Cultura Pop
Sete coisas que você não conheceria se não fosse Danny Fields
O Netflix exibe o documentário “Danny says”, sobre a vida de um personagem importantíssimo da história do rock, Danny Fields. Se você nunca ouviu falar dele, mas o nome do doc te diz algo, provavelmente você é fã dos Ramones: a banda gravou uma música chamada “Danny says” no LP “End of the century”, em 1980. E sim, é uma homenagem a ele, que descobriu os Ramones.
Sem dar muito spoiler, só dá para garantir que “Danny says” é um documentário essencial para interessados em rock e música pop. E conta histórias bizarras, sempre focando em Danny. Excelente aluno na adolescência, ele acabou conseguindo estudar em Harvard. Foi lá que Danny, gay assumido e com vocação para atrair gente fora do padrão, despirocou de vez.
Em meados dos anos 1960, Danny Fields ficou amigo da turma de Andy Warhol. Chegou a atuar em filmes do artista. Danny dividiu apartamento com a musa de “Femme fatale”, do Velvet Underground (a bela Edie Segwick), virou radialista em Nova Jersey e se tornou editor de uma revista para adolescentes, a Datebook. E virou assessor de imprensa da Elektra, selo de folk e clássicos que se reposicionava no mercado. O resto é história e das boas.
Graças ao trabalho de Danny, você tem acesso rápido hoje a tudo isso aí embaixo. Confira.
QUALQUER REFERÊNCIA AO FATO DE JOHN LENNON TER DITO QUE OS BEATLES SÃO MAIS IMPORTANTES QUE JESUS CRISTO: Em 1966, uma revista chamada Datebook publicou anúncio no New York Times procurando editor. Fields se ofereceu para a vaga e ganhou o cargo. Com a ideia de mostrar algo mais do que bons garotos e personagens bonzinhos, começou a colocar nomes como Timothy Leary e Bob Dylan nas capas da publicação.
Em agosto de 1966, republicou – numa matéria de capa chamada “oito adultos que você mais odeia” – uma declaração de John Lennon que já havia aparecido num jornal chamado Evening Standard (“somos mais populares que Jesus Cristo agora; não sei o que vai acabar primeiro, se o rock ou o cristianismo”). Foi por causa disso que os Beatles tiveram que fazer uma conferência de imprensa pedindo desculpas, discos do grupo foram queimados nas ruas e a banda acabou sumindo dos palcos. Curiosamente, na mesma matéria, Paul acusava os EUA de tratarem os negros “como crioulos sujos”, mas ninguém deu atenção.
“LIGHT MY FIRE”, DOS DOORS. Apesar de Danny dizer que ele e Jim Morrrison não iam com a cara um do outro, os dois foram bem próximos. Danny chegou a apresentá-lo a Nico, atriz da turma de Andy Warhol e cantora (por um disco) do Velvet Underground, e os dois tiveram um caso. O assessor de imprensa enxerido da Elektra deu a ideia de cortar mais da metade dos sete minutos de “Light my fire”, do primeiro disco dos Doors, e transformá-la em single. Deu certo.
MC5. Danny resolveu ir a Detroit conhecer a cena de bandas de garagem, recomendado por um amigo DJ. Foi ao Grande Ballroom, local de eventos conhecidíssimo por lá, e assistiu a um show do MC5, grupo politizado e radical, ligado ao Partido dos Panteras Brancas, que fazia discursos, e quebrava tudo no palco. Contratou os caras, lançou o clássico LP “Kick out the jams”, mas ele mesmo ficava assustado com a banda – que acabou demitida da Elektra. “Nunca tinha ouvido falar de um grupo que tinha um ‘ministro da defesa’, e eles tinham”, relembra no filme.
https://www.youtube.com/watch?v=hEk5Jlk2WOo
STOOGES: Num papo com a turma do MC5, ouviu deles: “Se você gostou da gente, precisa conhecer uns amigos nossos, os Stooges”. Foi a um show deles e gostou bastante. Só localizou um problema básico: “Eles não tinham nem músicas compostas”. As duas bandas (MC5 e Stooges) foram contratadas ao mesmo tempo e assinaram contrato juntas. Mas como a Elektra não estava rasgando dinheiro, a tabela de gastos foi diferente: US$ 20 mil para o MC5 e US$ 5 mil para os Stooges.
DAVID PEEL: Cantor e compositor, e doidão das ruas de Nova York, morto há pouco tempo, Peel gravou em 1968 um disco temático (gravado nas ruas de NY, com direito a encrencas com policiais) sobre maconha, “Have a marijuana”, em 1968. A ideia foi de Fields, que, inspirado por discos cujos nomes citavam bebidas alcoólicas, decidiu fazer o mesmo com a erva. “Me falaram que não venderia dez mil cópias. Vendeu cem mil”, conta no doc.
NICO SOLO: A carreira da ex-cantora do Velvet poderia ter parado no disco “Chelsea girl”, de 1967. Encorajada por Jim Morrison, começou a escrever suas próprias canções, compostas num harmônio. Danny Fields ouviu o material e sugeriu o lançamento de um disco para a gravadora, já que era um álbum barato e fácil de gravar. “Marble index”, segundo disco de Nico, saiu em novembro de 1968. Assustou geral e vendeu pouco. Chorando as mágoas do fracasso com o produtor John Cale, Nico ouviu dele: “Você acha possível vender suicídio?”.
RAMONES: Vários fãs de punk rock estariam sem pai nem mãe, caso Fields, já demitido da Elektra, não tivesse ido ao CBGB’s, em Nova York. Lá viu “uma banda que não sabia tocar, fazendo um show de 14 minutos”. Eram os Ramones. Danny os empresariou de 1975 a 1977.
Crítica
Ouvimos: Charli XCX, “Brat and it’s completely different but also still brat”
Vai chegar o momento em que as pessoas vão fazer como acontece depois de qualquer tipo de onda, e vão recordar a era de Brat, disco de 2024 de Charli XCX, com carinho, com afeição ou até como um barômetro de seu tempo. Assim como (e isso aconteceu até com os imitadores de Sgt Pepper’s em 1967/1968) muita gente vai se perguntar: “Como é que a gente foi achar legal esse negócio de um disco ter uma capa que até meu sobrinho de 7 anos poderia fazer no canva? Ou essas reedições com títulos engraçadinhos? E como tanta gente gostou disso?”
Enquanto isso não acontece – e vale citar que o dicionário Collins já escolheu “brat” como palavra do ano de 2024 – Charli XCX já aproveita para recauchutar seu sexto disco, lançado originalmente em 7 de junho, pela terceira vez. Já havia saído uma edição com três faixas a mais. E dessa vez, Brat and it’s completely different but also still brat transforma as dezoito faixas associadas ao disco numa verdadeira maratona. E numa festa.
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- Resenhamos Brat aqui.
O álbum duplo traz o material regravado, mudado e remixado por vários convidados, entre nomes novos e veteranos. Robyn e Yung Lean acrescentam seus versos e nomes a 360. Ariana Grande elenca as cascas de banana da fama em Sympathy is a knife, ao lado de Charli – com direito a frases ótimas como “é uma facada quando seu amigo começa de repente a pisar em você”, ou “é uma facada quando alguém diz que gosta mais da minha velha versão do que da nova/e eu penso: quem é ela, porra?”. Billie Eilish responde a Charli em Guess e marca presença no pop sáfico. Essas duas últimas são as únicas versões que valem como “grande e indispensável complemento ao original”.
Algumas coisas foram feitas propositalmente para desconstruir as noções de hit do original: I might say something stupid virou ambient nas mãos de Jon Hopkins e The 1975, e Bon Iver deu uma cara melancólica a I think about it all the time. O rapper sueco Bladee aumenta a lista de estresses da fama em Rewind, e Charli XCX confessa nos novos versos que acrescentou, que o dinheiro e a vida em Los Angeles (ela vive lá e em Londres) fizeram com que ela se tornasse “mais competitiva”.
Muita coisa no Brat reimaginado não influi nem contribui, mas não chega a ser ruim. Só que tem o lado chato, aliás chatíssimo: Julian Casablancas pegou Mean girls, uma das melhores músicas do disco, e transformou num indie-pop cagado com vocal de autotune, e a rapper espanhola BB Trickz diminuiu a velocidade de Club classics e só dá mais vontade de ouvir o original, mesmo. Por sinal, Brat and it’s completely different but also still brat vem com o Brat deluxe no disco 2, e reouvindo, dá para perceber o quanto o álbum de Charli é um hype dos mais justificados. Tem festa, sexo, doideira, vícios, saudade dos amigos, redes sociais, as nostalgias dos millennials, e um pop que vai do sombrio ao festeiro em pouco tempo – e de fato, é um barômetro comportamental de 2024, ou deveria ser.
Nota: 7
Gravadora: Atlantic.
Cultura Pop
No podcast, Sparks da pré-história à era de “Kimono my house”
Sparks, a melhor banda que você nunca ouviu, mas da qual já ouviu falar. Uma banda que na verdade é uma dupla – e uma dupla de irmãos. Russell Mael (o vocalista extrovertido) e Ron Mael (o tecladista introvertido de bigode) já atravessaram mais de cinco décadas fiéis às suas concepções de música e de espetáculo. Em discos como o clássico Kimono my house (1974), os Sparks fizeram pós-punk, new wave e synth pop antes do punk surgir – e adiantaram até mesmo o som do indie rock dos anos 2000.
E hoje no Pop Fantasma Documento, nosso podcast, você vai conhecer tudo que você sabe, não sabe e deveria saber sobre uma das bandas mais instigantes do mundo do rock, da pré-história até o auge. Ouça no volume máximo.
Século 21 no podcast: Immoral Kids e Dani Bessa.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Lou Reed, “Why don’t you smile now: Lou Reed at Pickwick Records 1964-1965”
“Eu era uma Ellie Greenwich malsucedida, uma Carole King pobre”, descascava sem dó Lou Reed, sobre o período em que foi um projeto de hitmaker (um “futuro” hitmaker que não emplacava hit nenhum, enfim) no selinho norte-americano Pickwick, localizado em Long Island City. Uma etiqueta musical que fabricava imitações de sucessos das paradas, e tentava ganhar grana lançando tudo em singles e coletâneas cata-corno de baixo preço. Essa época ressurge dissecada na coletânea Why don’t you smile now: Lou Reed at Pickwick Records 1964-1965, com 25 faixas nas quais Lou teve participação como compositor, intérprete ou as duas coisas.
Se for encarar as músicas de Why don’t you smile now todas de uma vez, vá com calma: o material tem bem pouco a ver com o que Lou Reed faria no Velvet Underground e nos primeiros anos de sua carreira solo – embora a composição de músicas para grupos vocais de garotos e garotas acabasse se tornando uma obsessão que iria pairar sobre vários álbuns importantes seus, inclusive New York, de 1989. Formado na Universidade de Syracuse, com planos bem mais ambiciosos em relação ao rock do que apenas fazer músicas por encomenda, e prestes a gravar as primeiras demos do que seria o Velvet Underground, Lou entrou para o time de compositores do selo Pickwick, ao lado dos colegas Terry Philips, Jerry Vance e Jimmie Sims.
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- Temos episódio do nosso podcast sobre Velvet Underground aqui.
- E dois episódios sobre Lou Reed aqui e aqui.
O selo já existia desde 1950, aliás resistiria bravamente até 1977 pirateando discos fora de catálogo (pôs nas lojas vários discos de Elvis Presley que estavam esgotados e deu muita dor de cabeça para a gravadora oficial do rei do rock, a RCA). E naquele momento tentava surfar simultaneamente várias ondas pop. The ostrich, por exemplo, era um tema bizarro que explorava os modismos inúteis do rock então em curso havia pelo menos dez anos. A faixa ensinava os passos da “dança do avestruz”, que consistiam em “você dá um passo para frente e então vira para a direita/você vira para a esquerda e põe seus pés para cima da sua esquerda” (!). A faixa, motivada por um modismo de roupas com penas de avestruz, foi composta pelo quarteto de compositores do selo, cantada por Lou e creditada a um grupo de proveta chamado The Primitives.
The ostrich geralmente é a faixa mais citada dessa fase por fãs roxos de Reed. Mas o material tinha bem mais: imitações de Jan & Dean (em Cycle Annie, creditada a The Beachnuts), pastiches de Phil Spector (como Love can make you cry, cantada por uma tal de Ronnie Dickerson) e muita coisa que poderia ter ido parar no repertório das Shangri-Las, como a tragédia adolescente Johnny won’t surf no more (com Jeannie Larrimore) e Teardrop in the sand (esta, com vozes masculinas, interpretada por The Hollywoods).
O método de trabalho era fazer o maior número de composições que pudesse ser feito em pouco tempo. Segundo Lou, Terry Philips – que chefiava o trabalho – pedia à turma: “Faça dez California songs, agora dez Detroit songs…”, numa demonstração básica de que o trabalho servia para agradar tanto os fãs de imitações dos Beach Boys quanto os seguidores da Motown. Uma curiosidade no disco é a faixa-título Why don’t you smile, parceria entre Lou Reed e seu novo amigo John Cale, que fazia parte do repertório do All Night Workers. Uma banda que não era uma invenção de Lou, mas sim um grupo formado por colegas seus de faculdade – o single deles saiu pela Round Records, selinho ligado à Pickwick.
The ostrich, por sua vez, acabou por se tornar o verdadeiro pré-Velvet: após o lançamento do single, a Pickwick achou que valia a pena investir num grupo de verdade para promover o disco. Terry Philips havia conhecido dois sujeitos numa festa, John Cale e Tony Conrad, que convidaram o amigo Walter DeMaria para compor a banda. Não deu certo, mas Cale e Reed formaram uma parceria que gerou o Velvet Underground e rendeu frutos por alguns anos.
Nota: 7
Gravadora: Light In The Attic
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