Crítica
Ouvimos: Paul Weller – “Find El Dorado”
RESENHA: Paul Weller revisita o country, folk e blues em Find El Dorado, disco de covers melancólico, intenso e cheio de sensibilidade rara.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
O El Dorado encontrado por Paul Weller em seu novo disco de covers (tem também Studio 150, de 2004) é o do country, do folk triste, das canções com base no blues, e do pop que, nos anos 1970/1980 aqui no Brasil, costumava ser mais executado em rádios AM. Find El Dorado pode soar até como a playlist que ele ouvia enquanto bolava alguns de seus discos mais recentes (como 66, de 2024, resenhado pela gente aqui).
Adoradíssimo na Inglaterra e com moral no mercado fonográfico, o modfather Paul Weller começou no punk e no mod quando liderava o The Jam – e foi se tornando um sujeito cada vez mais próximo do soul nos álbuns seguintes da banda. Depois, no Style Council, aderiu ao pop adulto e à mistura de rock sessentista, bossa, soul, new wave e grandiloquência sonora chique. Daria para dizer que fãs radicais do Jam torceram o nariz para o Style, mas àquela altura, Weller já tinha mandado os fãs radicais irem passear fazia tempo. Até porque (ora ora) quem é fã de verdade de Paul entende climas novos, desvios e mudanças de rota.
- Ouvimos: Willie Nelson – Oh what a beautiful world
- Ouvimos: Jimi Hendrix – Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision
Find El Dorado, por sua vez, é um relato de tempos mais dramáticos, mais tristes, embora esperançosos – o repertório escolhido forma esse conceito aí. Se fosse um disco lançado em 1972, possivelmente mostraria na capa Paul caminhando, com cara de enterro. Na abertura, Handouts in the rain, de Richie Havens (com Declan O’Rourke ajudando nos vocais): um folk de clima sonhador, com uma letra sobre intolerância, mas de vibe fatalista. Small town talk, de Bobby Charles, é um sucesso de 1972 com clima de country dos anos 1950, e letra sobre fofocas de cidade pequena, vizinhos faladeiros e um casal que tenta sobreviver fazendo o que quer, apesar disso.
Já em White line fever, country anti-cocaína de Merle Haggard, nem parece Weller cantando – entre slide guitars e um clima de countryman marginal, tudo parece coisa do Willie Nelson. Rola um clima decididamente doloroso na estradeira One last cold kiss (cover do Mountain), na releitura de I started a joke (aquela, dos Bee Gees, quase tão derrama-lágrimas quanto o original) e no desespero realista de Never the same (Lal e Mike Waterson, sobre uma criança que “não pode mais brincar” enquanto outra permanece “sentada na chuva”).
E isso sem falar no baladão de AM Daltry street, sucesso da ex-ikette P. P. Arnold e um hino da perda total de esperanças. E também sem esquecer do enxugar de lágrimas de Nobody’s fool, lado Z dos Kinks, com piano e cordas. Quem detesta repertório triste faz bem se passar longe de Find El Dorado, praticamente um álbum de consolo para dias sem esperança. Quem ficar para ouvir, vai se defrontar com a sensibilidade, esse artigo tão raro, e que não pode ser replicado por nenhum Chat GPT da vida.
Vale citar que Weller banca o bluesman rueiro no country de When you are a king (bubblegum pop que foi um dos maiores hits da hoje esquecida banda britânica White Plains, em 1971), beira o soft rock na releitura de Pinball (de Brian Protheroe) e faz rockão de violão e piano em Lawdy Rolla, regravação do grupo francês The Guerrillas – do qual Manu Dibango fez parte tocando saxofone. Tem ainda o country errante Clive’s song (de Hamish Imlach, obscuro compositor de folk nascido na Índia e criado na Escócia), com Robert Plant dividindo vocais. No fim das contas, um disco de covers e de confissões.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Parlophone
Lançamento: 26 de julho de 2025