Cinema
“There’s always vanilla”: a comédia romântica (!) de George A. Romero
Impossível de acreditar, mas George A. Romero (1940-2017), o famoso diretor de filmes de zumbis, já dirigiu uma comédia romântica – e pouco depois de dirigir o independente A noite dos mortos-vivos (1968). There’s always vanilla (conhecido também como The affair) foi feito em 1971 e até que não permanece uma obra obscura, não. Recentemente, quando reeditaram os filmes de Romero numa caixa em DVD, ele não foi nem deixado de lado. Mas quem conhece apenas parcialmente a obra do diretor, se bobear, nunca nem ouviu falar dele.
O filme foi realizado com o orçamento de US$ 70 mil, e conta uma história meio típica do universo das comédias românticas: a do casal formado por um malandrão e por uma garota “normal”, que demora a se acertar, passa por vários atropelos e… bom, procure o filme por aí para ver se eles ficam juntos. O boa-vida, no caso, é Chris Bradley (Ray Laine), um ex-soldado do Exército dos EUA que não quer trabalhar com o pai nos negócios da família, vive de bicos e leva uma vida boêmia, mais próxima do dia a dia hippie (mas sem o visual dos bicho-grilos setentistas).
A vida vai seguindo de bico em bico, ate que, numa estação de trem, Chris leva uma pancada na cabeça e cai no chão. O ferimento é causado pela pressa da doce Lynn (Judith Ridley, que se chamava Judith Streiner na época, e interpretara a Judy de A noite dos mortos-vivos). A menina é uma modelo e atriz “certinha” que passa correndo e acaba dando com a catraca da estação na cabeça do distraído Chris, a quem socorre.
Começa a confusão, com direito a cenas em que o protagonista fala com a “quarta parede” (numa linha meio 500 dias com ela, mas sem os duplos twist carpados roteirísticos do filme de Mark Webb). Lynn ajuda Chris a dar um cavalo de pau na vida e arrumar um trabalho, mas logo descobre que está grávida de um ex-namorado. Fica entre abortar a criança (sem sucesso) e dar um rumo à própria vida, já que não acredita muito que Chris vá ser um bom pai. Acaba abandonando o amado e fica com um antigo namorado que lhe propõe casamento.
Meloso demais para o diretor de Caça às bruxas, claro – mas boa parte do filme, que já esteve inteirinho no YouTube, mostra o quanto Romero havia crescido como diretor de comerciais antes de encarar os filmes de terror. O filme se tornou um filho feio de Romero, que não chegou a manter a produção na moita, mas também não demonstrava tão boa vontade assim com o filme. Em entrevistas, já chamou There’s always vanilla de “uma bagunça do cacete” e “meu pior filme”. Em dias de melhor humor, disse que não houve nem muito cuidado com a distribuição. “Foi lançado por um distribuidor pequeno”, afirmou abaixo.
No vídeo abaixo, ele dá uma solene amarrada na cara quando tem que falar do filme, dizendo que ele foi visto por poucas pessoas. “Não sei o que meus fãs de hoje em dia tirariam desses filmes, não vejo nada do meu estilo ali”, conta. “Nunca nem falei muito dele porque nem é um filme ‘meu’, foi escrito por um amigo. Teve um monte de problemas, todos nós tínhamos visões diferentes sobre como ele deveria seguir. Não foi divertido trabalhar assim mas adorei trabalhar com o cast e foi uma experiência de muito aprendizado”, contou.
Olha o trailer aí.
Aqui tem cenas do filme
Ah sim: o nome do filme (“sempre haverá baunilha”) vem de um papo meio sequelado entre Chris e seu pai sobre sorveterias, em que o roteiro tenta emplacar um bordão na base do “amar é jamais ter que pedir perdão” (do dramalhão Love story, de 1970). Laine, o protagonista, fez papéis pequenos em filmes até 2000, quando morreu. Judith Ridley deu entrevista para um canal de cultura nerd do YouTube recentemente e confessou que tem medo dos Muppets (!).