Crítica

Ouvimos: The Cure, “Songs of a lost world”

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  • Songs of a lost world é o décimo-quarto álbum de estúdio do The Cure, e o primeiro disco de inéditas da banda desde 2008. O álbum foi adiado por bastante tempo – inicialmente, seria lançado em 2018, quando a banda completou 40 anos. Cinco canções do álbum foram tocadas ao vivo em 2022 e 2023 durante a turnê mundial Shows of a lost world.
  • Sobre o adiamento do disco, Smith chegou a afirmar numa entrevista em vídeo que isso “era um grande plano, mas grandes planos geralmente não funcionam muito bem, na minha experiência. O disco não estava realmente sendo feito pelas razões certas”.
  • “A demo da música mais antiga deste álbum foi feita em 2010. Elas se estendem ao longo de todo esse tempo. A maioria delas, provavelmente cinco, foi escrita desde 2017. Três delas: uma foi em 2010, outra em 2011 e outra entre 2013 ou 2014. Havia muitas músicas para escolher. Gravamos cerca de 25 ou 26 músicas em 2019. Gravamos três álbuns em 2019, esse sempre foi o problema”, disse também Smith, garantindo que há pelo menos mais dois discos vindo por aí.

Não deveria causar surpresa o fato de um disco do The Cure ser bastante desafiador, depressivo, quase anti-pop em vários momentos – como rola com este Songs of a lost world. Robert Smith e seus colegas de banda nunca foram de fazer sempre a mesma coisa, passaram por vários estilos musicais e por vários estados de espírito, às vezes num mesmo disco.

E, desde a época do álbum Three imaginary boys (1979), o Cure está em busca de uma solução para um dilema que sempre vai fazer sentido: como colocar as tristezas da vida numa canção pop feita para tocar no rádio, rolar na pista de dança e ser cantada pelas pessoas a plenos pulmões? Outra dúvida: como uma banda que originalmente foi feita para falar de vulnerabilidades, estranhezas, corações partidos e climas pesados pode ousar fazer parte da decoração da cultura pop?

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Esse segundo dilema sempre foi respondido pelo Cure sem muitas dificuldades. Até porque vamos combinar que música pop é exatamente sobre tudo isso aí – Roberto Carlos que o diga, aliás. A sonoridade da banda conseguiu não envelhecer, influenciou até quem não se imagina influenciado por eles, e as músicas do Cure praticamente estabeleceram uma estética de sofrimento, iluminação, conforto e virtude – um ecumenismo que você acha, não necessariamente nessa ordem, em canções do grupo como Close to me, Boys don’t cry, Charlotte sometimes e até na felicidade momentânea de Friday I’m in love.

Já a primeira questão (a da tristeza virando pop de rádio e de pista) já foi algo para o qual o Cure deu de ombros em alguns momentos. Mas também já foi uma meta a ser alcançada a partir da metade dos anos 1980. Especialmente em discos como The head on the door (1985), Kiss me, kiss me, kiss me (1987), Disintegration (1989) e Wish (1992). Ou até mesmo no The Cure de 2004, o disco de “rock alternativo” (no sentido da formatação norte-americana) do grupo.

Songs of a lost world, por sua vez, está mais para esse “dar de ombros” sem culpa. Mas é justamente o lado pop do The Cure que alivia qualquer tipo de estranhamento, num disco povoado por canções enormes, climas tempestuosos e letras que soam como cartas de despedida, ou confissões de desespero total.

Alone, a faixa de abertura, que curiosamente lembra o Machina: The machines of god, dos Smashing Pumpkins (disco de 2000, que já lembrava o Cure), é auto-explicativa, e já abre com o verso “este é o fim de cada canção que cantamos”. Nothing is forever, capaz de dar um nó na garganta até do/da fã menos sensível, é uma súplica (“prometa que você estará comigo até o fim/diga que estaremos juntos e que você não vai esquecer”) cercada por discretas guitarras e por teclados que, rearranjados, poderiam estar num disco do Péricles ou do Belo.

O Cure ganha um certo aspecto de banda de terror na ligeiramente dançante A fragile thing, e na marcial, ruidosa e quase metálica Warsong. E faz dançar de verdade em Drone: nodrone, que lembra eles mesmos no começo dos anos 1980. Se há quem já esteja achando até traços de rock progressivo (ah cara, não fode!) em Songs, vale dizer que I can never say goodbye, outro hit de despedida, lembra o panorama eterno do Pink Floyd no chatinho Endless river (2014) – mas só lembra, de longe. All I ever am, uma das melhores do disco, une teclados emocionados e batidas gélidas.

Finalizando, a muito apropriada Endsong é um art rock que dura 10:23, e lembra o clima das produções de Brian Eno. Nesta música, Robert Smith só solta a voz aos quase sete minutos, em versos de teor quase destrutivo sobre um final em que nada resta (“tudo se foi, tudo se foi/eu vou me perder no tempo/não vai demorar”).

Ainda que Songs of a lost world seja um disco extremamente triste, e praticamente seja um álbum conceitual sobre finitude, soa como aqueles momentos em que alguém vai embora, olha para trás e dá um tchauzinho. No novo lançamento, o Cure já realizou uma apresentação especial de três horas exibida no YouTube, fez as paradas de sucesso tremerem com Songs, anunciaram que já tem até dois discos novos vindo por aí, e mesmo mirando o próprio fim, Robert Smith confessou que a banda não sumirá dos palcos, pelo menos, até 2028 (por sinal, um ano antes de Smith completar 70 anos). Despedidas extensas vêm fazendo sucesso no mundo do rock – o Sepultura que o diga – e The Cure talvez não faça muito diferente disso.

Nota: 9
Gravadora: Fiction/Universal

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