Notícias
Urgente!: O legado explosivo de David Johansen (New York Dolls)
David Johansen, vocalista dos New York Dolls, morreu na sexta (28) aos 75 anos, após batalhar contra um câncer. E com sua partida, o grupo não tem mais nenhum integrante de sua formação clássica vivo. Os Dolls apontaram para o futuro do rock: surgiram no glam e, por intermédio de uma receita musical que incluía antigos hits do rock e sucessos de girl groups (Shangri-Las em especial), atirou no punk e acertou. Sem eles, nada de Ramones ou Sex Pistols.
Se você nunca ouviu nada deles, a fase inicial, com o álbuns New York Dolls (1973, com produção de Todd Rundgren) e Too much too soon (1974, produzido por George Shadow Morton, descobridor das Shangri-Las) é básica e fundamental. Nós temos aqui no arquivo do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, um episódio sobre esse período inicial dos Dolls, uma época em que a banda vivia com um pé no mercado fonográfico e o outro pé mais afundado ainda na marginália, com direito a excessos de todos os tipos.
Apesar de eles terem virado aposta de gravadora por uns tempos, o mercado nunca levou os Dolls a sério – o consenso geral era que o grupo não passava de uma versão cartoon dos Rolling Stones, ou algo por aí. Depois dessa primeira fase, o grupo foi demitido de sua gravadora, a Mercury, e foi parar nas mãos de Malcolm McLaren, futuro empresário dos Sex Pistols. Com ele no comando, a banda teve uma fase (acredite) comunista, em 1976. Com direito ao cantor David Johansen brandindo O livro vermelho do Camarada Mao no palco.
Não deu muito certo: os fãs detestaram a nova fase e os Estados Unidos, recém saídos da Guerra do Vietnã, saíam correndo só de escutar falar em foice e martelo. Em seguida, vários ex-músicos da banda encontraram-se na banda The Heartbreakers, que começou em 1975 e, para muita gente, foi o primeiro grupo punk (sem o “pré” de acréscimo). Mas os ex-Dolls mantiveram carreiras solo, algumas mais regulares que outras.
Johnny Thunders, por exemplo, estreou solo em 1978 com o ótimo So alone, produzido pelo novato Steve Lillywhite (futuro produtor do U2). Já David Johansen foi contratado pelo pequeno selo Blue Sky (Johnny Winter, Muddy Waters) e lançou seis discos solo a partir de 1978. Funky but chic, um quase hit de 1978, em clima punk-entertainer, marcou época.
Mas lá pelos anos 1980 alguma coisa havia mudado na carreira de Johansen. Cidadão novaiorquino e morador da esquina da rua 17 com a Terceira Avenida, ele passou a frequentar um bar na sua rua chamado Trampps, que agendava shows de nomes como Big Joe Turner e Big Mama Thornton. Foi conversar com a gerência e propôs uma série de shows, com uma nova banda, e usando outro codinome: Buster Poindexter.
A ideia de Johansen era aproveitar sua experiência de entertainer e cantar um repertório que não tinha nada a ver com o de seus discos solo ou o dos Dolls, com músicos tocando de smoking. Além disso, o repertório incluía músicas mais ligadas ao universo do jazz e de sons latinos festeiros, como o calipso. Em virtude dessas características, Johansen/Buster virou atração “da casa” do programa de TV Saturday Night Live e ainda conseguiu chances inimagináveis para um cara que liderou uma banda tão suja quanto os Dolls. “O fato de usarmos smokings nos abriu muitas portas para fazermos shows na sociedade”, contou, num papo com a Interview.
Na época em que Buster lançou seu primeiro e epônimo LP (pela RCA, em 1987, com uma foto do personagem tomando um martíni), nem se falava muito disso, mas o personagem criado por Johansen era uma locomotiva da onda lounge. O estilo, evidentemente, era famosíssimo desde os anos 1950, com aqueles vocalistas tocando maracas. Além de bandas combinando elementos de pop, blues, country, cha-cha-cha, mambo, calipso e outros estilos. Ou mesmo aquelas coleções de discos cujas capas tinham bebidas, garotas dançando e móveis pés-palito.
Com o tempo, durante os anos 1960 e 1970, esse clima foi ficando fora de moda. Mas só até o retorno com Buster no fim dos anos 1980. Logo, surgiram selos (e séries de relançamentos) ligados a esse estilo musical. E, lógico, o lounge chegou ao cinema (lembra do Coco Bongo, o nightclub saleroso de O máskara, com Jim Carrey?).
Os dois primeiros discos de Buster foram produzidos por Hank Medress – cria da cena doo wop dos anos 1950, teve um grupo do qual fazia parte um iniciante Neil Sedaka. Entre os músicos-monstros que participaram estavam Patti Scialfa (vocais), Joe Delia (piano, órgão, arranjos de metais), Tony Garnier (baixista, um dos acompanhantes mais assíduos de Buster, e desde 1989 músico de Bob Dylan) e outros. Buster goes Berserk (1989), o segundo disco, trazia na capa Buster sendo evadido de um bar por dois seguranças – ei, o já citado O máskara tem uma cena parecida com essa.
Olha aí Buster, com voz rouca imitando Ray Charles, dando entrevista ao Countdown, programa pop holandês, e dando um show de deboche para cima do entrevistador. Na época, a versão dele para Hit the road Jack havia aparecido na comédia De médico e louco todo mundo tem um pouco, de Howard Zieff. E aliás, Johansen aproveitou para festejar com Michael Keaton, um dos atores principais do filme. “Vocês foram a festas?”, pergunta o apresentador. “Não, fomos a uma biblioteca e pegamos alguns livros. Ele é um cara legal”, gracejou Buster.
O principal hit de Buster foi essa versão de Hot hot hot!, regravação do sucesso da sensação caribenha Arrow. Um projeto que, só para tornar as coisas mais confusas e deixar alguns críticos musicais sem dormir, era considerado uma grande revelação da… world music, aquele estilo musical dos anos 1980 no qual colocavam tudo que pudesse ser considerado “música étnica”. Mas no Brasil, a versão dessa canção que você ouvia todos os domingos no Programa Silvio Santos era a do Arrow mesmo.
E enfim, a magia de Buster Poindexter continuou na vida de Johansen por muito tempo. Isso porque, ainda que os New York Dolls até voltassem, o cantor continuou dando shows em clubes ao redor do mundo como o personagem por vários anos – além de gravar outros discos. Após 2015, rolaram shows revivalistas da era Buster em nightclubs. Em 2019, Buster participou do Hoboken Spring Arts & Music Fest. Mas interpretou até mesmo canções da era Dolls, e o show foi considerado pelos fãs como um encontro entre David Johansen e Buster Poindexter.
E isso aí são os New York Dolls em São Paulo em 2008. Pois é: no fim dos anos 2000, a banda teve um retorno (com os integrantes que ainda estavam vivos) e gravou três discos. E passou pelo Brasil.