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Pic-Nic: banda carioca fala sobre a redescoberta de CD gravado em 2007
Guidi (voz), Miguel (guitarra), Paulinho (guitarra), Chokkito (baixo) e Robson (bateria), mais conhecidos como Pic-Nic, fizeram diversos shows pelo cenário carioca de rock no começo do século 21. O som, apontando para o punk e para o power pop (e para o som que alguns críticos musicais chamaram de pós-grunge, com canções bastante melódicas e guitarras altas), despertou a atenção de novos fãs e o grupo gravou três CDs antes de encerrar atividades. O último desses álbuns, porém, estava nos guardados da banda até hoje, e não saiu justamente por causa do fim da banda.
2007 (com título fazendo referência ao ano em que foi gravado) sai agora nas plataformas digitais, no ano em que a banda completa duas décadas. E vai marcar a volta do grupo, que já fez uma live de lançamento em novembro e faz show no Audio Rebel (Botafogo) dia 19 de janeiro, em noite dividida com Badke (vocal e guitarra do Carbona, em carreira solo).
Batemos um papo com a banda sobre a redescoberta do disco, que você ouve aí embaixo.
O disco sai no ano em que a banda comemora 20 anos. Quais são suas lembranças do começo do grupo? Moravam perto, estudavam juntos?
Guidi: Eu tinha 18 anos em novembro de 2001, quando a banda foi formada. Os outros três integrantes (Paulinho, Chokkito e Victor, o baterista à época) são uns dez anos mais velhos. A lembrança mais forte que tenho do iniciozinho é muito boa: nós quatro criando canções na sala da casa do Paulinho, era um espaço muito agradável, e estes ensaios de criação aconteciam muitas vezes no fim da tarde, era delicioso. O primeiro CD foi todo feito com estas composições, que tinham um clima bem delicado.
Eu morava na Barra da Tijuca, mas a banda toda era de Copacabana/Leme. Eu e Paulinho namorávamos, então eu estava sempre na casa dele. Chokkito e Paulinho tocavam juntos na banda Oh! Valerie, e Victor tinha sido baterista dessa mesma banda. Miguel (guitarrista), que entrou um ano depois, também tocava no Oh! Valerie e também era de Copacabana.
O que vocês mais ouviam no começo do grupo e o que motivou vocês a começar?
Paulinho: Air.
Miguel: Strokes, White Stripes.
Chokkito: Belle & Sebastian, Strokes.
Guidi: Fountains of Wayne, Teenage Fanclub, Charlatans. O que nos motivou a tocarmos juntos eu acho que foi o acaso: o baterista, Victor, encontrou Paulinho, ex-colega de banda, e eu estava junto. Foi na porta do CEP 20.000, no Espaço Cultural Sergio Porto, que eu me lembre. Paulinho mencionou que eu cantava e Victor logo pensou no Chokkito para o baixo. Acho que foi obra do acaso, mesmo! Mas essa familiaridade musical entre Chokkito, Victor e Paulinho foi importante, acredito.
Por que o nome Pic-Nic?
Guidi: Fizemos um ‘brainstorming’, na realidade algumas vezes. Ficamos sem nome um tempo até chegarmos a um nome que soasse bem e que tivesse a ver com a delicadeza do que fazíamos à época, a sonoridade que está registrada no primeiro CD.
O disco começa com uma música chamada Grunge e o som pode ser colocado tranquilamente na gaveta do pós-grunge, que estava em voga em 2007. Olhando em retrospecto, vocês acham que esse disco seria devidamente bem ouvido naquela época?
Guidi: Eu imagino que sim, mesmo tendo a impressão de que exatamente no ano de 2007 houve um arrefecimento do interesse do público pelo que se fazia no underground. Mas eu considero esse o nosso CD mais bem feito e mais completo, com mais vozes, com letras melhores, com um trabalho mais caprichado de gravação, então penso que as pessoas que gostavam do Pic-Nic, que nos acompanhavam, iam ajudar a espalhá-lo por aí, e talvez ele chegasse bem mais longe do que os CDs anteriores.
Paulinho: Acho que, à época, o disco poderia até ser ouvido, mas teria muito nariz torcido, porque na época tinha isso. Em vez de as pessoas se ajudarem, para crescerem junto, a gente via essa divisão dentro da cena, bairrismos, preconceitos com outros segmentos. Alguns grupos de bandas até eram unidos, mas não a maioria. Mas nos jornais e revistas de música, acho que a recepção seria boa, e por isso seríamos ser bem ouvidos.
Ele soa melhor aos ouvidos de vocês hoje? Como é revisitar essa versão antiga de vocês?
Robson: Na minha visão, é algo além de revisitar, é fechar um ciclo, cumprir uma etapa. Para mim, o disco soa atual, não ficou datado, por mais que remeta a 2007. Em outras palavras, diria que o disco envelheceu como um bom vinho, e hoje está aí para todos degustarem.
Paulinho: A gente terminou um processo que começou em 2007. Acho que, como estávamos ainda no processo de finalização de gravação, nós teríamos terminado diversas coisas de outras formas, principalmente backing vocals. Mas hoje soa como um trabalho terminado, não o acho datado. A gente nunca quis ficar muito ligado no que “deveria” ser tocado, o que a época “pedia”, não sentíamos essa obrigação com o que estava em voga, com as tendências. Sempre foi uma colcha de retalhos de todas as diferentes influências de cada um. Mas o mais legal desse disco é a gente ter voltado como banda, esse foi o grande barato. A melhor parte do disco 2007 foi ele ter feito com que nós voltássemos a tocar juntos.
Chokkito: Da minha parte nunca teve um “reouvir”, pois eu tinha um CD com as faixas. Eu nunca tive um distanciamento dessas faixas, pois vez ou outra eu as ouvia. Mas tinha, sim, a sensação de que essas músicas precisavam ver a luz do sol, por mostrarem um bom avanço e um crescimento nosso como banda, de modo geral, nas composições, nos timbres. E acho legal e engraçado ver como as letras continuam atuais, e também o quanto o disco é “rock”, digo isso porque à época havia muitas bandas de hardcore, punk, bubblegum, e nós éramos mais pop em relação a essas bandas do underground. Como hoje em dia diversas dessas bandas acabaram, a impressão curiosa que fica é de que nós ficamos ainda mais “rock”.
Por que o disco não foi lançado? Havia alguma gravadora na história ou seria um lançamento independente?
Guidi: Não havia perspectiva de gravadora, seria um lançamento independente, mesmo. O disco só não foi lançado porque a banda acabou. Apesar de Miguel ter tentado inúmeras vezes que finalizássemos aquilo, não conseguimos. Ele sempre batia na tecla de “finalizar o que começamos”, e não me surpreende que tenha sido ele quem trouxe a banda de volta, pois foi quem quis mexer no HD e nas canções não mixadas. Quatorze anos depois, estávamos prontos para fazer isso, finalmente. Todo mundo quis.
O material chegou a ficar perdido?
Miguel: Ficou perdido na casa do Paulinho. Eu achei um DVDdata, que tinha Ano-novo, e aí o Paulinho começou a procurar o HD até encontrá-lo no sótão dele, com o resto das músicas. E aí a gente foi trabalhando uma a uma.
Deus e o diabo relata uma situação de abuso infantil. Como foi tratar desse tema em 2007? Chegaram a achar a música forte demais na época?
Guidi: Foi importante fazer e cantar esta letra, e não acho que nenhum de nós achou estranho abordar isso em alto e bom som. Este ano, quando fomos remexer o passado e vimos a letra desta canção, nos atentamos para ver se ela estava tratando o assunto com o devido respeito.
Na época, vocês lançaram dois discos que tiveram boa recepção, apareceram em programas de TV, etc. O mundo ao redor de vocês estava mais interessado em pop-rock brasileiro e artistas novos do que hoje em dia?
Guidi: Eu não sei dizer o que aconteceu, mas parece que exatamente em 2007 as bandas foram desaparecendo, terminando, dando pausas. Daí o publico naturalmente foi se desinteressando, ou melhor, foi achando outros estilos e linguagens para se interessar. Essa é a minha impressão. Acho que hoje há, sim um interesse gigantesco por artistas novos, uma verdadeira sanha por novidades, mas em relação a artistas de outros estilos, como rap, pop, dance, eletrônico. Acho que esse interesse pelo rock que existia está voltando aos poucos.
Quais foram as dificuldades que vocês enfrentaram na época, para manter e divulgar a banda? O quanto o machismo atrapalhou a aceitação de uma banda com uma mulher no vocal, por exemplo?
Guidi: A nossa maior dificuldade era tocar em festivais, eu diria. Nós acabamos conseguindo divulgar a banda em matérias de jornal, sempre com muita insistência, uma insistência que chegava a ser cansativa para nós. Ou era assim, ou não rolava. Conseguimos tocar em lugares que queríamos muito, casas que gostávamos, mas festivais, nunca. Só tocamos no Ruído, em 2007, uns três meses antes da banda acabar. Não conseguimos furar este cerco em outros festivais de rock/música alternativa.
O machismo é presente no rock, sem dúvidas, mas observei que em outros nichos que vim a conhecer e frequentar, depois, é bem pior. Ser uma mulher no vocal não atrapalhou muito, acho que atraía uma simpatia o vocal suave numa banda de rock alternativo. Deve ter havido machismos dos quais eu nunca soube, oportunidades que não tivemos em razão disso, mas não cheguei a perceber à época.
Por que o grupo se separou? Conseguiram manter a amizade após o fim da banda?
Guidi: O grupo terminou basicamente porque eu e Paulinho terminamos, e a banda tentou ensaiar duas vezes após este término, mas não foi possível, não deu certo. Não tive contato nenhum com os outros integrantes durante todo este tempo, apenas casuais, encontros na rua. Robson, Paulinho, Chokk e Miguel se viam com alguma regularidade, a amizade entre eles seguiu, mesmo que se vissem com bem pouca regularidade, pela próprias ocupações que foram surgindo na vida de cada um.
Miguel: Estávamos tentando há muito tempo, o que é cansativo. Houve um desgaste natural, pois banda é um casamento. Estávamos sem horizonte, a cena foi encolhendo, já tínhamos tocado em tudo quanto é lugar… Já não dava mais para fazer o que fazíamos e não termos nenhum retorno, nem financeiro, nem de outro tipo.
Guidi, você depois começou a cantar musica brasileira. Teve alguma fase em que você olhou para o som que fazia como o Pic-Nic como algo que não representava mais você? Costumava ouvir a banda?
Guidi: Como o meu mergulho na MPB foi intenso, e eu praticamente não conhecia música brasileira – só Jorge Ben – fiquei totalmente envolvida com aquilo, querendo ouvir tudo o que não fez parte da minha formação musical. Cresci ouvindo rock, não MPB. E passei a não pensar mais em rock, nem ouvir, fiquei querendo conhecer tudo aquilo que a maioria dos brasileiros já conhecia, os medalhões da nossa música.
Acho que isso aconteceu porque a banda acabou abruptamente, daí eu fui buscar outro universo. Isso me fez muito bem, apesar de não ter sido planejado: eu não queria mais cantar, mas quando fui cantar, foi MPB, por sugestão de um amigo, que se tornou meu namorado à época. Foi estranho ser intérprete, a princípio, mas acabei gostando. Cantar outro tipo de música foi um respiro daquela experiência tão forte que tinha sido ter uma banda durante seis anos, todos nós completamente entregues, dedicados e cheios de sonhos, e depois ver tudo acabar.
Eu entrei em um novo mundo, com o qual me identifiquei e me identifico muito, e que é perceptível no meu trabalho solo. Parecia algo que faltava em mim, essa brasilidade, e hoje tenho essas influências muito fortes na hora de fazer música: rock, MPB e baião. Nunca mais ouvi Pic-Nic, pelas lembranças intensas, mas também porque não gostava de me ouvir, o que é bem comum em cantores em relação a gravações que sejam ligeiramente antigas. Só em 2021 fui ouvir a banda de novo.
Como vai seu trabalho solo?
Guidi: A partir de 2016 o meu trabalho solo se tornou autoral, e essa foi uma das coisas mais valiosas para mim. Depois de lançar o CD Temperos em 2014, como intérprete, senti um vazio, pois eu sabia que gostava de criar minhas melodias e letras, e ali só tinha uma faixa de autoria minha. Em 2020 lancei o Outra língua, que me trouxe a ‘satisfação perdida’, por ser autoral. Agora estou gravando um EP, que vai sair no início de 2022. Pretendo gravar anualmente EPs ou CDs, se possível, e vez ou outra fazer shows. Fiz poucos shows com meu trabalho solo, até agora.