Crítica
Ouvimos: Fito Páez – “Novela”
RESENHA: Fito Páez resgata sua ópera-rock perdida Novela, cheia de magia, crítica social e ambição sonora — um épico pop feito pra ouvir inteiro, sem distrações.
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Até Fito Páez tem seu (bem mal comparando) Lifehouse – aquela ópera-rock complicada e cheia de elementos de Pete Townshend que foi cortada e virou o disco Who’s next (1971). Novela foi uma ópera-rock que Fito imaginou em 1988, inicialmente como um projeto multimídia. Foi deixada de lado, algumas demos circularam em versões bootleg, e certos detalhes do álbum original foram fragmentados – a música Circo Beat, que deu nome ao disco mais vendido de Fito (1994), não apenas faria parte de Novela como dá nome ao circo que aparece na trama.
Dá para ver uma certa semelhança entre Novela e a história de The scholars, a ópera-rock lançada há pouco pelo Car Seat Headrest. Ambas são histórias que se passam em ambientes escolares e que têm um subtexto meio “espiritual” e sobrenatural. No disco do argentino – cuja trama se passa em sua província natal, Santa Fe – o cenário é uma escola de feitiçaria chamada Universidad Prix.
Os personagens e as outras arenas vão aparecendo: as bruxas Maldivina e Turbialuz (alunas da escola), além dos jovens Jimmy, músico de rock, e Loka, adolescente idealista, filha do administrador do (aí sim!) Circo Beat, que chega à cidade. Lá pelas tantas, a trama ganha ares de O Mágico de Oz, com todos os personagens desenvolvendo tramas próprias e seguindo em ondas de autodescoberta.
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As semelhanças com The scholars param por aí, já que, se o disco do Car Seat Headrest é cheio de momentos que não se sustentam em separado, Novela tem inúmeras faixas que seguram a onda por si só, além de uma série de elementos imaginários. Alguns deles foram revelados por ele numa excelente entrevista à Rolling Stone – e são típicos de quem cresce em cidades muito pequenas, quase num espelho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Marquez, e seu universo fantástico.
Musicalmente, Novela, um produto da Sony Music argentina, não seria feito no Brasil sem uma empresa enorme patrocinando, e seria um disco independente – Fito convocou orquestra, narradores, etc. Nem Chico Buarque conseguiria fazer algo assim hoje em dia numa gravadora normal. Universidad Prix, na abertura, une pós-disco music orquestral com synthpop no estilo de What a feeling, hit de Irene Cara.
O folk toma conta de Bruxas Salem de Prix, enquanto Maldivina y Turbialuz leva a sonoridade para o universo dos Rolling Stones setentistas – com um piano que lembra o de Nicky Hopkins. Uma alma glam, por sua vez, toma conta de Cuando el circo chega al pueblo – esta, um rock balançado, melódico, chegando a lembrar Paralamas do Sucesso e Erasmo Carlos.
Isso é só o começo de Novela. Referências a Beatles, comuns na obra de Fito Páez (o álbum Circo Beat não tem esse nome à toa) tomam conta de boa parte do repertório – especialmente em Cruces de gin en sal, Balas y flores, Herencia, Love is falling over my heart, El vulo (essa, na cola de She’s leaving home). Fito passeia por outros estilos, como numa trilha de musical, cabendo synthpop em Superextraño, mais rock stoniano em Modo Carrie, punk em Argentina es una trampa, blues rock de terno e gravata em El triunfo del amor. A esperançosa Sale el sol une Beatles e o bubblegum setentista que brotou do som deles.
O som que você ouve em Novela vai se recusar a sair da sua mente, e do seu coração – ainda que você não domine o espanhol e precise parar em alguns momentos para entender o universo quase literário de Fito Páez. No geral, é um disco que depende da interação do ouvinte, de sua vontade de parar e ouvir um álbum inteiro, e foi feito pra quem realmente para tudo e ouve música. E felizmente, volta e meia ainda saem álbuns assim.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Sony Music
Lançamento: 28 de março de 2025.
- Por acaso, durante os últimos dias, saiu um perfil bastante revelador de Fito na revista Piauí – e depois disso, declarações dele sobre a política de seu país foram mal-interpretadas e tiradas de contexto.
- O site Scream & Yell tem também uma ótima resenha de Novela, escrita por Davi Caro. Leia aqui.