Crítica
Ouvimos: Michelle, “Songs about you specifically”
- Songs for you specifically é o terceiro álbum da banda novaiorquina Michelle, formada por seis integrantes (Sofia D’Angelo, Julian Kaufman, Charlie Kilgore, Layla Ku, Emma Lee e Jamee Lockard). O repertório foi composto pelo grupo numa casa alugada em Ojai, na Califórnia.
- “Pudemos desacelerar e fugir das distrações da vida na cidade. Nossas manhãs eram preenchidas com alongamento, meditação, diário e abastecimento de café antes de nossas sessões do dia. Nossas tardes eram gastas escrevendo em grupos de 2 ou 3, e nossas noites eram gastas jantando juntos ao ar livre”, contou Jamee Lockard ao site Women In Pop.
- A história do Michelle é bem, digamos, diferentona. O grupo foi montado por Julian e Charlie e depois foram chegando os outros integrantes (“cada um dos cantores conhecia um dos caras da escola ou da cena musical de Nova York ou de outra forma”, diz Sofia). Quando o grupo fez o primeiro disco, Heatwave (2018), os integrantes ainda não se conheciam pessoalmente (!) e gravaram tudo à distância. “Só nos conhecemos de verdade pela primeira vez em nosso primeiro show no Bard College em novembro de 2018”, continua Sofia.
- O nome da banda surgiu de um brainstorming remoto em que vários nomes foram sugeridos – um desses nomes foi Heatwave, que acabou se tornando o título do primeiro disco (houve também a variação Heatwave By Michelle, mas a maioria de votos acabou sendo por Michelle, mesmo). “Outros candidatos foram foram I Sniff Paint e Delicious Breakfast”, contou Kilgore em 2022 ao site Nylon.com.
O Michelle é uma banda bem direta, vamos dizer assim. O som deles é basicamente neo-soul, r&b e yacht rock anos 1970/1980 (aquele tipo de pop do qual se costuma dizer que é lento demais para ser considerado disco music). A ideia que fica na cabeça após ouvir Songs about you specifically é a de que ele responde às seguintes perguntas: como ficaria o som de artistas desses estilos se pudessem ter abusado da linguagem extremamente sincera do Michelle? Como seria se a perspectiva de nomes como Michael Jackson fosse a de fazer música no quarto e lançar no universo indie-pop?
Principalmente: como ficariam certos discos lançados nos anos 1970 e 1980 se seus artistas pudessem adotar a mesma ideologia, musicalmente falando, do Michelle? Isso porque o multirracial sexteto novaiorquino aborda em seu terceiro disco temas como sexo, amizades coloridas, amor, dia a dia queer, sexo, vida de solteiro, cascas de banana da vida profissional, sexo, medo de tudo dar errado de uma hora para a outra, e sexo de novo. O título do disco já foi feito para olhar no olho do/da ouvinte, e o miolo de Songs funciona basicamente como uma sitcom musical, e é quase impossível não se identificar com nada do disco.
Definido por muita gente como bedroom pop, o Michelle faz bem mais do que isso. Une Carpenters e Michael Jackson no liquidificador em Mentos and Coke, faz neo-soul intimista em Blessing e Dropout, pop oitentista gostosinho em Akira, yacht rock com vocais lembrando Doobie Brothers em Cathy. Rola também a indefectível investida nas harmonias do Fleetwood Mac (tá todo mundo fazendo isso) em Noah e uma chegada pra cima do lado ultra-pop de Paul McCartney em Missing on one.
Na parte final, tem o power pop de I’m not trying, o r&b adulto-contemporâneo de Oontz e Painkiller e, fechando tudo, o dream pop de Trackstar. Tudo isso junto, forma um panorama musical bem interessante para quem era fã, nos anos 1990, do som que era chamado de neo-soul – mas tem idade para ter visto discos de Bee Gees, Doobie Brothers, Carpenters e Rita Lee & Roberto de Carvalho chegando às lojas.
As já citadas letras são um caso à parte: algumas delas trazem temas comuns a canções de amor vistos por outras óticas, e em especial por uma naturalizada perspectiva queer. Como na desilusão de Oontz, na indecisão de Akira (“eu estou saindo com Akira de novo/amo Adrienne/mas no final estou saindo com ele”), na síndrome de impostor/impostora de Dropout (“caro orientador, faça o que puder/mas nunca vou conseguir meu diploma”) ou na seca amorosa total de Cathy (“ninguém quer foder/acho que sou eu e eu agora”). Ouça de fone.
Nota: 9
Gravadora: Transgressive/Atlantic