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Fanzine virando biblioteca, oficina e objeto de estudo em Macaé (RJ)

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Se tem gente por aí dizendo que os fanzines são uma mídia antiga e que as pessoas só querem saber de internet, é uma excelente oportunidade para essa pessoa conhecer a turma do Projeto IFanzine, conduzido pelo designer e cartunista Alberto Carlos Paula de Souza (o popular Beralto) no Instituto Federal Fluminense campus Macaé, Rio de Janeiro. Desde 2013, o projeto promove oficinas de fanzine e quadrinhos, e em 2017 passou a ter uma fanzinoteca, para abrigar tanto o acervo local quanto o de outros autores.

O IFanzine tem também produção própria: o zine Peibê, surgido em 2016, que já ganhou até prêmio (o Troféu Angelo Agostini na categoria fanzine). A sede da fanzinoteca tem abrigado trabalhos, mostras, encontros entre alunos e fanzineiros, além das oficinas. E fomos lá bater um papo com o Beralto pra saber o que eles andam fazendo.

Como começou seu relacionamento com os fanzines?

Nos anos 1980. Conheci o primeiro, o Notícias dos Quadrinhos do Ofeliano Almeida, do Rio de Janeiro. Daí me encantei com o mundo dos zines, especificamente os zines de quadrinhos, que é a minha praia. Daí publiquei meus quadrinhos em vários zines da época, Mutação (RS), Politiqua (RS), Aventura (RJ), Marca de Fantasia (PB), Hiperespaço (SP), etc.

Aliás, como começou a estudá-los e colecioná-los?

Bom, o primeiro zine foi apresentado por um professor na época do ensino médio. Também as revistas Calafrio e Mestres do Terror da Editora D’Arte tinham uma sessão de cartas com anuncio de zines e daí, achando os primeiros zines, a gente achava o fio de ariadne pra transitar e interagir na nossa mídia social analógica.

Já estudar zine ou aplicá-lo na educação foi há cerca de 13 anos, quando comecei a trabalhar como servidor no Instituto Federal Fluminense campus Macaé RJ, uma escola pública da rede federal de ensino profissionalizante. O projeto de zines é uma ação de extensão acadêmica. Nesse contexto começamos a resgatar a paixão pelos zines nesse ambiente do ensino e aprendizagem e vem dando certo, a ponto de termos conseguido em 2017 um espaço físico para montar uma Fanzinoteca.

Beralto (esq.) durante oficina de fanzine em escola pública

Como foi que os fanzines chegaram ao Instituto Federal Fluminense?

A partir dessa nossa proposta de oportunizar para os estudantes a proposta Do It Yourself de customizar a mídia tátil com o jeito livre, expressivo e autoral. E ao mesmo tempo apresentar aos educadores o zine como uma ferramenta acessível como estímulo à produção textual e como ferramenta avaliativa.

Fale um pouco sobre o impacto que o projeto provocou no universo dos fanzineiros. Muita gente procura vocês?

Na nossa região circulamos pelas escolas públicas promovendo oficinas de zines e em eventos culturais, eventos de rua e eventos acadêmicos. Fizemos oficinas para idade de 8 a 80, (sem exagero) e para público de ensino fundamental à pós-graduação.

A partir da criação da Fanzinoteca passamos a receber também a visita de caravanas de estudantes, que não vêm apenas para conhecer a casa dos zines, mas conhecer a escola como um todo, mas a Fanzinoteca passou a fazer parte do tour dos alunos potenciais candidatos do processo seletivo de ingresso na escola. Os jovens com aptidão para as artes ficam encantados.

Quanto à comunidade zineira, desde a criação do projeto em 2013 temos feito parcerias, e temos recebido doações generosas de autores e aficionados da cultura zineira. E somos muito gratos à comunidade zineira por todo apoio. Temos realizado também a Mostra Peibê de Zines e Publicações Independentes que reúne autores veteranos com os novos talentos revelados pelo projeto.

Trabalho de língua portuguesa na fanzinoteca

O que você tem guardado na fanzinoteca e como ela pode ser visitada?

A Fanzinoteca tem um acervo atualmente em torno de 3500 exemplares e os zines abarcam a diversidade que o zine contempla, zines de HQ, zines de música, terror e ficção científica, zines de artes visuais, zines de movimentos sociais, zines produzidos por escolas e universidades. Destaque para os zines feitos pelos alunos da escola que, feitos como um espécie de prova alternativa, após atribuição de nota, passam a fazer parte do acervo. É uma ressignificação do processo avaliativo e os docentes de língua portuguesa, espanhol, ingles, história, filosofia e sociologia são os que normalmente demandam o uso de zine nesse contexto pedagógico.

A Fanzinoteca é pública e funciona de segunda a sexta de 13h30 às 16h30, e outros horários podem ser agendados previamente pelo e-mail fanzinotecamacae@gmail.com. Autores de fanzines e publicações independentes podem agendar lançamento de publicações, educadores podem agendar oficinas de zine e visitas coletivas para acesso ao acervo. Como a pandemia estamos com as portas fechadas desde março de 2020, e esperamos retornar no ano que vem em condições seguras assim que possível.

Como vocês fazem para explicar às novas gerações o que é um fanzine, levando em conta que com a internet a novidade da “autopublicação” virou parte do dia a dia de muita gente?

Justamente por ser o zine uma mídia pré-internet, e por embutir o modo artesanal de fazer e com o jeito analógico de curtir e compartilhar, que faz o zine ser uma novidade para o nativo digital. Pode até haver uma estranheza inicial quando propomos ao jovem fazer um zine nas oficinas, mas logo o pessoal se solta e fazem zines super criativos.

Fanzines ainda têm muito apelo no mundo digital? Como os alunos das oficinas reagem à descoberta de que é possível produzir material físico para leitura com bom conteúdo, muito talento e material caseiro?

O nosso projeto resgata e prioriza esse modo de fazer tradicional do zine, mas não descartamos a veiculação nas plataformas digitais, zine físico e zine digital podem e devem conviver pacificamente. Normalmente lançamos o zine fisicamente e depois disponibilizamos no meio digital. Os zines do projeto Fanzinoteca podem ser acessados gratuitamente no site da Editora Marca de Fantasia através deste link.

Confesso que no começo do projeto senti dificuldades de envolver os alunos, mas tudo foi questão de tempo, até o projeto alcançar visibilidade e, contando com a adesão dos professores, o zine hoje é um fenômeno “viral” na escola. Há pouco tempo descobri que os alunos antes de virem estudar aqui já ficam sabendo que tem um tal de fanzine que os professores usam às vezes como forma de avaliação. Isso é inimaginável porque há 9 anos atrás praticamente ninguém sabia, por aqui, o que é um zine.

E hoje os fanzines estão na internet, em PDF. Como vê mais essa possibilidade?

Uma das formas possíveis de veiculação, de fazer circular os zines. Inclusive durante a pandemia criamos um repositório de zines digitais. E o link está acessível para quem quiser conhecer os web-zines e zines analógicos digitalizados. Temos contatado antigos faneditores na intenção de pedir arquivos digitais de zines para que essa memória nãos e perca. Inclusive nos oferecemos para digitalizar quando o autor não tem tempo ou recursos para esse trabalho. Eis o link da Zineteca Digital Colaborativa, a ZDC.

Fale da Peibê, a publicação feita pelo projeto. Saíram outras publicações dele?

O zine Peibê é o primeiro e principal zine de nosso projeto. O nome foi sugerido pelos estudantes, referenciando o preto e branco das revistas artesanais normalmente em fotocópia. Ele apresenta a proposta de publicar quadrinhos de estudantes da casa e de veteranos no fanzinato, o que representa uma excelente diálogo intergeracional que ajuda a incentivar os novos autores. Apreciamos muito a diversidade de estilos de fazer quadrinhos com essa proposta livre dos zines, e já publicamos quadrinhos com perfil profissional, até as HQs de homem-palito e rabiscos, ou seja, quadrinhos autorais são muito bem-vindos.

O zine Peibê chegou a ganhar um troféu Ângelo Agostini e foi muito bom como conquista coletiva e pra dar visibilidade ao projeto. O Peibê está no número 7 e a oitava edição está em preparação. Depois dele, outros zines do Coletivo Fanzinoteca foram lançados, como o Traços de Memória, Café Filosófico, Afroindi e outros, sempre trazendo a marca do talento e protagonismo dos jovens estudantes da nossa escola.

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