Cultura Pop
Como? Você nunca ouviu a fase anos 1970 de Link Wray?

3-track shack (“galinheiro de três canais”) é o nome da caixa lançada há dois anos lá fora e que cobre os três primeiros discos lançados nos anos 1970 do herói da guitarra Link Wray (1929-2005). E esse nome não é à toa, já que os três discos foram realmente gravados num estúdio de três canais improvisado (e bota improvisado nisso) num galinheiro.
Link Wray, se você nunca ouviu falar, foi o cara que inventou em 1958 a maneira como guitarristas como Pete Townshend e Jimmy Page iriam pegar no instrumento. Tudo por causa seu hit Rumble. A música fez bastante sucesso, mas não representou a continuidade da carreira de Link. Depois disso, ele lançou uma série de singles sem expressão e desapareceu. Quem o salvou do fracasso foi um produtor chamado Steve Verroca.
Steve o viu tocando com o irmão Doug na bateria e o baixista e tecladista Billy Hodges num inferninho na Virginia, no fim dos anos 1960. Ficou chocado de ver o criador de Rumble se apresentando para uma plateia formada basicamente por marinheiros bêbados e prostitutas. “Ninguém estava nem aí para ele, era como se ele fosse uma jukebox humana”, contou Verroca à Uncut quando a caixa saiu.
Verroca procurou Wray e convenceu a Polydor a contratá-lo. E mesmo com a resistência inicial do guitarrista (que estava com 40 anos e sem esperanças de voltar ao mercado) conseguiu botar o projeto para andar. A única exigência que Wray fez foi a de que o material teria que ser gravado em seu estúdio, montado num galinheiro velho. E assim saíram boa parte dessas dez músicas.
“TAKE ME HOME JESUS” (Link Wray, 1971). Segunda música do primeiro disco da série, não tinha nada da ferocidade de Rumble – era um gospel no qual a voz de Wray (que resolvera passar a cantar) insistia em soar como a de Bob Dylan. O resultado sai até profissional demais para uma produção extremamente pobre. Wray usava uma guitarra japonesa vagabunda e um amplificador feito de rádio velho. Na gravação, galinhas cacarejavam pelo estúdio. “Uma delas voou pela janela e bateu bem na minha cara”, disse Verocca na Uncut. O irmão Doug tocava em uma bateria improvisada de latas.
“RISE AND FALL OF JIMMY STOKES” (Link Wray, 1971). Composta, como boa parte do disco, pelo produtor Verroca. Uma historinha de empreendedorismo que não acaba nada bem – a do cara pobre que faz de tudo para vencer na vida, vira traficante, trai amigos e acaba preso. Meio fuzzy meio soul e totalmente garageira.
“LA DE DA” (Link Wray, 1971). Mais gospel destruidor, que poderia estar num disco dos Rolling Stones. Por sinal Link Wray, o primeiro disco da série, quase acabou no selo Apple, por causa de um contato entre a ex-mulher de Verroca, Yvonne, e o manager dos Beatles, Allen Klein. Lennon, fã de Wray, teria pensado em fazer um filme no galinheiro, em meio a uma jam com o guitarrista, mas a ideia não foi adiante.
“THE COCA COLA SIGN BLINDS MY EYES” (Mordicai Jones, 1972). O segundo disco do contrato de Wray com a Polydor não era um álbum “próprio”. Era um disco creditado a um sujeito chamado Mordicai Jones. Na verdade era o cantor Bobby Howard, que está à frente de uma banda que inclui o trio Wray-Wray-Hodges. E também Verroca pilotando uma bateria de verdade (Doug Wray saiu-se com percussões de lata e tocou guitarra). Da parceria de Mordicai, Verroca e Link, saiu esse blues quilométrico.
“SCORPIO WOMAN” (Mordicai Jones, 1972). Um belo blues do pântano, que consegue até ser menos sujo do que as gravações do Creedence Clearwater Revival da mesma época.
“GANDY DANCER” (Mordicai Jones, 1972). A homenagem de Verroca e Wray aos “gandy dancers”, funcionários antigos da ferrovias que faziam manualmente a limpeza dos trilhos – e uma das mais belas músicas do álbum.
“BEANS AND FATBACK” (Beans and fatback, 1973). Wray achava que ninguém estaria mais interessado num disco dele. Não foi bem assim, mas os dois primeiros álbuns acabaram vendendo bem menos que o esperado. Beans and fatback, gravado em 1971, era para ter sido o segundo disco da série. Acabou se perdendo em meio à gravação de Mordicai Jones e só saiu em 1973, e pela Virgin. A faixa-título é um country acelerado e instrumental.
“SHAWNEE TRIBE” (Beans and fatback, 1973). Wray era descendente de índios da tribo Shawnee (daí o visual indígena que usava em fotos e no palco). E dedicou esse misterioso blues instrumental aos seus antepassados.
“I’M SO BACK, I’M SO PROUD” (Beans and fatback, 1973). O principal hit de Beans and fatback, lançado em versão menor no single (a do LP tem mais de seis minutos). Soa como uma mescla de Rolling Stones (por causa do vocal de Wray, lembrando o de Mick Jagger) com o clima glam do T Rex.
“I GOT TO RAMBLE” (The Link Wray rumble, 1974). O contrato de Rumble com a Polydor previa mais dois discos. No encerramento, a gravadora caprichou: Wray gravou num estúdio de verdade, teve o discípulo Pete Townshend fazendo o texto da contracapa (“fiz as liner notes do disco de 1970 mas mandei os textos muito tarde, vamos tentar de novo”, esclarece o músico) e cuidou de quase todo o repertório sozinho. I got… era homenagem a Duane Allman, dos Allman Brothers, morto em 1971.
“FIRE” (Fresh fish special, 1978). Álbum do cantor de rockabilly Robert Gordon, que fazia uma revisão dos anos 1950 por intermédio do punk e da new wave. Wray toca guitarra na canção – e fez, aliás, dois discos com Gordon, além de aparecer no clipe.
https://www.youtube.com/watch?v=_sVgfL3YFhA
E vale citar que se você não tem grana para comprar a tal caixa de Wray, mas quer porque quer ter um disco dele em casa, não desanime: o selo Light In The Attic, de Seattle, acaba de recolocar nas lojas (lá fora) em separado todos os álbuns dessa fase – incluindo também Be what you want to, de 1973.
Cultura Pop
Roberto Carlos: agradecimento aos fãs e lembranças em “Eu ofereço flores”

Quando Roberto Carlos anunciou uma música nova chamada Eu ofereço flores, que foi cantada por ele em 19 de abril no show comemorativo de seus 82 anos – cidade natal de Cachoeiro de Itapemirim (ES) – imediatamente me veio à cabeça a antipatia de Roberto ao distribuir flores à plateia durante shows, no ano passado, quando ele chegou até mesmo a responder de maneira grosseira a um fã que testava sua paciência.
Seria uma maneira de fazer as pazes com o público, então? Talvez. Eu ofereço flores põe pela primeira vez em música um hábito que Roberto Carlos tem no fim de seus shows há anos, e que sempre tornou suas apresentações especiais para todos. Afinal, é um artista romântico que, no fim do show, oferece um presente para suas fãs mais dedicadas, em especial às fãs que têm coragem de se aventurar na frente para disputar uma das rosas com várias outras admiradoras (uma fã dele certa vez me confessou que lixava as unhas quase no formato de garras antes de ir aos shows de Roberto – e na hora de disputar as rodas, saía distribuindo unhadas nas concorrentes).
Eu ofereço flores, uma balada com belo arranjo orquestral (que ocupa o final da faixa, com direito a tímpanos para dar mais grandiloquência), é basicamente uma música feita por ele para agradecer aos fãs pelo amor e pela fidelidade durante suas seis décadas de carreira. “Eu quero agradecer/por tudo o que você/de bom me faz sentir/por tantas emoções/você me viu chorar/você me fez sorrir”, diz a letra. É uma boa surpresa para quem já estava acostumado à falta de novidades, já que se os álbuns anuais de Roberto deixaram de ser feitos em 2005, nem mesmo o hábito de lançar um single a cada ano foi adquirido pelo cantor. Aliás, o único single realmente memorável lançado por ele nos últimos tempos foi o de Esse cara sou eu, que já tem onze anos (Sereia, de 2017, feita para a trilha da novela A força do querer, não é tão brilhante).
- E lembramos que temos um episódio do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, sobre a fase 1966/1967 de Roberto Carlos. Ouça aqui.
A nova música deixa um certo ar de despedida, até por ser um canção em que Roberto elenca tudo que o faz agradecer aos fãs, como se folheasse um álbum de fotografias. Será? Que seja apenas uma impressão. Para 2024, ano em que se comemora os 60 anos do bem sucedido álbum É proibido fumar, o cantor poderia se espelhar no exemplo de vários colegas mais novos, que fazem do lançamento de álbuns um acontecimento de grandes proporções, e lançar um novo disco. Sim: com doze faixas, nem que algumas delas sejam regravações.
Se o tal disco (que só existe na minha imaginação) trouxer músicas novas dele, unidas a canções novas de seus habituais fornecedores (a dupla Eduardo Lages e Paulo Sergio Valle, por exemplo), vai ser o sonho de muita gente. Os fãs merecem ser supreendidos mais uma vez por Roberto – e ninguém merece ver o maior cantor pop brasileiro de todos os tempos apenas virar meme todo final de ano com o “descongelamento” de sua imagem.
Foto: Reprodução da capa do single.
Cultura Pop
No nosso podcast, Jimi Hendrix e o disco “Electric ladyland”

Raramente a gente faz um episódio do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, falando apenas de um disco – geralmente a gente escolhe uma época, uma fatia de vida de algum personagem da música. Dessa vez aproveitamos a proximidade do aniversário de 81 anos de Jimi Hendrix (ele chegaria a essa idade no dia 27 de novembro) para lembrar de um disco que não apenas é o melhor do guitarrista norte-americano, como também é um daqueles álbuns dos quais pode-se dizer que, depois dele, nada foi a mesma coisa.
No episódio de hoje, tudo o que você sabe, tudo que você não sabe e tudo que você deveria saber sobre Electric ladyland (1968), terceiro álbum do Jimi Hendrix Experience. Um disco que mudou o rock, a psicodelia, a guitarra e a tecnologia da música – num período em que a nova onda dos sintetizadores dobrava a esquina. E uma época que exigiu muito, emocionalmente e psicologicamente, de Hendrix. Ouça no volume máximo.
Nomes novos que recomendamos e que complementam o podcast: L’Rain e Julico.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts.
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Estamos aqui toda sexta!
Foto: Reprodução da capa do disco Electric ladyland.
Cultura Pop
New Order: e o tal show de 1987 que foi parar na nova versão da coletânea “Substance”?

Largamente pirateado por anos, e oficializado agora no relançamento da coletânea Substance 1987 com quatro CDs, o show do New Order dado em 12 de setembro de 1987 no Irvine Meadows Amphitheatre, em Irvine, Califórnia, virou uma espécie de ponto culminante da história do grupo. Pelo menos é o que diz Peter Hook no livro Substance: Inside New Order.
No show, o grupo tocou todo o repertório do álbum duplo Substance, do começo ao fim. O show está quase inteiro no CD 4 da versão nova de Substance. Faltam lamentavelmente as três últimas músicas, que eram duas versões de sucessos do Joy Division (Atmosphere e Love will tear us apart) e uma releitura de Sister Ray, do Velvet Underground. Falta também um trecho da introdução de The passenger, de Iggy Pop, tocado antes de True faith.
Durante a turnê de Substance, o grupo vinha dividindo o palco com o Echo & The Bunnymen e com o Gene Loves Jezebel, e a tour vinha sendo marcada por acontecimentos bem bizarros. O New Order tinha que se defrontar com o comportamento agressivo de Ian McCulloch (vocal do Echo), com o estrelismo do Gene Loves Jezebel e com situações-limite entre a paranoia e a comédia: o grupo ficou sem drogas no meio do giro, um integrante da equipe resolveu fazer uma encomenda ao cunhado traficante e… o pobre diabo foi pego pela polícia, com as encomendas da banda e com armas. “Ficamos convencidos de que passaríamos por uma batida policial”, disse Hook, que ainda tomou uma reprimenda da esposa de Ian McCulloch por se envolver com uma garota na turnê (o músico disse que era uma prima distante dele e ouviu: “Entendi, você beija sua prima na boca?”).
- Lembrando que já falamos à beça sobre Substance e temos um podcast sobre ele, já ouviu?
Não era a primeira vez que o New Order tocava todo o disco Substance, não. Em 3 de setembro de 1987, num show no CNE Grandstand (Toronto, Canadá), o grupo já havia feito isso, encerrando com uma versão do hit Age of consent. No caso do show de Irvine, Peter deixa claro no livro que o repertório do show surgiu de um pedido do co-empresário Rob Gretton. E diz que “foi um show tempestuoso, embora os acontecimentos anteriores significassem que foi marcado por uma grande tristeza”.
A tal tristeza a qual Peter se refere – e que tornou o show uma data especial na tour – foi que Bernard Sumner, cantor do New Order, enxergado como um sujeito difícil pelos colegas, resolveu aproveitar uma reunião que rolou antes do show para informar a todos que “queria trabalhar com outras pessoas”. Sumner acabaria de fato montando em 1988 o Electronic com Johnny Marr (Smiths), mas demoraria um pouco para esse projeto virar prioridade do vocalista. De qualquer jeito, ainda que o grupo não acabasse aí, caiu mal e o astral baixou totalmente antes da apresentação. “Ele jogou a carta do frontman insubstituível e ganhou a banda”, reclamou Hook no livro.
NEW ORDER AO VIVO. As versões do show do Irvine Meadows surpreendem pelo caráter orgânico – até mesmo quando a banda dispara samplers e demais engenhocas – e pelos sons que tornam o New Order ao vivo um cruzamento perfeito entre punk e sons eletrônicos. Peter Hook transforma o baixo de Subculture em algo parecido com a versão original, do álbum Low life (1985). Alerta vermelho: para não rolar um corte brusco antes de True faith – por causa da supressão de The passenger – batidas a mais foram acrescentadas. Sumner dá as desafinadas costumeiras no vocal, em especial quanto tem que encarar a voz grave de Ceremony. Mas vale dizer que nada do clima baixo-astral dos bastidores pareceu vazar para o show.
Quer conferir o show como ele aconteceu de verdade (e como foi pirateado?). Tem no YouTube.
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