Crítica
Ouvimos: Van Morrison – “Remembering now”
RESENHA: Van Morrison tenta se redimir com o belo Remembering now, após queimar o filme com negacionismo. Um disco nostálgico, romântico e musicalmente rico.
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Van Morrison adotou uma perspectiva completamente obtusa e negacionista na pandemia de Covid – algo que queimou o filme com vários fãs da antiga e afastou muitos futuros seguidores do som dele (um amálgama de soul, blues, jazz, folk, r&b das antigas e rock dos primeiros tempos). Se isso fez você começar a dar de ombros para o velho Van, esqueça tudo e dê uma chance a Remembering now, seu 47º disco de estúdio.
O disco de inéditas anterior de Van, What’s it gonna take? (2022), ajudou bastante a jogar a reputação do cantor na vala: era um álbum repleto de músicas chatas, com letras mandando bala num blá-blá-blá negacionista sem fim. Vale citar que Van, ao contrário do que vários fãs acham, está longe de ser um cara que tem uma discografia perfeita – coisa que nem Bob Dylan conseguiu.
Remembering now pode assustar de cara pela duração extensa (68 minutos) e pode soar meio cínico para muita gente – essa coisa de “relembrando agora” parece escapista demais, vinda de um cara que cantou “chega de isolamento!” na pandemia. Só que o disco apela à saudade da melhor maneira possível, vamos dizer assim.
No novo álbum, Van faz soul-de-olhos-azuis dos velhos tempos em Down to joy e If it wasn’t for Ray (homenagem a Ray Charles), migra para o country nostálgico em Haven’t lost my sense of wonder, Cutting corners e Love, lover and beloved, e impressiona pelo romantismo das baladas: The only love I ever need is yours, Memories and visions, When the rains come, Colourblind – uma delas pode ser a trilha do seu casamento. No final, um clima soul pré-disco domina os quase nove minutos de Streching out.
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Raríssimos artistas que decidiram adotar posturas politicamente tacanhas o fizeram sem ter uma ideia de quem era seu público de verdade, pelo menos aqui no Brasil. No caso de Van, dá para dizer que a faixa-título do disco, uma balada em tom de talking blues, é seu manifesto: uma canção alegre por estar “de volta a Belfast / foi assim que comecei”. Back to writing love songs mostra o que ele está pronto para fazer, agora que não se sente mais tendo que dar explicações a respeito de nada (“e quanto à alma e à aspiração? / que tal levar isso de volta ao dia? / tenho que fazer meu mojo funcionar”).
Talvez você encare a nova viagem de Van como uma baita pisada no acelerador do conservadorismo – e até que parece ser. O autor do clássico álbum Astral weeks, a bem da verdade, podia ter resolvido relembrar como era legal andar nas ruas quando ninguém podia sair nelas sem usar máscara – e talvez fizesse um bem maior a seu imenso fã-clube. Mas, vá lá, Remembering now é um disco muito bonito. E talvez seja o que realmente importa.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Exile/Virgin
Lançamento: 13 de junho de 2025.