Crítica

Ouvimos: Kali Uchis – “Sincerely,”

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Kali Uchis se tornou mãe no ano passado. E perdeu sua mãe neste ano. Duas situações que normalmente colocam qualquer pessoa para refletir sobre sua própria vida, sobre o tempo que vai passando, sobre o que deixamos para trás, sobre o amor, e todo tipo de assunto parecido. Para artistas em geral, uma boa hora para pensar, repensar e entrar numa vibe mais introspectiva.

O resultado das matutações de Kali veio em forma de disco pop, e de um disco pop bem forte: Sincerely, (assim mesmo, como no encerramento de uma carta) invade a área de cantoras como Billie Eilish e Lana Del Rey e vai fundo numa sonoridade que mistura trilhas antigas de filmes, soul dos anos 1960 e 1970, soft rock, oitentismos, pop de quarto, músicas com dois ou três segmentos – por sinal, algo análogo ao que Billie fez em Hit me hard and soft, seu disco novo (resenhamos aqui).

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  • Resenhamos Orquideas, disco anterior de Kali Uchis, aqui.

A capa do álbum, com Kali mortalmente triste, em dupla exposição, sentada num sofá brilhante, tem viés duplo: remete tanto a um lance meio vaporwave, de recordação de futurismo passado, quanto a antigas capas de romances de banca (lembra daquelas edições de livros como Os insaciáveis, de Harold Robbins, em papel jornal, que saíam antigamente?).

Essa mescla de flashback com museu de novidades acaba combinando com um momento em que passado, presente e futuro parecem se confundir na vida de Kali, que faz balada de rádio AM anos 1970 em Heaven is a home… (com final tristonho e vocal estiloso na onda de Billie e Lana), rock baladeiro com mumunhas eletrônicas em Sugar! Honey! Love! (com andamento parecido com o de Calling all angels, de Lenny Kravitz, e o agudinho testado e aprovado de Kali) e uma mescla de dream pop e soul progressivo – no estilo de Marvin Gaye e Stevie Wonder – em faixas como Lose my cool e Angels all around me.

Vocais com eco e clima enevoado dão conta de emoldurar quase todo o álbum e envolver o/a ouvinte num clima bem diferente dos álbuns anteriores de Kali. Sincerely, prossegue unindo doo wop e country à moda de Ray Charles (All I can say), voltando aos tempos das baladas da Motown e da disco music (Silk lingerie, – o nome também encerra com uma vírgula – e Territorial), juntando estilos como rock, disco e jazz (It’s just us, com cantos de pássaros á moda de Minnie Ripperton, e For: You) e texturizando sons ehtre o soul antigo e o r&b (Fall apart).

Material para alimentar as rádios adultas não falta em Sincerely,: vai desde uma balada que caberia no repertório do Simply Red (Dagers!) até uma outra que recorda Roberta Flack (Breeze), chegando na sentida ILYSMIH (sigla para “I love you so much it hurts”, ou “amo você tanto que dói”, lembrando uma frase de Twitter), que encerra o disco com a voz do filho de Kali.

Conceitualmente, o principal de Sincerely, é mostrar Kali fazendo as pazes com o passado (ela já declarou ter sido expulsa de casa na adolescência) e vivendo uma situação inédita. Musicalmente, a junção de épocas de suas 14 faixas soa como a melhor maneira de mandar um recado pessoal aos fãs, ao mundo e ao tempo. Isso porque Sincerely, é uma carta aberta de Kali Uchis para o tempo — aquele que passou, o que ainda virá, e o que a gente só entende quando para pra ouvir.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 10
Gravadora: Universal Music
Lançamento: 9 de maio de 2025.

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