Crítica

Ouvimos: Paulinho da Viola, “80 anos (Ao vivo)”

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Gravado num show de maio de 2024 e lançado apenas no começo do ano, Paulinho da Viola – 80 anos (ao vivo) é a prova de que o DVD, que havia se tornado coisa banal lá pela década passada, faz falta. Um disco precioso desses, lançado no formato, traria ficha técnica completa (sim, você vai querer saber quem é cada um daqueles músicos e sair buscando todo mundo no Google), encarte com fotos, alguns extras e todo um universo que exigia concentração e atenção – não era apenas algo para deixar rolando no computador em meio a outras demandas do dia.

Visto no espaço nobre do YouTube, ouvido no Spotify ou assistido aos pedaços no mesmo Spotify (que ainda está bem distante de ser um espaço ideal para assistir a vídeos e shows), Paulinho apresenta um dos melhores repertórios do samba, esbanja vitalidade e orgulho do legado que ajuda a perpetuar – e que inclui não apenas suas músicas, mas toda a história do samba, que ele sempre pesquisou, e da qual já faz parte há décadas. Enfileira sambas próprios como Coisas do mundo, minha nega, Onde a dor não tem razão, Sei lá Mangueira, Foi um rio que passou em minha vida (encerramento do show) ao lado de releituras que tornou clássicas, como Acontece (de Cartola, aberta com uma história sobre o próprio) e Nervos de aço (Lupicínio Rodrigues). Dança da solidão e Na linha do mar são divididas por Paulinho com a filha Luciana Rabello (João Rabello, o filho violonista, está na banda que acompanha o cantor).

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O mais louco é concluir que existe algo de Stop making sense, o filme-objeto-conceito dos Talking Heads, na apresentação de um dos artistas mais clássicos da música popular brasileira. Se você nunca viu o filme, David Byrne começava o show-filme tocando e cantando Psycho killer sozinho, e o show era montado a partir desse esqueleto inicial. Paulinho também vai construindo o espetáculo na cara dos espectadores, cantando a música Ele acompanhando-se na caixa de fósforos, e depois apresentando Samba original com o auxílio de um violonista. A banda vai surgindo em sucessos como Eu canto samba e Nas ondas da noite. E a cada momento surge uma novidade, como Paulinho alternando entre cavaquinho e violão, ou alguma percussão que não havia aparecido antes. Um prato-e-faca, instrumento que já causou balbúrdia no jornalismo musical brasileiro – brota dando um som diferente na música Bebadosamba.

Reunido ao vivo, o repertório de 80 anos chama atenção igualmente para o lado vanguardista de Paulinho, que inclui sambas declamados (a própria Bebadosamba), arranjos incomuns (o solo de baixo da abertura de Sei lá, Mangueira ameaça um samba-funk no estilo da Black Rio), tom quase samba-folk no sucesso Sinal fechado, e experimentação tropicalista em Roendo as unhas, samba maníaco de 1973 que lembra Caetano Veloso, Gilberto Gil e até Tom Zé, com versos como “meu samba não se importa se não faço rima/se pego na viola e ela desafina” e vocal-uivo. Um capítulo vivo da história da nossa música nas plataformas digitais, sempre de mãos dadas com a modernidade – ouça correndo.

Nota: 10
Gravadora: Som Livre
Lançamento: 24 de janeiro de 2025.

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