Cultura Pop
“Never mind the bollocks”, segundo John Lydon e Glen Matlock
“No estúdio ao lado, o Queen estava gravando um de seus discos (News of the world) e Brian May veio me perguntar se eu não queria fazer backing vocals em uma de suas músicas. Não lembro mais qual a música, não era aquela do ‘Galileo’ (Bohemian rhapsody, do disco A night at the opera, de 1975). Mas fui lá e foi fantástico ver como Freddie Mercury gravava cada linha vocal em separado. Às vezes fazia só uma palavra, e editavam. Caralho, eu tinha direito a um take e estava acabado. Dois takes se cometesse um erro. Eu finalmente vi que a música tinha vencido. Independentemente das alegadas regras e regulamentos que sempre nos foram lançados”.
Never Mind The Bollocks, Here’s The Sex Pistols 40th anniversary box set, out October 27th. 3 CD’s, 1 DVD. https://t.co/eLIbYHfYzP pic.twitter.com/zlmMyJ1Z1n
— Sex Pistols Official (@pistolsofficial) September 20, 2017
Isso aí é John Lydon, o popular Johnny Rotten, se preparando para engatar a quarta marcha e, ao lado do primeiro baixista do grupo, Glen Matlock, comentar cada música do clássico Never mind the bollocks, dos Sex Pistols, para o NME. Never mind the bollocks fez 40 anos no sábado (28) e ganha em breve edição comemorativa. O box tem o disco normal, um de raridades, um de gravações ao vivo, um livro e um DVD com vários shows. Abaixo, confira alguns dos comentários de Lydon e Matlock.
“HOLIDAYS IN THE SUN”: “Decidimos por férias coletivas e nos agrupamos nas Ilhas Anglo-Normandas. Fomos rejeitados: como éramos os Sex Pistols, éramos persona non grata em todos os lugares. Eles não nos deixavam ficar em nenhum hotel (…). Steve (Jones, guitarrista) e Paul (Cook, baterista) foram para casa, e eu e Sid (Vicious, baixista) fomos a Berlim, porque era o lugar mais louco para ir. Pensamos: ‘Cacete, se não pudermos entrar em um lugar tão suave quanto as Ilhas Anglo-Normandas, vamos descobrir o que é o Muro de Berlim’ (…) (A música) somos nós, do nosso lado, olhando pela parede e (os alemães) estão apontando armas para nós” (Lydon).
“BODIES”: “A música é sobre o aborto. É direito de uma mulher decidir sobre se quer abortar ou não, porque ela tem que criar a criança e viver todos os problemas que vêm depois. É sábio trazer uma criança indesejada para o mundo? Não, não acho que seja, mas, novamente, isso é minha opinião, porque é para a mulher decidir. Levanto ambos os lados da questão e me coloco lá também. Se não fosse pela graça de Deus, minha mãe poderia ter tido um aborto e eu não estaria aqui. Aquele verso ‘foda-se isso, foda-se aquilo’ não foi improvisado, foi escrito antes” (Lydon).
“NO FEELINGS”: “Escrevi essa porque meu pai estava hospedando órfãos, e uma das garotas se sentiu muito atraída por mim. Tive que dizer a ela: ‘Olha, eu não sinto nada por você. Só porque meu pai está deixando você ficar em sua casa para o fim de semana não significa que você pode se casar comigo” (Lydon).
“LIAR”: “Muitas pessoas inspiraram Liar, começando pelo nosso empresário (Malcolm McLaren). Nós éramos apenas idiotas infelizes e realmente não estávamos preparados para o mundo de ganância no qual fomos jogados tão rapidamente” (Lydon).
“GOD SAVE THE QUEEN”: “Achei o riff e as mudanças de acordes quando começamos a fazer as primeiras gravações apropriadas de Anarchy in the UK. (…) Tinha um piano no estúdio. Não sei tocar, mas dei uma brincada nele, posso tocar Blueberry hill se quiser ouvir essa música. Mas eu encontrei esse riff sobre isso. Eu trabalhei no violão e eu disse: “Eu tenho uma música” (Matlock)
“Acho que a música foi mal interpretada como um ataque pessoal à monarquia. Não era. É absolutamente contra a instituição da monarquia, mas não a eles como pessoas. Oh, meu Deus, eles têm minha sincera simpatia. Sinto que eles nasceram em uma gaiola” (Rotten).
“PROBLEMS”: “Os problemas formaram todo o nosso caminho. Não sei se em algum momento nós sentamos para tentar descobrir qual a razão de estarmos juntos. Nós não apenas parecíamos que não gostávamos uns dos outros, acho que nós realmente não nos gostávamos. Foi o maior ano e meio que já vivi”. (Rotten)
“SEVENTEEN”: “Dezessete é a idade em que tudo dói. Você não é um adulto, não quer ser visto como um jovem explorador, e você também não está preparado para a idade adulta. E toda a devida referência ao Eighteen, de Alice Cooper” (Rotten).
“ANARCHY IN THE UK”. “Gravamos isso em 1976 e foi o fim do meu trabalho no disco. Lembro de falar com Duff McKagan (Guns N Roses), que uma vez assistiu a um show nosso e falou: ‘Glen, não percebi que você conseguia tocar todo tipo de material da Motown’. Em Anarchy, estou tentando imitar James Jamerson (lendário baixista de estúdio da Motown) (…) Não é verdade que não gostei da letra. O único verso que me fazia estremecer era: “Eu sou um anticristo / sou anarquista”. Eles não rimam. Músicas que não rimam corretamente me irritam. Não tinha nada a ver com o sentimento” (Matlock).
“SUB-MISSION”. A história contada por Matlock é a que muitos fãs sabem. Malcolm McLaren propôs a ele que a banda fizesse uma canção sobre “submissão” (no sentido de jogos sexuais). A banda respondeu compondo uma canção sobre missões submarinas. “É a coisa mais próxima de uma música de amor que fizemos. E foi escrita por duas pessoas que não se gostam”, diz Rotten, sobre a parceria com Matlock.
“PRETTY VACANT”. “Tinha a mudanças de acordes e a letra, mas eu estava sem um riff. Eu sabia que precisava de uma coisa melódica, e eu ouvi algo em um disco, feito por uma banda chamada Abba (Matlock teria se inspirado no hit S.O.S). E isso inspirou o riff que eu precisava. Mencionei a influência de Abba em uma entrevista uma vez. O baixista da banda conseguiu meu endereço e começou a me mandar cartões de Natal por cerca de 10 anos” (Matlock).
“NEW YORK”. “É uma referência ao New York Dolls (…) As bandas de Nova York pareciam ser um pouco mais velhas e ter um pouco de dinheiro da mamãe naquilo. em vez de serem aquelas bandas que tinham sido escoladas na rua” (Rotten).
“E.M.I.”. “A EMI queria assinar com a gente para mostrar que eram um selo grande e variável, mas eles realmente não eram. Esta música foi divertida para escrever (…) Eles só queriam ser famosos e ganhar muita grana com a gente. E tivemos um grande desapontamento com essa turma que saiu da geração hippie. Eles estavam tão envolvidos com essa coisa do lucro que isso levou ao seu declínio. Por isso usávamos blusas como ‘nunca confie em um hippie'” (Lydon).
E ouça Never mind the bollocks em sua edição original, aqui.
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious – leia aqui.
Crítica
Ouvimos: Joan Armatrading, “How did this happen and what does it now mean”
- How did this happen and what does it now mean é o vigésimo-primeiro disco de estúdio da cantora e compositora britânica Joan Armatrading. A única coisa que ela não fez no disco foi a engenharia de gravação: ela compôs, tocou, cantou, produziu e programou tudo.
- Ao The Guardian, ela explicou o título do disco (“como isso foi acontecer e o que significa agora?”): “Acho que nos tornamos polarizados porque quando você está cara a cara com alguém, coisas como linguagem corporal e contato visual nos impedem de fazer certas coisas. Isso não acontece nas mídias sociais, então se espalha para o mundo real. Não vamos nos livrar de todas as guerras e desentendimentos, mas o título do álbum está perguntando como diabos podemos sair dessa situação em que estamos e como voltamos para um lugar melhor”.
Descobrir, sem estar esperando, que Joan Armatrading lançou um novo álbum, é uma surpresa enorme. Ver que o disco é um projeto quase inteiramente solo (ela compôs, produziu, tocou e programou tudo sozinha) não chega a ser uma surpresa para quem conhece um pouco da história dela e pelo menos alguns hits e discos clássicos.
No caso de How did this happen and what does it now mean, o estilo conhecido de pop-rock confessional dela, já a partir do título, vem com um subtexto de sobrevivência e superação. Ainda que algumas histórias contadas nas letras apontem para ressacas amorosas e falsidades do amor em geral, como no pop-rock Someone else e no r&b I gave you my keys (“eu te dei minhas chaves para tudo que eu tinha/você era minha divindade, você governou meu mundo/governou minha terra, governou meu céu/como você pôde me machucar tanto?”).
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Já o blues-rock-soul percussivo I’m not moving põe violência urbana no disco, com Joan recordando as cenas que viu durante um assalto, e levando a história para uma situação em que a minoria tem as maiores cartas na mão (“posso ser pequeno/mas sou poderoso/você pode ser muito mais velho/mas ainda assim eu governo você”). O pop com argamassa soul e musicalidade herdada do folk, especialidade dela, volta em faixas como 25 kisses, Here’s what I know e a faixa-título, que conta outra história de amor que acaba com problemas e dúvidas (“onde está aquela versão de nós mesmos/que nós amávamos, que era tão preciosa/em nosso mundo, em nossos corações?”).
Para quem tem saudades do lado baladão de AM de Joan, registre-se a presença de Irresistible e Say it tomorrow e do gospel Redemption love. No disco novo, ela fez questão de que todos os seus lados musicais convivessem sem problemas, cabendo até dois instrumentais, Now what e Back to forth, nos quais ela se mostra uma excelente guitarrista de blues e rock. Aos 74 anos e sabendo fazer de tudo num estúdio, Joan é o poder, mesmo que falte um certo empoderamento nas histórias amorosas das letras.
Nota: 7,5
Gravadora: BMG
Crítica
Ouvimos: Os Paralamas do Sucesso, “10 remixes”
- 10 remixes traz (como diz o próprio título) dez canções dos Paralamas do Sucesso remixadas. O trabalho foi orquestrado pelo DJ Marcelinho da Lua, que escolheu DJs de diferentes gerações. O trio e o empresário José Fortes também já tinham uma lista com alguns nomes.
- “Tudo começou quando eu estava num show do Paul McCartney em 2013, quando prestei atenção nas inúmeras releituras de músicas dos Beatles feitas por DJs que tocavam antes do Paul subir ao palco. Fiquei pensando como seria legal se fizessem o mesmo com o repertório dos Paralamas”, contou João Barone, baterista da banda, em seu Instagram.
Lançar um álbum de remixes dos Paralamas do Sucesso é uma ideia tão boa que não dá pra entender como ninguém pensou nisso antes. Discos de remixes de um mesmo artista, aliás, costumam sair bem irregulares, além de cometerem verdadeiras atrocidades. Felizmente, 10 remixes saiu legal, e quase tudo pode ser dançado na pista e ouvido em casa sem (muitos) atropelos.
Em Lanterna dos afogados, Mahmundi deu um ar dançante e viajante à música, e inseriu sua voz como parte das novidades da canção – soou tão bem que ela deveria pensar em fazer outras visitas à obra da banda. Ska, com DJ Marky, virou um cruzamento de ska, reggae e drum’n bass. O beco ganhou remix conceitualmente correto (e bom) do Tropkillaz, em clima funk-reggae, com os vocais de Herbert Vianna filtrados e à frente. Selvagem, nas mãos de Daniel Ganjaman, virou reggae-dub.
No 10 remixes, vale também citar o samba-funk-reggae que surge de O amor não sabe esperar (com Paralamas e Marisa Monte), capitaneado por Pretinho da Serrinha e Bossacucanova. Além do synthpop simultaneamente experimental e cheio de balanço de Mulú em Aonde quer que eu vá, e do redesenho drum’n bossa de Marcelinho da Lua em Mensagem de amor.
Por outro lado, Lourinha bombril rendeu menos do que poderia ter rendido nas mãos do Àttooxxá. Ela disse adeus, com Papatinho, virou um batidão funk pequenininho (com pelo menos um minuto a menos que o original) e sem muitos atrativos. E não sei até que ponto a balada stoniana Saber amar tinha que ganhar um remix techno de botar fogo na pista, que foi para as mãos de Ké Fernandes (Groove Delight).
Nota: 8
Gravadora: Universal
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Crítica
Ouvimos: New Order, “Brotherhood (Definitive edition)”
Pode ser algum problema de atenção ou de audição, mas não percebi nenhuma diferença no som dessa edição definitiva de Brotherhood em relação à remasterização “de colecionador” do disco, lançada em 2008 (e vale lembrar que o quarto álbum do New Order, de 1986, já teve seus bastidores recordados aqui mesmo no Pop Fantasma). Dois anos antes do quadragésimo aniversário do Sgt Pepper’s às avessas do grupo, no entanto, a definitive edition lançada pela Rhino é a melhor forma de comemoração, por reunir num só lançamento o antes, durante e depois do álbum.
Resumindo a história em poucas linhas: Brotherhood saiu numa época de transição para o New Order, uma banda cujas vendas ajudavam a dar sustentação ao selo indie britânico Factory, mas que não vivia uma vida de grupo do primeiro time – com direito a shows nos cafundós, camarins zoados e uma certa sombra de desprestígio. O álbum era dividido entre um lado A mais roqueiro e um lado B mais eletrônico. As duas faces eram balizadas por uma espécie de pós-punk-country (Paradise, com letra inspirada nas “canções de partida” do estilo musical) e um futuro clássico dance-pop (Bizarre love triangle).
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- Mais New Order no Pop Fantasma aqui.
- Episódio do nosso podcast sobre eles aqui.
Mas ainda havia no álbum rocks de pista (Broken promise, Way of life), outro pós-punk dançante (Weirdo, com abertura “falsa”), uma canção acústica pop e quase sixties (As it is when it was), dance music ambient (All day long), dance music sombria e lisérgica (Angel dust) e o encerramento com Every little counts, cantada por Bernard Sumner aos risos (ele chega a interromper a música para rir) e fechada com alguns minutos de psicodelia e ruídos.
A nova edição dá som a histórias sempre contadas a respeito do grupo, trazendo por exemplo, as músicas da demo gravada por eles no Japão em 1985, em meio a uma turnê por lá. A versão de State of the nation não é exatamente imperdível, mas a de As it is when it was vale a audição: vem mais tecnopop, sem violão, sustentada pelo baixo agudo de Peter Hook, e com certa cara de The Cure.
Evil dust, que já havia sido lançada na edição de colecionador de 2008, retorna – é uma versão “maligna” de Angel dust, com mais espaço para os vocais da cantora libanesa Dusya Yusin, sampleados de duas músicas de Brian Eno e David Byrne, The carrier e Regiment (ambas do disco My life in the bush of ghosts, de 1981). O material composto pelo New Order para o filme Salvation! (1987), de Beth B, aparece na íntegra, dos temas instrumentais (como as quase progressivas Salvation theme e Sputnik) ao single bem sucedido Touched by the hand of god.
Das inéditas lançadas na nova edição de Brotherhood, tem uma para escutar no último volume: Every little counts aparece em sua lendária versão completa, com alguns minutos a mais de psicodelia ruidosa e assustadora no final, um segundinho de silêncio e… o ruído de toca-discos pulando. Era para ser mais parecido ainda com A day in the life, fechamento do Sgt Peppers, dos Beatles, e era para dar mais sensação ainda de desnorteio. Brotherhood é uma ousadia que ainda permanece atual.
Nota: 9
Gravadora: Rhino
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