sua vez, tem empoderamento na letra, e um tom pop e deprê na melodia, como se fosse o avesso do Fleetwood Mac da fase Rumours.
O que mais vai ficar na mente de quem ouve o novo disco desse grupo da Filadélfia, na verdade, é que se trata de uma banda pesada (e muito) e afrontosa (e bastante), unindo punk e vocais falados no hit I got heaven, partindo pro punk melódico em Sometimes, caindo dentro do hardcore em Of her, Aching e OK? OK! OK?OK! e do power pop de mal com a vida em músicas como Softly e Split me open.
Nota: 7,5
Gravadora: Epitaph
Crítica
Ouvimos: Ariana Grande, “Eternal sunshine”
- Eternal sunshine é o sétimo álbum de Ariana Grande, produzido pela cantora do lado de Max Martin, Ilya, Davidior, Aaron Paris, Shintaro Yasuda, Nick Lee, Will Loftis, Luka Kloser e Oscar Görres. O sueco Max Martin foi um dos mais assíduos, deixando sua marca em quase todo o disco.
- O disco teve seu nome inspirado no filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças, com Jim Carrey. O primeiro single, Yes, and?, saiu em janeiro e até o momento, é o único compacto retirado do álbum – a cantora afirma querer que os fãs ouçam o álbum todo. A música vem sendo considerada uma homenagem a Vogue, de Madonna.
- Os fãs estão associando o fim do casamento de Ariana (ela se separou recentemente de Dalton Gomez) com a faixa-título do disco, cuja letra fala de um homem infiel e mentiroso. “Quem estiver enviando mensagens de ódio para as pessoas em minha vida, baseado em suas próprias interpretações desse álbum, não está me apoiando”, reclamou ela. Para os fãs, o “bom menino” da letra é o ator norte-americano Ethan Slater, com quem ela está se relacionando.
Ariana Grande vem seguindo uma trilha bastante comum na música pop de hoje – e notadamente, essa trilha vem salpicada de armadilhas que a mídia coloca no caminho de artistas mulheres. Até porque, de modo geral, se um artista homem tem uma vida amorosa bem movimentada ou acidentada (digamos), ele precisa cometer um crime muito sério para oscilar entre a quase beatificação e a quase demonização em pouco tempo.
Traduzindo: a Ariana de antes da pandemia era uma cantora pop “consciente”, que havia visto acontecer um atentado terrorista num show seu em Manchester (onde morreu um número considerável de fãs). Na época, ela reagiu preocupando-se com os fãs, fazendo um show beneficente e admitindo, em entrevista à revista Elle, que “tudo havia mudado” em sua vida, a ponto de ela pensar em parar de cantar. Um pouco mais de movimentação em sua vida amorosa e… surgiram haters, especulações, matérias de tabloides e sites de fofocas, e talvez sua música não tenha sido tão bem avaliada como merecia, embora o pop meio vintage, meio pós-Kylie Minogue que ela fez nos discos Thank U, next (2019) e Positions (2020) continue uma atração bacana nos dias de hoje.
Não é incomum Ariana fazer confidências sobre sua vida particular em músicas – a graça do pop, na real, é essa mesmo. Eternal sunshine, inspirado pelo filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças, de Michael Gondry, é o que é porque Ariana viveu bastante nos últimos tempos. É um disco que fala bastante de vulnerabilidade, de especulações da mídia, de expectativas alheias, de relacionamentos que acabam. Na capa, a mensagem é clara: você só vai saber se chegar perto. E só vai chegar perto se ela quiser.
O som valoriza os vocais emocionados-mas-contidos de Ariana e, basicamente, voa do tecnopop-r&b (em Don’t wanna break up again, Eternal sunshine, The boy is mine) a músicas que lembram a dance music do começo dos anos 1990. Como Bye e o hit single Yes, and?, que basicamente é a tentativa de Ariana de responder a todo mundo que quis saber porque é que seu casamento terminou – com versos como “caso você não tenha notado/todo mundo está cansado/e se recuperando de alguém” e “por que é que você se importa tanto com o p (*) que eu monto?”. No final, amor tranquilo e (de certa forma) empoderamento em Ordinary things.
Ariana Grande esta bem longe de ser uma artista pop que faz discos sem substância e, como vários outros artistas (de Adèle a Nando Reis, passando por Bob Dylan), arrumou uma fonte inesgotável de assuntos para falar: ela própria. No novo disco, ela se esmerou bastante em fazer exatamente isso, em meio a interpretações e melodias certeiras.
Nota: 7,5
Gravadora: Republic
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