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Entrevista: Rogério Skylab fala de show novo, cosmos, pandemia e jornalismo

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Convidamos você a ler essa entrevista com Rogério Skylab sem rir, e encarando o trabalho dele a sério. Discos como Crítica da faculdade do cu (lançado em 2019 e que faz parte da “trilogia do cu”) e músicas como Matador de passarinho vêm de pensamentos filosóficos, recordações de tempos idos e de observações do dia a dia, e não de uma vontade de apenas fazer piada. O cantor e compositor carioca leva para o Circo Voador (Lapa, Rio) no sábado que vem (dia 3 de setembro, um dia após seu aniversário de 66 anos) o show de seu disco novo, Caos e cosmos 2, quarto movimento de uma nova série com o tema “cosmos”. Em meio a músicas como A gente vai ficar surdo, Terror e O corpo real da Paola, gêneros musicais como jazz, samba e chorinho aparecem nessa fase nova da carreira do artista, cuja faceta mais piadista, gozadora, acabou ficando mais à frente nesse tempo todo.

Isso aconteceu, claro, por causa de canções como Meu pau fica duro, Você é feia, Carrocinha de cachorro quente e Dedo no cu e gritaria, mas também porque, nas entrevistas que deu para programas de TV, ficou difícil tirar o foco desse lado – que, de fato, chama a atenção.  Uma ambiguidade que Skylab assume e com a qual procura lidar, como conta nesse papo com o Pop Fantasma, no qual fala de show novo, pandemia, entrevistadores (de Jô Soares e Danilo Gentili ao Monark, do podcast Flow) e até de um certo presidente aí.

(lembrando que na mesma noite no Circo vão rolar o show da banda Blastfemme, na abertura, e a festa Bauhaus)

Como tá sendo pra você esse retorno aos palcos?

Eu fui muito severo em relação a qualquer espécie de liberdade durante a pandemia, sabe, cara? Eu já tenho uma natureza ligada à reclusão, mas a pandemia me levou a uma longa quarentena. E aí eu recebi alguns convites de shows, mas não quis, não. Segui à risca o protocolo. A única vez que me apresentei foi numa live, que foi gravada durante a pandemia violenta mesmo.

Sem vacina, sem nada…

É. Eu fiquei com medo, sabe, cara? Mas como era apenas a banda… A gente gravou lá no estúdio Companhia dos Técnicos (estúdio em Copacabana), tinha um piano lá, fui fazer. Foi a única vez que me lembro de ter saído do protocolo. Não fiz show nenhum, só um recente, uns dois meses atrás no festival Picnik, em Brasília.

E o show vai ser no Circo Voador, onde você está acostumado a lançar discos… 

Exato. Eu lancei agora o Caos e cosmos 2. Tenho trabalhando em cima desse projeto do Cosmos, que vai ter cinco discos. Ele vai terminar com o Caos e cosmos 3, que vai ser lançado no próximo ano. Esse projeto Cosmos é um total de cinco volumes. A minha relação com o Circo é muito familiar, pra mim é muito natural que eu faça esse show lá… No show eu vou cantar algumas músicas do último disco, mas pra mim é impossível cantar só isso. Sempre faço um apanhado de todos os discos. Vou passar por toda a minha discografia.

Skylab ao vivo no Circo (foto: Augusto César/Acervo Circo Voador)

Eu queria saber um pouco como começou essa história do “cosmos”, de fazer discos com esse tema. Porque inicialmente o projeto começou com você querendo homenagear o Moacir Santos, o Hermeto Pascoal e o Eumir Deodato regravando músicas deles, mas quando regravou as do Moacir teve problemas com a família dele, e o projeto foi deixado de lado, não foi isso?

É verdade. Você sabe que tocou num assunto que pra mim foi foda? Essa coisa dos direitos autorais, dos herdeiros, é séria. Eu deveria ter tido mais cautela e não tive. Eu gravei (músicas do Moacir para lançar no primeiro disco da série do cosmos), dai ouço a música e penso: “Putz, não vou poder lançar”… (rindo)

E deve ter ficado bem legal.

Nossa, ficou tão lindo! Porque o pessoal que me acompanha tem toda uma escola ligada ao jazz, o Leandro Braga no piano, o Pedro Aune no contrabaixo acústico e o Rodrigo Scofield na bateria. Eles têm toda uma manha ligada ao jazz, quando gravei duas músicas do Moacir ficou lindo. Depois de gravá-las é que fui entrar em contato com os herdeiros. O filho dele, que mora na Califórnia, não autorizou. Daí a gente não pode fazer nada e o que me resta é ficar ouvindo no meu computador (rindo).

Mas a ideia do cosmos… Eu tinha feito umas trilogias antes. Uma delas, anterior à do cosmos, foi a trilogia do cu. Tem os discos O rei do cu, Nas portas do cu e Crítica da faculdade do cu. Eu sou formado em filosofia, e um dos grandes pensadores para mim, um dos que mais me influenciaram, foi Gilles Deleuze. Tem um livro dele em que ele fala justamente do processo de desterritorialização. As forças saindo da terra e atingindo o cosmos. Foi aí que eu tive a ideia de primeiro fazer a trilogia do cu, como um processo de imanência, que tá na Terra, tá fundado no centro da Terra. E depois a desterritorialização, atingindo o cosmos, as forças cósmicas. Foi essa imagem do Deleuze que me levou a fazer esses dois projetos.

É uma maneira descontraída de falar de temas profundos, não?

Sim, aliás quando você fala em cu… Tem grandes intelectuais que têm debruçado sobre essa questão, inclusive um trans espanhol muito famoso, que fala justamente sobre a questão conceitual do cu. Minha grande dificuldade foi me apresentar em programas como o do Danilo Gentili. E eu vou mesmo, não tenho esse tipo de idealismo de esquerda, apesar de ser ligado à esquerda, de pensar: “Ah, o Danilo Gentili é de direita. Então não vou ao programa dele”. Esse tipo de pensamento eu não tenho, quando lanço um trabalho quero ter espaço de apresentação, até para afirmar minha música.

Mas uma das dificuldades que tenho é: como você vai falar do cu no programa do Danilo Gentili? Porque vai ser levado para a questão da gozação, do machismo, de piadas bobocas… Sei que vou sempre enfrentar essa dificuldade. Mas não poderia deixar de fazer isso, sempre procurei desenvolver todo um discurso filosófico ligado ao cu. E sei que essa ambiguidade também é uma coisa muito importante. Provavelmente no meu público vou ter muitos bolsonaristas, Muitas pessoas que gostam do meu trabalho têm uma perspectiva bolsonarista, de levar meu trabalho pro lado brincalhão, pro lado da piada, pro lado do escárnio, do bizarro, da sacanagem. Mas tem todo um outro lado que eu trabalho na perspectiva da filosofia. Essa ambiguidade eu assumo no meu trabalho.

Você tá falando do Danilo Gentili e eu me lembrei muito de você no Jô Soares. Muitas vezes o público estava rindo, mas você, não. Estava ali falando sério! Como era pra você estar lá?

O Jô Soares foi o grande responsável pelo fato de eu ser conhecido pelo grande público. Eu apresentei grande parte da minha discografia lá. Quando ele estava se despedindo da Globo, apresentando os últimos programas, ele me chamou. Ali, eu percebi que era uma despedida, que ele iria se aposentar e nenhum outro programa daquela emissora iria poder substituí-lo. Ao mesmo tempo eu sabia que muitas pessoas iriam me conhecer apenas por causa do Jô. E a partir daí iriam fazer toda uma imagem do Skylab como um cara divertido, brincalhão, piadista, que o Jô também explorava muito esse lado.

Ao mesmo tempo em que ele foi muito importante para me fazer ficar conhecido do grande público, ele também investiu numa imagem do Skylab como um cara ligado à piada. E muitas pessoas, em vez de conhecerem minha música pela minha discografia, que tá toda presente nas plataformas digitais… Enfim, não tem desculpa por não conhecer!

Verdade…

Mas enfim, a pessoa acabou me conhecendo apenas pelas minhas participações, e por ter apresentado apenas uma música, ou outra. É pouco, né, cara? É um lado apenas, a pessoa não conhece a discografia, que é o mais importante.

Quando rolou a história do Monark falando sobre partido nazista, e descobriram aquela entrevista em que você questionou os apresentadores do podcast Flow (o cantor disse que os apresentadores não estavam num botequim e que precisavam ter responsabilidade com o que era falado e transmitido), houve uma série de matérias com título “conheça Rogério Skylab, o cara que questionou o Monark”, “quem é Rogério Skylab?”. Como você viu o fato de aparecer tanta gente querendo te “apresentar” após tanto tempo de carreira?

Mas as pessoas esquecem! Você pega uma geração nova… Ainda mais em se tratando do Flow. Eu estive muito presente no podcast, fui umas quatro vezes lá. A primeira vez em que fui lá, o podcast era desconhecido. Bom, não era bem desconhecido, mas não tinha um público imenso. E o público era eminentemente de garotos despolitizados e que viviam ali no limbo da internet, nos jogos eletrônicos. Quando me chamaram pela primeira vez, sabia que era isso.

À medida que o tempo foi passando, muitos políticos da esquerda começaram a ver ali um filão muito importante, porque você iria entrar em contato com um público imenso. A partir daí as pessoas que frequentavam o Flow passaram a ser de todas as tendências. Eu me lembro de quando o Guilherme Boulos foi no Flow. O Moro foi, o Ciro foi… No primeiro programa que eu fui no Flow, disse que a esquerda não podia dar as costas àquilo. Desde o começo da minha carreira, nunca dei as costas à grande mídia. Televisão, Jô Soares, Danilo Gentili, Flow… Tem um segmento da esquerda que fala: “Você não pode ir a esses lugares, são lugares fascistas”. Sempre achei que meu discurso era pro grande público e sempre que houver oportunidade vou estar presente.

O Flow, por acaso, se definia como um bate papo de botequim… E pelo menos no meu entendimento bate-papo de botequim eram as entrevistas do Pasquim, ou algo parecido. Como você vê isso hoje?

Quando você se remete ao Pasquim… Realmente o Pasquim era gigantesco, cheguei a ler muito. Eu vi agora essa sabatina do Jornal Nacional com o Bolsonaro e isso me fez pensar como que o nosso jornalismo vive uma queda, uma decadência. Você vê aqueles comentaristas do GloboNews e compara com o pessoal do Pasquim. Eu até coloquei recentemente num post: que saudade que eu tenho de um Tarso de Castro, de um Fausto Wolff, de um Luiz Carlos Maciel… Eles eram grandes jornalistas e escritores. O próprio Alberto Dines, que era uma figura maravilhosa… Como o nosso jornalismo decaiu!

A Renata Vasconcellos e o William Bonner ficaram totalmente vazios diante do Bolsonaro, no Jornal Nacional. Agora imagina por exemplo o Tarso de Castro diante do Bolsonaro. Ia massacrar! Mas isso dai eu acho que expressa a decadência do jornalismo. Na verdade uma decadência que se expressa em todos os níveis da sociedade, não só do jornalismo. A gente tinha grandes jornalistas e hoje vive num mar de mediocridade.

Eu ia mesmo perguntar o que você achou da entrevista do Bolsonaro…

Eles se mostraram muito tolerantes com aquelas mentiras, uma atrás da outra. E você não reage! Isso pra mim é terrível. Dois jornalistas que não reagem à altura do papel que eles ocupam diante daquele festival de mentiras, de besteiras. Isso pra mim é doloroso.

Como você, que teve sempre uma discografia organizada e numerada, tá vendo o formato álbum hoje em dia? Você acha que ele ainda é valorizado?

Sabe que eu tô começando a pensar sobre isso? Eu me formei nos álbuns, tenho todo um histórico de ouvinte de álbuns, sou da época do vinil, na minha casa tem vinil pra caramba. A ideia de álbum pra mim sempre foi muito importante, álbum pra mim é como um livro, um filme. A primeira música do álbum, a última, a primeira dialogando com a segunda, o caminho que vai da primeira até a última. As questões que eu coloco, uma música dialogando com a outra… É uma coisa orgânica.

Quando desapareceu o CD e passou a ser streaming, a ideia do álbum continuou pra mim, não importa a mídia. Continuei produzindo do mesmo jeito. Mas estou começando a pensar a possibilidade, pela primeira vez, de lançar singles num próximo trabalho. Um mês lanço num single, no outro mês lanço o outro, no outro mês lanço o outro… Muda todo o conceito de álbum. Pra mim a ideia de colocar todas as músicas juntas é muito importante. É uma possibilidade nova. Hoje muita gente faz só isso.

E as plataformas não têm muita informação sobre quem toca, quem compõe… Pra você que tem lançado discos com participações isso deve ser um problema, não?

Isso é um outro problema! Pra superar essa questão eu tenho meu site e lá eu dou todo o histórico dos discos, informando todos os participantes, todos os dados técnicos. E também faço o mesmo no YouTube, coloco todos os dados técnicos. Agora, a questão do Spotify, das outras plataformas… Não tenho esse controle. Através do YouTube e do meu site, coloco tudo.

Aliás, o Abismo e Carnaval saiu em 2012, então a mudança que você fez na sua discografia, dos discos numerados para as séries, está completando dez anos. Como você decidiu fazer essa mudança?

Eu sempre penso que esse decálogo, dos discos com meu nome, do Skylab I ao X… É uma série de dez discos, né? Mas vejo que nesse aspecto não tem diferença, sempre trabalhei com a ideia de série. Os discos do Cosmos são cinco volumes. Pra mim a ideia de série é muito importante, nesse sentido eu não diferencio o decálogo dos discos do Carnaval. Tem algo que permanece em comum, que é justamente a ideia de série.

Mas se você mergulhar nesses dez discos, você vai encontrar elementos que vão estar presentes no meu último disco. Isso acontece desde meu primeiro disco, que nem era de série nenhuma e saiu em vinil, o Fora da grei (1992). Se você ouvir aquele repertório, várias músicas daquele disco eu regravei: Casas da Banha, por exemplo. Muito do estilo que já estava se construindo ali, ele vai estar presente em outros discos que gravei.

Como você pensa a divulgação dos seus trabalhos? Neste ano já foram dois discos, o ao vivo tirado da live e o Caos e cosmos 2? Já rolou isso em outros momentos, não? Rola um cuidado para um disco não atropelar o outro?

Essa periodicidade foi constante em toda minha carreira, nos meus quase 30 anos de carreira minha produção foi anual. Esse exemplo da live foi o único em que saíram dois trabalhos num ano, mas a live tá meio à margem da minha discografia. Se você produz dois por ano, nem trabalha direito a divulgação. Eu venho de um tempo em que a imprensa oficial tinha a importância muito grande. O que o Tárik de Souza ou o que o Antônio Carlos Miguel escrevessem, tinha um peso muito grande.

Hoje o que eles escrevem não tem peso nenhum, vamos convir. Pode me dar aí um grande nome da grande imprensa, de notório saber, que não vai ter importância nenhuma. Hoje a indústria é outra. A forma de entrar em contato com a música é uma outra forma completamente diferente. Eu fui de um tempo em que produzia meu disco e… quantas vezes eu não fui na redação do Globo, ou na redação do Jornal do Brasil? Eu fui, eu fazia isso. Lembro de vários jornalistas, o Pedro Só, uma porção deles. O meu primeiro disco, Fora da grei, teve uma repercussão muito boa no Jornal do Brasil, diria até que os dois grande impulsionadores da minha carreira foram o Jô Soares e o Jornal do Brasil.

Essa era uma época, hoje é outro momento. Hoje o lançamento do disco para mim não tem mais aquela importância, de você chegar, ir na redação, acabou isso. O lançamemto é “quando o disco será lançado nas plataformas?” . Ele é normalmente lançado á meia-noite, zero hora, e aquele momento é muito importante, o público tá ouvindo pela primeira vez e vai começar a soltar as ideias, as opiniões, que são tão importantes quanto o texto do velho jornalista. É a opinião anárquica das pessoas. Não é mais a crítica engessada da grande imprensa. É uma outra história. Depois eu vou fazer o trabalho de formiguinha, mostrando uma música ou outra, o trabalho das redes sociais.

Foto lá de cima: Divulgação

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