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Ziriguidum: 25 anos de MPB na internet comemorados com documentário

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Um site que existe há 25 anos. Ok, sabemos o que você está pensando aí: “Peraí, mas há 25 anos já tinha internet pública?”. Tinha sim, mas funcionava quase a lenha. “Não tinha essa dinâmica de publicar na mesma hora, era um processo. Então tínhamos edições mensais com três ou quatro matérias que entravam no ar”, conta Beto Feitosa, que em 1996 criou, ao lado de Flávia Souza Lima o site Ziriguidum, especializado em MPB. No ano passado, bem no início da pandemia, o site transformou-se num dos primeiros festivais online, o Ziriguidum Em Casa, dirigido por Beto, pelo músico e ator Cláudio Lins e pelas jornalistas Maria Braga e Ana Paula Romeiro. O festival já teve 23 edições.

O reconhecimento do Ziriguidum Em Casa veio pela presença do público, pelo número de artistas conhecidos que se apresentaram no festival, e também por uma premiação: recentemente, o evento foi o vencedor na categoria Festival de Música Online, na sexta edição do Prêmio Profissionais da Música. Já o site Ziriguidum, que surgiu como uma revista impressa, ganha em janeiro um documentário, dirigido por Rafael Saar, contando toda a trajetória do site. Vale lembrar que o Ziriguidum foi inovador a ponto de – bem antes de existir um negócio chamado podcast – já ter mantido uma rádio na internet.

Beto Feitosa bateu um papo com o POP FANTASMA sobre o documentário, os projetos que estão vindo aí e sobre o pioneirismo do Ziriguidum.

Queria saber um pouco como foi a surpresa de receber um prêmio pelo Ziriguidum Em Casa. Qual o balanço que você faz desse tempo todo que o evento está de pé?

Ziriguidum já tinha sido indicado outras vezes ao prêmio, mas esse é o primeiro troféu que vem pra estante. Foi uma alegria muito grande e até surpresa pq tinham outros festivais ótimos e super importantes. Aquele velho chavão que só estar ali entre eles já era um prêmio, mas quando anunciou o vencedor deu uma alegria imensa. Um incentivo grande pra continuar.

A gente começou na primeira semana de pandemia sem saber o que estava fazendo. Só no impulso de fazer. Aos poucos fomos entendendo a lógica, adaptando… e também mudando o formato, que no início eram de apresentações ao vivo. Depois essa onda de lives diminuiu e deu lugar a shows mais bem produzidos. Nisso a gente passou a fazer especiais temáticos, juntando artistas. E o evento é feito por quatro pessoas (eu, Claudio Lins, Maria Braga e Ana Paula Romeiro) que são apaixonadas por música. Então a gente fala pra quem tem o mesmo interesse que a gente. É um festival feito de verdade com muito amor e dedicação.

No começo falava-se em isolamento de poucos dias, poucos meses… O que vocês tinham em mente quando montaram o evento? Acreditaram mesmo que seria algo de poucos dias ou meses?

Não tinha nada em mente. Eu também estava com aquela ideia de “daqui a 15 dias já tem show de novo”. A gente fez a primeira semana – que a princípio seriam três dias com cinco shows cada e acabou virando quatro dias com cerca de 7 a 10 shows por dia – e no final dessa primeira maratona tinha gente pedindo pra fazer. Então a gente resolveu repetir na semana seguinte. E foi rolando assim até que a gente entendeu que aquilo ali tinha força grande de unir pessoas. Acho que demorou cerca de um mês pra gente ter essa visão. A entrada da Maria Braga e da Ana Paula Romeiro na produção – nos dois primeiros éramos apenas eu e Claudio – foi um sinal disso.

Como tem sido o retorno dos frequentadores do festival? Você diria que o Ziriguidum ajudou muita gente?

Eu comparo a importância dos artistas nessa pandemia com a dos médicos. Para quem estava em casa sozinho, sem amigos, sem família, com a vida totalmente mudada de uma hora pra outra… Você ligar o Instagram e ter ali diversos artistas oferecendo sua música é de um tamanho que não tem como dimensionar. A gente estava trancado, com medo, sem informações. Mas conseguia se distrair ali pulando de um show pra outro, descobrindo novos artistas, reencontrando outros…

A gente organizou essa grade, fazendo quase que uma curadoria. Um artista se apresentava por meia hora e chamava o público para acompanhar o seguinte. Isso ajudou muito quem estava em casa – falo isso por experiência própria como público também – e ajudou os artistas que naquele momento encontraram essa forma de se comunicar, de oferecer sua música para as pessoas. A troca é incrível, uma energia que realmente rolou. E acho que isso criou um costume novo, abriu um palco a mais. Hoje em dia a pessoa entende como “um programa” assistir um especial desses pela internet. Nada substitui o artista ao vivo, mas também você entrar na casa dos artistas e ter ele ali em seu ambiente fazendo música é muito especial.

Hoje em dia quem faz a edição do programa sou eu. Ou seja, passo a semana inteira vendo e revendo aqueles vídeos, colando, tentando equalizar o som… Mas na hora que está indo ao ar, assistindo com todo mundo, minha emoção é de público também. Me surpreendo e adoro ler os comentários.

Quais são os próximos projetos do evento?

Com a retomada gradual das atividades, dos editais, toda a equipe se viu muito sobrecarregada nos últimos meses, tanto que essa edição teve um atraso e chegou a ser remarcado algumas vezes. Então a gente decidiu que vai ser o último de 2021. Mas já temos o tema do próximo, algumas confirmações, parcerias bacanas… E em janeiro vamos estar de volta. Também queremos muito que o festival tenha uma continuidade no palco com o mesmo clima que tem na internet, juntando surpresas e matando saudades. A ideia é encontrar as pessoas, viajar, chegar mais perto de quem esteve junto nesse período.

Em 2021 o site Ziriguidum completou 25 anos. O que te motivou a montar o site como estava sua vida profissional (e a da Flavia) na época?

Não existia vida profissional (risos). Eu era calouro de jornalismo da PUC, ela tinha se formado e estava voltando para fazer letras. A gente se conheceu por acaso e foi uma empatia imediata. Eu já tinha editado jornais e revistas em Niterói e tinha tentado emplacar uma revista sobre música brasileira em uma editora daqui. Comentei isso com ela que adorou a ideia, embarcou e juntos conseguimos colocar isso na rua em forma de revista.

Eu cheguei a dispensar um estágio no Jornal do Brasil – sonho de 9 entre 10 estudantes de jornalismo na época – pra seguir com Ziriguidum. Com a revista circulando saiu uma nota na coluna que o Tárik de Souza tinha no Jornal do Brasil e fomos convidados para fazer um site. Isso era 1996, eu só usava e-mail e pesquisava coisas pontuais. A internet – especialmente no Brasil – era terra de ninguém, pouquíssimas pessoas tinham acesso.

Quais são os maiores de gols que o site marcou esse tempo todo? Alguma entrevista ou matéria marcou mais?

Acho que o maior gol tá no DNA: é um veículo que nunca se pautou pela indústria, sempre foi “amigo da arte”, como diria Alceu Valença. Desde o número zero a gente nunca quis se colocar como um espaço para crítica de música, e sim para curadoria, apontar trabalhos interessantes, especialmente aqueles que não tinham espaço na grande mídia. Sempre teve esse lado alternativo e amplo de dar espaço para muita gente.

E em tudo que Ziriguidum fez nesses 25 anos esse olhar nunca mudou. No início era diferente, a música circulava em CDs, então eu recebia muito material que as pessoas não tinham acesso. Hoje todo mundo tem acesso a tudo na internet, mas o papel é mais de curadoria. Eu quero apontar o que estou ouvindo, o que me toca. Em um mar imenso de lançamentos é impossível alguém dar conta de tudo. E nisso muitos trabalhos geniais passam em branco.

Não sei se tem uma entrevista ou matéria que tenha marcado mais, mas tem gols maravilhosos. Se for parar para lembrar vou buscar do início, do inusitado… Rita Lee respondendo minhas perguntas por fax (fax pra lá, fax pra cá e ela desenhando na folha), Zélia Duncan dando entrevista gravada no que a gente chamava de “programa de rádio na internet”, a gente nem sabia direito o que era aquele material, não tinha nome.

E como era fazer site no tempo da internet a lenha? Como ele era feito e montado?

Era muito simples. Há poucas semanas consegui recuperar os arquivos do primeiro site, e é lindo ver que aquilo era a realidade. Fotos pequenas de resolução baixa (tempos de modem de 9600, quem viveu sabe…), textos com fonte maior, textos imensos, e edições mensais. Não tinha essa dinâmica de publicar na mesma hora, era um processo. Então tínhamos edições mensais com três ou quatro matérias que entravam no ar. Seguiu assim até 2000 mais ou menos, quando comecei a fazer um conteúdo mais dinmico. Aí eu mesmo fazia tudo: da pesquisa, texto, edição de fotos (às vezes até a própria foto), edição de áudio ou vídeo, programação em html, até divulgação.

Verdade que vem um documentário sobre o site por aí? O que está sendo planejado?

Desde o início do ano estou com vontade de fazer isso, contar essa história. Tentei alguns editais e não rolou. Mas a ideia continuou, e fomos vendo as possibilidades, formatos mais econômicos… E agora no finalzinho do ano vai rolar. Vai ser um doc dirigido pelo cineasta Rafael Saar que vai ter como fio condutor uma entrevista comigo e com a Flávia Souza Lima contando a história.

De ilustração já recuperei vários prints, as revistas imprensas, destaques na home do UOL, material em vídeo, áudio… Além de ter depoimentos gravados à distância de pessoas que são muito importantes nessa história. O lançamento vai ser em janeiro no nosso YouTube, mas a ideia é que ele seja exibido também em outros lugares. Acho que tenho uma história muito bacana, peculiar e principalmente apaixonada pra contar.

Eu sou muito discreto, meio tímido, e muito prático com as demandas do dia-a-dia. Nisso a história de Ziriguidum vai ficando negligenciada, não falo muito, não jogo luzes… mas tem muita história bacana pra contar e acho que é uma hora legal, quando comemora 25 anos. Um marco importante.

Antes do conceito de podcast existir, vocês já tinham um programa de rádio na internet. O que você se lembra dessa época e como era fazer rádio na internet com internet lenta?

Lembra do Real Player? Era essa a plataforma. Nem MP3 existia. Por intermédio da Rita Lee – sempre ela – Ziriguidum foi parar dentro do portal UOL, que era uma equipe mínima meio que num cantinho da redação da Folha de São Paulo. Mas era uma equipe também com muita vontade de fazer aquilo acontecer e experimentar. Quando comecei a publicar lá, eles estavam estreando o servidor de streaming (já tinha esse nome) e me ensinaram a fazer conteúdo em áudio, a princípio para colocar 30 segundos de duas ou três músicas.

Nisso, tive a ideia de fazer conteúdos mais longos. E começamos a gravar: a gente ia na casa dos artistas para bater um papo, editava, costurava algumas músicas e colocava no ar. O som era quase de rádio AM, mas ficava legal! Mas a orientação do UOL era que todo o conteúdo do audio estivesse também disponível em texto, afinal de contas dos poucos que tinham internet, pouquíssimos tinham uma conexão boa para manter a reprodução de um áudio.

Outro formato muito importante (e que infelizmente pouca coisa restou) foi de programa de rádio mesmo. Um amigo querido chamado Marcus Heizer era dono do Estúdio Arte (ele era sócio do Arthur Maia) e abriu o estúdio pra que eu gravasse o programa nos horários vagos. Às vezes era depois da meia noite, outras à tarde. Mas a equipe dele sempre à disposição e super parceria me abria as portas pra gravar, eu ia pra casa e editava em um programa super simples.

Vocês têm os programas guardados? Pretendem fazer algo com esse material?

Não tenho todos, mas tenho alguns que já estão no ar, outros que estou digitalizando para usar no documentário, e quero disponibilizar sim. Encontrei um DAT com a entrevista da Zélia Duncan, ainda não sei se é o material bruto ou o editado. Estou procurando um amigo com DAT pra desvendar essa questão! Hahahaha Mas com essa onda de revisar a história, de falar e ficar pensando – e venho lembrando de muitas coisas. Ontem por exemplo lembrei que fiz uma transmissão live de um show da Anna Ratto por um app chamado Twittcam em 2010.

Cada vez mais vontade de colocar isso tudo no ar, vou organizando. Também recuperei áudio e vídeo do show de comemoração de dez anos do site. Vou me organizar para que na sequencia do doc, esse material de arquivo entre no ar.

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