Cultura Pop
Sgt. Pepper’s Futebol Clube: descubra!
Pode acreditar: Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o clássico dos Beatles lançado no finzinho de maio de 1967, tinha lá seus detratores. Teve crítico que recebeu o álbum como um bolo de noiva, cheio de exageros. O jornalista e escritor Richard Goldstein, por exemplo, escreveu no New York Times que o disco era “fraudulento”. Alguns fãs consideraram a obra-prima dos Beatles um distanciamento exagerado das raízes rocker do grupo. Outros se assustaram (que horror!) com a entrada dos “tóxicos” no universo do quarteto. Aliás, como se a banda não fosse formada por quatro malandrões das ruas de Liverpool.
Agora vem cá: isso importa? Para os fãs e para mais uma porrada de gente ao redor do mundo, nem um pouco. Sgt Pepper’s, além de levar a música dos Beatles para um público novo e revolucionar o rock, não fez sombra pra ninguém. Imediatamente, o mercado entendeu o recado da “psicodelia”. E em seguida várias bandas novas resolveram incrementar seu som lançando discos cheios de efeitos de estúdio, instrumentos de orquestra, tons barrocos, melodias contemplativas e letras existenciais.
A era da inocência no rock, vá lá, tinha ficado para trás. E ecos do álbum dos Beatles podem ser escutados até na música pop de hoje. Mas na época, então, a galera ficou maluca. Olha só esses exemplos aí de gente que ouviu o galo de Good morning, good morning cantar e soube exatamente aonde.
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“THEIR SATANIC MAJESTIES REQUEST” – ROLLING STONES (1967). O principal, er, beneficiário de Sgt. Pepper’s não é unanimidade nem entre os Stones. Mick Jagger disse que o álbum é “como achar que tudo o que você faz é maravilhoso e não precisa de edição alguma”. Keith Richards disse que o grupo tinha ouvido o disco dos Beatles e seguiu a onda. “Mas nosso disco é um lote de porcaria”, detonou na lata. E isso porque é um álbum que tem canções como Citadel, 2000 light years from home e She’s a rainbow (com arranjos de cordas de John Paul Jones, futuro baixista do Led Zeppelin). Imagine se não fosse.
“THE PIPER AT THE GATES OF DAWN” – PINK FLOYD (1967). Diz a lenda que Syd Barrett e John Lennon trocaram ideias durante a elaboração do disco de estreia do Pink Floyd. Seja como for, o grupo britânico já abriu carreira discográfica encontrando o mercado preparadíssimo para um som que, em outros tempos, seria considerado esquisito demais. E o que era uma viagem alegre nos Beatles virou uma trip sem precedentes em Insterstellar overdrive.
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“AFTER BATHING AT BAXTER’S” – JEFFERSON AIRPLANE (1967). Saíram dois discos do Jefferson em 1967 – um antes e outro depois de Sgt. Pepper’s. Mas After bathing, lançado em 27 de novembro, acusou o golpe: onze canções divididas em quatro “movimentos”, efeitos de gravação, faixas que funcionavam como pequenas viagens (Wild tyme, Watch her ride, a quilométrica Spare chaynge). Vendeu menos que o antecessor, Surrealistic pillow, mas mostrou que nada seguraria o Jefferson Airplane. E igualmente nada esfriaria a animação dos fãs fiéis.
“PISCES, AQUARIUS, CAPRICORN AND JONES LTD.” – MONKEES (1967). Saiu em novembro e foi um dos discos responsáveis pela entrada definitiva da psicodelia no universo pop. So que num esquema mais próximo da linguagem dos desenhos animados e das séries adolescentes (opa, o território dos Monkees). Apesar da banda estar em franca escalada de independência, músicos de estúdio ocupam quase todo o disco. Star collector arrumava espaço para o sintetizador moog no rádio.
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“DAYS OF FUTURE PASSED” – MOODY BLUES (1967). Considerado o “primeiro” disco do rock progressivo por muita gente séria, o segundo álbum da banda britânica nem precisa forçar a barra para exibir as influências de Sgt. Pepper’s. Basicamente uma banda de r&b, o Moody Blues tinha interesse em combinar rock e paisagens orquestrais, e viu em seu selo, Deram, a mesma vontade de unir as duas coisas. Mas deu certo, e Nights in white satin virou clássico.
“SMILEY SMILE” – BEACH BOYS (1967). Chega a ser sacanagem colocar esse disco aqui, já que os Beach Boys foram influenciadores de Sgt Pepper’s com Pet Sounds (1966). O abortado Smile poderia ter adiantado várias ideias que já estavam em Sgt. Pepper’s, mas sem o mesmo potencial de comunicação. Restou a Brian Wilson & cia tentar remediar lançando parte do material em Smiley smile, que teve o single Good vibrations empacotado junto com estranhas loucuras como Wonderful, Vegetables e Heroes and villains.
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“THE WHO SELL OUT”- THE WHO (1967). Fizemos recentemente um texto enorme sobre esse disco, que marca o namoro do Who com a psicodelia e os discos conceituais. Um dos mais criativos discos da história do rock, com final doidão a la Sgt Pepper’s e ironia fina.
“ODESSEY AND ORACLE” – ZOMBIES (1968). Lançado quando a banda já havia se separado, crente de que o novo disco seria um fracasso, Odessey usou em várias músicas o mesmo gravador de quatro canais que os Beatles usaram em Sgt. Pepper’s, um ano antes – além do mesmo mellotron que John Lennon tocou nas gravações. Ressurgiu no mercado por insistência da CBS americana, que descobriu o álbum e finalmente o lançou nos EUA. É o disco de Time of the season.
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“ELECTRIC LADYLAND” – THE JIMI HENDRIX EXPERIENCE (1968). Tudo de Jimi é, mais do que herdeiro de Sgt Pepper’s, herdeiro de um espírito psicodélico que influenciava todas as formas de arte e comunicação nos anos 1960. Em seu terceiro disco, ele investia em guitarra, baixo, bateria e pouquíssimos instrumentos extra – tudo exaustivamente produzido e gravado com apuro técnico. Uma das maiores obras-primas dos anos 1960.
“OGDEN’S NUT GONE FLAKE” – SMALL FACES (1968). O grupo mod britânico fez mais do que seguir a moda da época: adiantou a febre de óperas-rock e discos conceituais com o lado B de seu terceiro álbum, que trazia um conto de fadas rocker chamado Happiness Stan, sobre um garoto que busca o outro lado, perdido, da meia-lua. A doidaralhaça e alegre Lazy sunday fez sucesso.
“MUTANTES” – MUTANTES (1969). Todos os álbuns do grupo paulistano podem ser considerados herdeiros de Sgt. Pepper’s. Escolhemos o segundo disco porque… porque… Bom, porque é o melhor disco da primeira fase da banda, além de ser um dos LPs de Rita, Arnaldo e Sérgio que mais trazem heranças do período lisérgico dos Beatles. Tem o clima saloon (herdado de Lady Madonna) de Rita Lee, o tom misterioso da versão de Banho de lua, o bom humor de Não vá se perder por aí, e muita coisa que poderia estar nos primeiros discos do Pink Floyd (Mágica é quase Syd Barrett em português). Além da beleza orquestral de Caminhante noturno.
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“LA CONFERENCIA SECRETA DEL TOTO’S BAR” – SHAKERS (1968). O melhor exemplo de um Sgt. Pepper’s latino, feito por uma banda uruguaia que gravava na filial argentina da Odeon (representante da EMI dos Beatles). Cantado em inglês, apesar do título, unia influências de rock sessentista, lisergia beatle, sons latinos (tem uma música chamada Candombe) e tons quase progressivos. O cantor e guitarrista Hugo Fattoruso se radicou no Brasil nos anos 1980 e tocou com Milton Nascimento, Hermeto Pascoal e vários outros.
“THE LEFT BANKE TOO” – THE LEFT BANKE (1968). Precursores da onda Sgt Pepper’s (o primeiro disco é de fevereiro de 1967) esses novaiorquinos faziam “pop barroco” e “Bach rock”. O segundo disco trazia como atrações vários singles de peso (como Dark is the bark), o lançamento de um novo estilo musical (o sunshine pop, que unia os herdeiros das harmonias vocais dos The Mamas & The Papas) e, nos backing vocals, a participação de um vocalista desconhecido, Steven Tyler (o próprio).
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“THE GENUINE IMITATION LIFE GAZETTE” – THE FOUR SEASONS (1969). Incrível: até mesmo a banda liderada por Frankie Valli, do hit Can’t take my eyes of you, aderiu à febre, com dois anos de atraso. O álbum, nada menos que o 15º (!) do grupo, largava temas românticos de lado para falar de guerras, racismo, existencialismo e religião. A capa, que imitava um jornal, tinha um visual que depois seria visto em Thick as a brick, do Jethro Tull.
“RONNIE VON” – RONNIE VON (1969). A virada psicodélica de Ronnie foi incompreendida por antigos fãs – alguns estavam convencidos de que aquilo era só a tentativa do cantor de se aproximar dos cabeludos tropicalistas. André Midani, chefão da Philips, deixou o cantor gravar aquele disco maluco, mas deixou claro que “com radicalismos eu não iria a lugar algum” (disse Ronnie). O quarto disco do popstar niteroiense demorou até ser descoberto (só seria resgatado lá pelos anos 2000), mas virou outro clássico pós-Sgt Pepper’s.
“ERASMO CARLOS E OS TREMENDÕES” – ERASMO CARLOS (1970). A carreira do Tremendão já seguia em direção ao pop mais elaborado em discos anteriores, mas aqui ele foi longe demais. Tinha rock regressivo de brincadeira (Estou dez anos atrasado), toada jorgebeniana (Gloriosa), soul-rock psicodélico (Jeep) e uma orquestra no estúdio para tocar uma versão malandra de Aquarela do Brasil (Ary Barroso). E os hinos Sentado à beira do caminho e Coqueiro verde.