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Sleep Tales: um selo que lança música para fazer você dormir
Uma gravadora especializada em música para dormir. É a proposta do selo brasileiro Sleep Tales. A gravadora surgiu por sinal das noites insones de seu próprio fundador, Daniel Sander, que criou uma playlist, a Lo-Fi Sleep, Lo-Fi Rain, para ajudar no seu próprio sono. “Desde antes da pandemia eu sempre tive insônia e sempre fui muito ansioso”, explica ele, que como produtor musical, usa o pseudônimo colours in the dark para criar sons na área do lo-fi, estilo musical eletrônico e relaxante.
A playlist (que você confere mais abaixo) fez sucesso. São 300 mil seguidores ao redor do mundo e média de 40 milhões de streamings por mês, numa época em que mais de cem mil pessoas, só aqui no Brasil, vão mensalmente ao Google buscar “música para dormir”. Animado com o retorno dos ouvintes e com quantidade de produtores que curtiam o fato de suas músicas estarem na playlist, Daniel criou o selo e agora, conquistou uma parceria com a ADA, a distribuidora internacional do Warner Music Group. A primeira compilação da gravadora está a caminho.
O lo-fi é o principal estilo musical da gravadora no momento, mas não é tudo que a Sleep Tales pretende fazer. “Ainda esse ano queremos implementar outros tipos de música pra dormir, e também músicas de relaxamento”, explica Daniel na conversa abaixo.
A ideia de fazer um selo especializado em música para dormir surgiu da pandemia ou já era algo que você imaginava antes? O que te deu o estalo para montar isso?
O selo surgiu em plena pandemia mas não por causa dela, e sim por causa de uma playlist minha que deu certo, a Lo-Fi Sleep, Lo-Fi Rain, que eu fiz curadoria especialmente para eu mesmo dormir, e que caiu no gosto de muita gente e continua crescendo. O estalo pra criar o selo veio quando percebi que a playlist estava impactando muito os produtores que viam nela uma oportunidade e uma forma de alavancar a carreira, pois perceberam que suas músicas estavam sendo ouvidas de fato por muitas pessoas. E, também, porque muitas pessoas me mandaram mensagens dizendo que estavam conseguindo diminuir a ansiedade e dormir melhor quando ouviam essa minha seleção musical. E aí eu vi nisso a chance de dar continuidade a um projeto bonito que estava acontecendo com a playlist, transformando isso numa coisa mais estruturada como um selo.
Você é um cara que costumeiramente dorme bem? Como ficou seu sono nessa pandemia, onde a vida de todo mundo virou de cabeça pra baixo?
Eu nunca dormi bem. Na verdade, desde antes da pandemia eu sempre tive insônia e sempre fui muito ansioso. A forma como eu fiz música – e que consequentemente virou playlist também – veio muito da forma como eu conseguia me expressar, pois sou um cara mais introspectivo e tranquilo, apesar de ansioso e com muita insônia. Então a verdade é que costumeiramente eu não durmo bem, uma vez a cada dois ou três dias eu não conseguia dormir direito.
Quando veio a pandemia e tudo virou de cabeça pra baixo a minha insônia não aumentou, mas a ansiedade, sim, sobretudo no período de maior confinamento, o que fez muito mal pra saúde mental de muitas pessoas. Depois foi melhorando, quando começamos a poder circular seguindo alguns protocolos. Mas o sono continuou ruim como sempre.
Daniel Sander, criador do Sleep Tales (foto: Monica Ramalho/Divulgação)
Quais são os projetos do selo para 2022, com a distribuição pela ADA? Tem uma playlist nova vindo aí, certo?
Os projetos do selo em 2022 são principalmente expandir, de forma mais abrangente, e ir além do nicho se tornou. E com a ADA, que é uma distribuidora gigante, a gente traz um frescor e uma nova cara pro gênero, contando o suporte de sua enorme estrutura, que agora vai trabalhar também o lo-fi. É importante também dizer que nós não somos um selo que pretende ficar só no lo-fi. Ainda esse ano queremos implementar outros tipos de música pra dormir, e também músicas de relaxamento. Afinal, não adianta passar o dia todo estressado e ansioso, e achar que conseguirá dormir bem apenas colocando uma música especial na hora de dormir.
Não funciona assim, pois o sono é uma consequência de como foi seu dia. Então queremos expandir isso não só pra forma como é o lo-fi hoje, mas também como uma outra forma de consumo de música instrumental mesmo, pra relaxar, pra tornar o dia mais agradável, pra superar o estresse e a ansiedade da rotina, e enfim poder dormir quando a noite chegar. Com base nessa ideia de expansão, outras playlists já estão vindo, e outros tipos de conteúdo também serão apresentados em outras redes. Tudo com uma curadoria que visa melhorar o sono através de todos os processos do dia.
Falando sobre a playlist Lo-Fi Sleep, Lo-Fi Rain: como você foi divulgando essa playlist até que ela conseguisse viralizar?
Eu criei a playlist em julho de 2020, e os primeiros seis meses de crescimento foram cruciais, e de muito aprendizado, afinal ela não cresceu 10 vezes da noite pro dia. Ela estourou mesmo a partir de janeiro de 2021, mas até chegar a esse ponto não houve um fato específico que a fizesse viralizar. Comecei com um trabalho de formiguinha: enquanto eu estava desempregado em plena pandemia, colocava um dinheirinho em anúncios pra divulgar e pra atrair um público além do orgânico do gênero.
E ao mesmo tempo eu botei a mão na massa, entrando em contato com outros produtores de lo-fi, ouvindo e conectando com novos artistas, e com artistas que também consomem lo-fi e se interessaram pelo meu estilo, e também com pessoas que passaram a entender o gênero como música pra relaxar e não apenas pra estudar, como é mais largamente conhecido. Isso sem falar dos meus queridos conhecidos e amigos que compraram muito a ideia e divulgaram bastante.
Ou seja: não foi um boom repentino, mas uma combinação de ações que fizeram com que a playlist tivesse um crescimento contínuo.
Atualmente qual a média de lançamentos do selo por mês?
Normalmente é em torno de dois álbuns, ou de um álbum e dois EPs, por mês. A ideia é sempre ter um espaço de duas semanas entre cada álbum, e de uma semana no caso do EP, que tem um número menor de faixas.
Essa coisa do bedroom pop fez com que as pessoas tivessem mais interesse em saber o que é o lo-fi e suas particularidades?
Sendo bem sincero eu não do po0r dentro da cena do bedroom pop, e de verdade eu não conheço. No caso do lo-fi, acho que não foi exatamente um estilo parecido, mas o entendimento de que hoje a realidade está muito estressante, com cada vez mais pressão para sermos produtivos, somada a muita poluição sonora e visual ao nosso redor, e a necessidade das coisas serem cada vez mais rápidas, nos deixando mais ansiosos e com dificuldades de focar a atenção.
Então acho que o lo-fi se caracterizou menos por ser um estilo em si, mas por trazer essas características jovens como as batidas do hip-hop, origem de fato do gênero, e preenchem uma lacuna que vai ajudar a acalmar e a superar as dificuldades do dia-a-dia. Mas não conheço o bedroom pop pra afirmar se teve um impacto muito grande ou não.
Um sonho seu é fazer o lo-fi e o Sleep Tales saírem do nicho original. Quais seriam os próximos passos e que lugar você imagina para o selo daqui a algum tempo?
Os próximos passos é olhar mais pro Sleep Tales, no sentido de não ser apenas um selo com uma playlist, mas um portal de conteúdo no qual divulgaremos os principais artistas e conteúdos para ajudar as pessoas a levarem uma rotina mais tranquila e menos estressante, e assim possam dormir melhor ao fim da jornada. Para irmos além do nicho original, a ideia é pegar o lo-fi, que tem muito potencial em comparação aos demais (muito por causa do hip-hop, que é jovem e não esta presente em outras músicas pra relaxar), e trabalhar ele em outras esferas para além das plataformas digitais.
No seu dia a dia de dono de selo e músico, como você lida com a qualidade do trabalho em meio aos algoritmos?
Sendo bem sincero, eu já me preocupei mais com algoritmo, porque no começo foi uma das formas de divulgação, então tive que entender bem o mecanismo por trás de cada plataforma. Mas hoje eu tenho tentado não pensar muito nisso e focar mais na qualidade do trabalho. Sempre pensei nisso, inclusive. Tem muitos curadores que acreditam que têm que ter muitos seguidores no Spotify, só que esses seguidores não significam nada se não voltam a ouvir.
E a pessoa, o ser humano, só volta a ouvir uma playlist se ela realmente gostar da playlist, né? Do contrário, ela até pode continuar ali seguindo, mas nunca mais voltar pra ouvir, e aí esse seguidor para de fazer sentido. Então, claro, o algoritmo é uma questão a ser considerada, mas tento focar menos nisso e mais na qualidade do que quero apresentar, no sentido de ser mais específico e entender exatamente o que faz as pessoas dormirem, o que faz as pessoas relaxarem, pra trazer isso nas músicas. Isso tanto como músico, como dono de selo e A&R, que cuida do artístico também. A ideia é focar na qualidade do trabalho, que é o que vai importar mais, sempre, e assim fazer com que o algoritmo seja uma consequência disso.