Cinema
Alice Bowie: a investida glam rock de Cheech & Chong
Em 1974, lá foi a dupla rock-comédia-maconheirística Cheech & Chong zoar, ao mesmo tempo, a indústria fonográfica, o heavy metal, o rock progressivo, os vocais quase falados a la Aerosmith, o glam rock, Alice Cooper, David Bowie e o conservadorismo. Foi com o single Earache, my eye, creditado a um artista crossdresser fictício chamado Alice Bowie (!). Um tipo de paródia destruidora que, hoje em dia, mal teria lugar no mercado.
Eram os anos 1970: nada de flower power, nada de “sonho” e a indústria fonográfica, baseada no rock e no pop, dominava o mercado de diversões públicas com números cada vez mais inflacionados e jabás polpudos. E LPs viravam bens de consumo queridíssimos, com potencial cada vez maior de interação com pessoas “comuns”. Cheech & Chong ponderavam sobre o assunto e partiam para cima de artistas que eram donos de shopping centers e prédios comerciais “mas só sabiam três acordes”. Um polaróide de uma época em que, mais que qualquer coisa, esperava-se que humoristas fossem demolidores profissionais e zoassem o que aparecesse pela frente.
Rolavam uns trechos na letra que se comunicavam com alguns hits da época. David Bowie cantava em Rebel rebel que “seus pais não sabem mais se você é um garoto ou uma garota”. O duo falava de um rapaz que tinha sido deserdado por usar as roupas da irmã. Marc Bolan, no T. Rex, dizia em Children of the revolution que “dirigia um Rolls Royce, porque é bom pra minha voz”. Cheech & Chong respondiam falando de artistas que não ligavam se o mundo acabasse “desde que eu tenha uma limousine e um cabelo laranja”.
No final, a música é interrompida e entra um diálogo em que Chong interpreta um adolescente que ouve Alice Bowie no quarto. Já Cheech faz seu enraivecido pai, que tira o disco da vitrola, manda que o garoto vá para a escola e espanca o filho com um cinto.
Esse atrevimento chegou às lojas tanto num single de 45 rpm, quanto no LP Cheech & Chong wedding album, pouco depois. E contou com a ajuda de um brasileiro (Airto Moreira, que tocou bateria na faixa). E ainda foi regravado por bandas como Korn, Rollins Band e Soundgarden – além de fazer eco em músicas dos Beastie Boys e do Anthrax.
Mais que isso: um texto publicado no site da emissora americana KCET dá conta de que Earache, my eye foi o primeiro grande exemplo de punk chicano. Afinal Richard Anthony Marin, o Cheech, é californiano filho de mexicanos. Muito embora a canção fosse do canadense (e descendente de chineses) Tommy Chong e do guitarrista Gaye Delorme. Mas era Cheech quem vestia tutu e collant, e encarnava Alice Bowie no palco. “Chicano realmente representa essa culturalização – uma mistura entre os mexicanos e a cultura dominante. Essa é a base disso”, contou Cheech no papo com a KCET.
Olha aí a aparição de Alice Bowie no filme de Cheech & Chong Up in smoke, que tá completando 40 anos.