Cultura Pop
Smokey: glam rock assumidamente gay dos anos 1970
A vida de John Condon foi bem diferente da realidade da maioria dos astros do glam rock. O criador do Smokey, pouquíssimo conhecida banda de rock dos anos 1970, foi expulso de casa quando adolescente, por ter se assumido gay ainda bem novo. Foi morar num quartinho alugado em cima de uma boate no Baltimore, onde não tinha nem um banheiro exclusivo. Conseguiu fazer amizades entre os hippies e a turma que protestava contra a Guerra do Vietnã, anos depois de ter sido expulso de várias escolas e de não encontrar compreensão nem mesmo na sua família.
Condon também ficou próximo de Vince Treanor, tour manager dos Doors, e acabou assistindo a uma das últimas excursões da banda. Viu até o show do grupo na Ilha de Wight. Treanor acabou apresentando Condon a um amigo, EJ Emmons, com quem o músico iniciou um relacionamento amoroso e profissional. O Smokey nasceu aí.
Se você nunca tinha escutado falar do Smokey, não esquente a cabeça: o grupo é underground até demais em se tratando do glam rock dos anos 1970. O Smokey conseguiu até alguns fãs famosos, como James Williamson (Stooges) e Joan Jett – que chegou a, diz Condon, implorar para tocar com a banda, mas ainda era menor de idade. Randy Rhoads, adolescente, chegou a ser guitarrista do Smokey em 1975 por algumas semanas. Acabou saindo para se dedicar mais à sua banda Little Women, que naquele mesmo ano viraria Quiet Riot.
Randy Rhoads adolescente, em foto que, diz o Facebook, foi tirada por Condon
O grupo foi rejeitado por várias gravadoras porque a temática das letras era afrontosamente gay – e isso na época em que David Bowie cantava músicas como John I’m only dancing. A discografia do Smokey (que, de fato, virou um pseudônimo homem-banda de John Condon) acabou lançada por um selinho criado por Condon e EJ, a S&M Records. Uma zoação cruel com a A&M Records, de Jerry Moss e Herb Alpert, muito embora o nome seja uma referência ao sadomasoquismo de algumas letras do Smokey.
Olha aí o primeiro single, Leather, inspirado pelas roupas de couro que eram usadas nos bares LGBT da época. Saiu em 1976, um ano tão maluco para o Smokey que o grupo acabou até abrindo um show para o Van Halen, então uma banda iniciante, mas que já tinha os executivos da Warner na plateia.
Outro single, de 1978, Topaz. Era una espécie de revisão glam da música negra dos anos 1960. Teria tudo para vender muitos discos, mas nunca rolou.
Uma música que poderia ter sido relembrada quando, há alguns meses, nosso presidente Jair Bolsonaro decidiu popularizar a prática do golden shower: Piss slave, faixa do Smokey lançada em 1979. Emmons contou numa entrevista à Vice que essa música chegou a ser tocada numa boate. Assim que o DJ começou a tocá-la, ela fez sucesso, até que surgiram versos como “quero ser seu escravo do mijo”, “quero beber seu xixi”, “quero sentir seu xixi descendo pela minha garganta”. Deu ruim, a pista esvaziou e o DJ passou para outra faixa.
Million dollar babies, uma canção sobre a relação entre caminhoneiros e garotos de aluguel, era a zoação que faltava com Billion dollar babies, de Alice Cooper. No auge do não-sucesso, John Condon chegou a encontrar com ninguém menos que David Geffen, então montando sua multimilionária gravadora Geffen… e vomitou em cima dele.
A única novidade no front do Smokey é que o grupo foi redescoberto faz um tempinho – e Condon e Emmons, pelo menos até uns três anos atrás, continuavam unidos. Em 2015 saiu o CD How far will you go?, compilando as gravações do selo S&M feitas entre 1975 e 1981. Leather, Piss slave e várias outras estão ali.