Crítica

Ouvimos: The Weeknd, “Hurry up tomorrow”

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  • Hurry up tomorrow é o sexto álbum de estúdio de The Weeknd, codinome do cantor e compositor Abel Tesfaye. O disco encerra uma trilogia em que os discos anteriores seriam a chegada ao inferno e ao purgatório – e este representaria o paraíso.
  • O álbum representa seu suposto ato final como The Weeknd, personagem considerado autodestrutivo. Não está certo ainda se ele vai usar o nome verdadeiro daqui para a frente. “Quando é o momento certo para sair, se não no seu auge? Quando você entender demais quem eu sou, então é hora de mudar”, afirmou à Variety.
  • Além do álbum, Hurry up vai gerar um filme, previsto para maio, com o próprio The Weeknd no elenco, além de atores como Jenna Ortega e Barry Keoghan

Muita gente torce o nariz para as pessoas que assistem a filmes extensos como se fossem séries. Você sabe como é: a pessoa senta na frente da TV (ou do computador) para conferir produções de três horas, como Oppenheimer e O irlandês – mas volta e meia aperta a tecla pause e vai lavar louça, atender o telefone, ver mensagens no WhatsApp, ou simplesmente interrompe o filme depois de 60 minutos e deixa o restante para os próximos dias. Em tempos de excesso de oferta no streaming, prender a atenção do público tornou-se um desafio constante – e não apenas no cinema.

Por acaso, Hurry up tomorrow, disco novo de Abel Tesfaye, cantor e compositor conhecido como The Weeknd, tem a duração de um filme. 84 minutos (tempo que Hurry up exige dos ouvintes) é pouco tempo para um longa-metragem, mas é um tempo consideravelmente grande para um álbum. Ainda mais para um álbum em que o cantor impõe poucos momentos de respiro a seus fãs. É uma duração bem menor que a de Mellon Collie and the Infinite Sadness, dos Smashing Pumpkins, disco que muita gente também considera um abuso da atenção dos fãs.

Por outro lado, vale informar que o novo de The Weeknd tem mais cara de filme ou série. Um filme ou uma série autoficcionais, em que o personagem principal flerta com o sofrimento e com a autodestruição, e em que The Weeknd recorre a samples e efeitos de som para sonorizar a morbidez, o sentimento de finitude e a procura da espiritualidade como substitutos para um amor que se mandou. Numa análise mais aprofundada, Hurry up tomorrow dá um bom protesto contra o star system e as exigências do universo pop. Boa parte do disco surgiu após a noite em que o estresse e a tensão fizeram com que ele perdesse a voz em pleno show (foi em 3 de setembro de 2022), e ele já havia anunciado que pretendia matar o nome artístico.

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Talvez nem seja por acaso que o álbum comece com uma referência a uma das mais ilustres vítimas do showbusiness: Wake me up é popzão no estilo de Thriller, de Michael Jackson, pegando até um pouco das referências sinistras do original. É seguida pelo pop industrial de Cry for me, que depois se torna um r&b com batidão de baile funk, emoldurando uma letra sobre pé na bunda, desprezo, ghosting e finitude. E não é coincidência que depois surja uma vinheta autoexplicativa, I can’t fucking sing (“não consigo cantar porra nenhuma”), referência à noite em que The Weeknd ficou mudo no palco. A capa do álbum, por sua vez, dá margem para dúvidas: The Weeknd pode estar suando em bicas no palco, ou no meio de uma crise de ansiedade.

Mesmo com os evidentes excessos (talvez você se pegue ouvindo em capítulos) e com a ingenuidade de alguns versos, Hurry up tomorrow é um álbum ambicioso, cinematográfico e cheio de reviravoltas. The Weeknd usa samplers das trilhas de Eraserhead (feita pelo próprio diretor David Lynch) a Scarface (de Giorgio Moroder) e, só na primeira parte do álbum, já atravessa o funk carioca na razoável São Paulo (com Anitta), flerta com o tecnopop na boa Open hearts e mergulha no pop adulto dos anos 1980 na ótima Opening night.

Um momento impactante surge no soul melancólico e gelado de Baptized in fear, onde The Weeknd narra, na primeira pessoa, um ataque de pânico seguido de morte acidental numa banheira, e insere notas de redenção pessoal (“tentando lembrar tudo que meu pastor disse/tentando consertar meus erros, meus arrependimentos preenchendo minha cabeça/todas as vezes que eu escapei da morte/não pode ser assim que termina, não”). Given up to me é uma baladinha r&b voadora, com teclados que vão içando a sonoridade. Big sleep, com os tais samples de Giorgio Moroder, é tecno oitentista.

Entre as surpresas do disco, tem a gospel Give me mercy, que antes de se tornar um synth pop modernizado, abre com um riff de teclado estranhamente progressivo. Take me back to LA é um curioso yacht rock, ou pelo menos um som nostálgico, vindo direto da mesma confluência pop + rock + synths que gerou Valerie, hit oitentista de Stevie Winwood. Já The abyss, com uma apagadinha Lana del Rey, abre no mesmo clima nostálgico e dramático-à-beça das canções dela, e ganha vários segmentos diferentes, para contar a história do abismo pessoal no qual The Weeknd se meteu após o fim de um amor, com versos que dizem tudo: “Deixe-me fechar meus olhos com dignidade/vamos acabar com tudo, o mundo não está muito atrás/então, qual o sentido de ficar?”.

Já o fim do disco traz a faixa-título, uma balada bacaninha lembrando Prince, com um réquiem pra lá de estranho na letra (“estou preparado para o fim/queime-me com sua luz/não me restam mais lutas para vencer”). O tema dos “dilemas da fama” – a solidão sob os holofotes, a ilusão do dinheiro e do sucesso, o peso de ser visto, mas não enxergado – funciona bem quando há um público verdadeiramente envolvido com a jornada emocional do artista. E The Weeknd tem essa base fiel. Hurry up tomorrow entrega tudo o que esses fãs esperam: excessos, confissões e um mergulho profundo nas sombras do artista. Ainda assim, mesmo os mais devotos vão estranhar (e muito) o tom mórbido que permeia o disco. E provavelmente muitos vão se sentir duelando com o lado cansativo de um álbum audacioso.

Nota: 7,5
Gravadora: XO Music/Republic
Lançamento: 31 de janeiro de 2025

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