Destaque
Ih, tem disco novo do Gary Numan e nem demos atenção
Ícone do pós-punk britânico há quarenta anos, por causa de sua banda Tubeway Army e de sua carreira solo, Gary Numan voltou esse ano com um disco novo. Saiu dia 15 de setembro mas só descobrimos agora. O disco novo do Gary Numan, Savage (Songs from a broken world) foi lançado a partir de um crowdfunding muito bem sucedido. Em maio, o cantor conseguiu ultrapassar em mais de 100% a meta de grana requerida. Durante o processo de gravação, documentava cada passo que avançava no trabalho nesse site. Além de oferecer aos fãs até mesmo a possibilidade de ver ensaios dele e até tocar com os músicos.
Numan virou mania na segunda metade dos anos 1970 liderando o Tubeway Army, banda que unia punk rock, climas cyberpunk e letras que poderiam estar num disco de David Bowie ou Lou Reed. O sucesso veio em 1979 com Are ‘Friends’ electric?, uma canção pós-punk grudentíssima sobre solidão, abandono e dificuldades de comunicação. E cuja melodia faz com que ela lembre uma sobra de Low, disco experimental de David Bowie lançado em 1977
A tal dificuldade de comunicação da letra de Friends não era só uma figura de linguagem. Numan toma antidepressivos desde a infância e tem Síndrome de Asperger – uma espécie de forma leve de autismo. Em diferentes momentos da carreira, acabou tendo tretas com amigos e colaboradores, como Mick Karn, falecido baixista do Japan.
“Eu normalmente não interajo bem com as outras pessoas. Ir a encontros não é difícil, é só ir e ‘muito obrigado'”, contou Numan num papo recente com a Huck Magazine, explicando como encara as convenções sociais do trabalho de artista. “As entrevistas são muito fáceis também: posso falar sobre mim. Não é o mesmo que tentar manter uma conversa, o que é estressante”.
Tem quem considere Cars, seu primeiro hit solo (foi sucesso inclusive no Brasil) um hino para as pessoas que vivem com Asperger. É a música abaixo.
David Bowie, um grande ídolo de Numan, pegou implicância com ele. Vai entender o motivo. Certa vez, barrou Numan de um programa de Natal do qual ambos participariam. Pior: David disse que Gary era “tão feio quanto um adolescente milionário/fingindo que vive num mundo infantil” na letra de Teenage wildlife. “Antes, eu achava que ele era um Deus, brigava na escola por causa dele”, reclamou o cantor num papo com o The Independent. “Isso realmente me perturbou naquele momento, porque pensei nas porradas que levava por causa dele. Eu só posso imaginar que ele estava inseguro”.
Numan nunca deixou de produzir, mesmo com as dificuldades. Nos anos 1980, foi um dos raros músicos britânicos a dar apoio à primeira-ministra Margareth Thatcher, detestada pela classe artística. Durante um bom tempo, dividiu a música com a aviação – ele aprendeu a pilotar e montou uma equipe de shows aéreos, das quais quatro integrantes morreram. Dono de um estilo de vida gastador, Gary Numan, nos anos 1980, montou um restaurante, o Coffee Pot, e uma gravadora, a Numa. Ambos os negócios faliram. “Era ingênuo, eu não sabia nada sobre restaurantes ou correndo uma gravadora”, contou ao Telegraph, numa matéria sobre (olha!) economia e finanças.
No disco novo de Gary Numan, ele vem falando de distopias e histórias apocalípticas ligadas ao aquecimento global. E volta em família, com as filhas Persia e Echo cantando em If I said. Segundo o próprio Numan, a experiência de ter suas filhas cantando numa música sua o deixou “com os olhos cheios d’água”, até porque “as duas meninas são disléxicas”. Persia também aparece no clipe do single My name is ruin.
E ela também canta a música com ele ao vivo.
Aliás, uma novidade: o disco novo de Gary Numan é a 11ª fita cassette mais vendida em 2017 nos EUA, segundo a Billboard.
Cultura Pop
Quando Suicide gravou… “Born in the USA”, do Bruce Springsteen
A way of life, disco de 1988 da dupla de música eletrônica Suicide, é tido como um disco, er, acessível. Acessível à moda de Martin Rev e Alan Vega, claro. O disco pelo menos podia ser colocado tranquilamente na prateleira dos artífices da darkwave e era bem mais audível do que o comum de um grupo que havia lançado a assustadora Frankie teardrop. O disco era produzido por Ric Ocasek, líder dos Cars (que já havia produzido o segundo disco deles, de 1981, Alan Vega/Martin Rev), e tinha até uma eletro-valsinha, Surrender, além de um estiloso misto de rockabilly e synthpop, Jukebox baby 96.
O que ninguém esperava era que a dupla tivesse feito nessa mesma época uma estranhíssima versão de… Born in the USA, de Bruce Springsteen. A faixa surge numa versão ao vivo, gravada num show de Vega e Rev em 1988, em Paris. A dupla nem sequer disfarçou que a ideia era fazer uma versão bem lascada – saca só o sintetizadorzinho da música, e a referência a músicas como Lucille, de Little Richard, e o tema When the saints go marching in, logo na abertura. A “versão” da faixa resume-se a quase nada além do título da canção. Parece um karaokê do demo (e é).
A versão poderia ser uma bela pirataria, mas vira oficial nesse mês: vai aparecer em uma reedição de A way of life, prevista para o dia 26. A edição de luxo estará disponível em vinil azul transparente com Born in the USA e em CD com quatro faixas bônus, além do formato digital. O material extra inclui versões ao vivo de Devastation e Cheree, bem como uma versão inicial de estúdio de Dominic Christ. O pesquisador Jared Artaud encontrou as faixas enquanto trabalhava no arquivo de Vega, após a morte do cantor em 2016.
E se você não sabia, vai aí a surpresa: Springsteen tá bem longe de ser um sujeito que diria “what?” ao ser informado da existência do Suicide. Pelo contrário: era fã da dupla e costumava dizer que a estreia do Suicide, o disco epônimo de 1977, era “um dos discos mais sensacionais que já ouvi”. Em 1980, o cantor esteve com a dupla e Vega descobriu que Springsteen era seu fã – e se surpreendeu.
“Ele estava gravando o disco The river (1980) e nós estávamos gravando nosso segundo álbum em Nova York. Então tivemos uma reunião de audição do nosso álbum. Havia três ou quatro figurões da nossa gravadora, e Bruce também estava lá. Depois que tocamos o álbum, houve um silêncio mortal… exceto por Bruce, que disse, ‘Isso foi ótimo pra caralho.’ Ele fazia questão de nos dizer o quanto nos amava”, contou em 2014 ao New York Post.
Mais: um texto do site Treblezine, a partir de audições da obra de Bruce e de entrevistas do Suicide, descobre: a dupla influenciou muito o sombrio disco Nebraska, tido como o “primeiro disco solo” (sem a E Street Band) de Springsteen (1982), basicamente um disco sobre crise, desemprego e gente à beira do desespero pela falta de oportunidades. Houve uma versão elétrica e pesada de Nebraska, mas Bruce quis lançar o disco acústico, de voz, violão e registros crus, e que de fato lembram o clima esparso do Suicide do primeiro disco.
Na dúvida, ouça State trooper, cujos uivos lembram bastante os gritos (sem aviso prévio) de Frankie teardrop. “Lembro-me de entrar na minha gravadora logo após o lançamento do meu disco”, disse Vega depois de ouvir State trooper pela primeira vez. “Eu pensei que era um dos meus álbuns que eu tinha esquecido. Mas era Bruce!”
Cultura Pop
No podcast do Pop Fantasma, a fase de transição do Metallica
A morte do baixista Cliff Burton, em 27 de setembro de 1986, desorientou muito o Metallica. Além do que aconteceu, teve a maneira como aconteceu: a banda dormia no ônibus de turnê, sofreu um acidente que assustou todo mundo, e quando o trio restante saiu do veículo, só restou encarar a realidade. A partir daquele momento, estavam não apenas sem o baixista, como também estavam sem o amigo Cliff, sem o cara que mais havia influenciado James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett musicalmente, e sem a configuração que havia feito de Master of puppets (1986) o disco mais bem sucedido do grupo até então.
Hoje no Pop Fantasma Documento, a gente dá uma olhada em como ficou a vida do Metallica (banda que, você deve saber, está lançando disco novo, 72 seasons) num período em que o grupo foi do céu ao inferno em pouco tempo. O Metallica já era considerado uma banda de tamanho BEM grande (embora ainda não fosse o grupo multiplatinado e poderoso dos anos 1990) e, justamente por causa disso, teve que passar por cima dos problemas o mais rápido possível. E sobreviver, ainda que à custa justamente da estabilidade emocional de Jason Newsted, o substituto do insubstituível Cliff Burton…
Nomes novos que recomendamos e que complementam o podcast: Skull Koraptor e Manger Cadavre?
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts.
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Estamos aqui toda sexta-feira!
Destaque
Dan Spitz: metaleiro relojoeiro
Se você acompanha apenas superficialmente a carreira da banda de thrash metal Anthrax e sentia falta do guitarrista Dan Spitz, um dos fundadores, ele vai bem. O músico largou a banda em 1995, pouco antes do sétimo disco da banda, Stomp 442, lançado naquele ano. Voltaria depois, entre 2005 e 2007, mas entre as idas e as vindas, o guitarrista arrumou uma tarefa bem distante da música para fazer: ele se tornou relojoeiro (!).
A vida de Dan mudou bastante depois que o músico teve filhos em 1995, e começou a se questionar se queria mesmo aquela vida na estrada. “Fazíamos um álbum e fazíamos turnês por anos seguidos, e então começávamos o ciclo de novo – o tempo em casa não existia. É uma história que você vê em toda parte: tudo virou algo mundano e mais parecido com um trabalho. Eu precisava de uma pausa”, contou Spitz ao site Hodinkee.
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Na época, lembrou-se da infância, quando ficava sentado com seu avô, relojoeiro, desmontando relógios Patek Philippe, daqueles cheios de pecinhas, molas e motores. “Minha habilidade mecânica vem de minha formação não tradicional. Meu quarto parecia uma pequena estação da NASA crescendo – toneladas de coisas. Eu estava sempre construindo e desmontando coisas durante toda a minha vida. Eu sou um solucionador de problemas no que diz respeito a coisas mecânicas e eletrônicas”, recordou no tal papo.
Spitz acabou no Programa de Treinamento e Educação de Relojoeiros da Suíça, o WOSTEP, onde basicamente passou a não fazer mais nada a não ser mexer em relógios horrivelmente difíceis o dia inteiro, aprender novas técnicas e tentar alcançar os alunos mais rápidos e mais ágeis da instituição.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Discos de 1991 #9: “Metallica”, Metallica
A música ainda estava no horizonte. Tanto que, trabalhando como relojoeiro em Genebra, pensou em largar tudo ao receber um telefonema do amigo Dave Mustaine (Megadeth) dizendo para ele esquecer aquela história e voltar para a música. Olhou para o lado e viu seu colega de bancada trabalhando num relógio super complexo e ouvindo Slayer.
O músico acha que existe uma correlação entre música e relojoaria. “Aprender a tocar uma guitarra de heavy metal é uma habilidade sem fim. É doloroso aprender. É isso que é legal. O mesmo para a relojoaria – é uma habilidade interminável de aprender”, conta ele. “Você tem que ser um artista para ser o melhor – seja na relojoaria ou na música. Você precisa fazer isso por amor”.
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