Entrevista
Entrevista: Sepultura – “Nosso disco novo não é nem ao vivo, nem de estúdio”
Andreas Kisser, guitarrista do Sepultura, não dorme na mesma cama por muito tempo “desde 1988, 1989, por aí”, já que a banda esteve em turnê desde o final dos anos 1980. A vida na estrada cortou a regularidade da vida pessoal dele e de seu amigo mais antigo na banda, Paulo Jr (baixo) – e o mesmo aconteceu com Derrick Green (vocal) e Eloy Casagrande (bateria). Mas a pandemia, por sua vez, acabou com a regularidade de shows, obrigando a banda a inovar, criando um encontro semanal com convidados, a SepulQuarta, no YouTube. SepulQuarta, o novo disco, repleto de feats extraídos justamente desses encontros, vem dessa necessidade de apresentar algo novo para os fãs e para a própria banda.
“Nós provamos que uma banda pode existir sem o palco, sem uma turnê. Na minha cabeça, isso parecia impossível. Tivemos que reinventar o que é ‘ser uma banda’. Imagina: a gente perdeu o tour bus, o camarim, os ensaios. Mas vimos que uma banda é muito mais do que apenas um show em si. Acabou que o SepulQuarta foi nosso tour bus, nosso camarim”, diz em coletiva de imprensa online o guitarrista, que recebeu nos bate-papos pandêmicos uma turma que incluía vários nomes que estão no disco SepulQuarta, como Scott Ian (Anthrax), Danko Jones, Angélica Burns (Hatefulmurder), Mayara Puertas (Torture Squad), Fernanda Lira (Nervosa, Crypta), João Barone (Paralamas do Sucesso) e Charles Gavin (ex-Titãs). Além deles, rolaram durante a série conversas com nomes como Gastão Moreira, João Gordo e Ney Matogrosso.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Guilherme Arantes: “Meu próximo disco vai ser o meu ‘The Wall’”
As participações foram gravadas à distância e mixadas posteriormente. A banda diz que não houve muita dificuldade técnica, mesmo no caso da releitura de Ratamahatta (do disco Roots, de 1996) que contou com Eloy, Gavin e Barone nas baterias. No caso, cada baterista gravou de uma forma bem diferente: Eloy em seu estúdio, João Barone em estúdio caseiro com a ajuda do filho e Charles Gavin numa chácara, durante uma viagem com a família. “A gente montou um grupo de WhatsApp para contar como estava sendo o processo de gravação. O Charles contou que as filhas dele levaram o instrumento para uma montanha na chácara dele. Usamos o áudio de um vídeo que ele mandou”, diz o baterista.
“Foi tudo bem equilibrado. O Eloy lidou bem com o fato de não estar todo mundo junto. O disco não é ao vivo nem de estúdio, porque é cada um na sua casa”, brinca Andreas. Ele e Paulo ficaram particularmente felizes com a presença de Phil Campbell, guitarrista do Motörhead, tocando guitarra numa re-releitura de Orgasmatron, da banda britânica (o grupo já havia relido essa música no clássico álbum Arise, de 1991). “Ele é o compositor da música, Orgasmatron foi o primeiro disco do Motörhead que ele fez. Essa banda sempre foi especial na nossa história”, conta o guitarrista.
“E nosso nome foi tirado do Motörhead”, complementa Paulo (o nome Sepultura veio da canção Dancing on your grave, do grupo liderado por Lemmy Kilmister). Derrick tem lembranças ótimas do trabalho com Danko Jones, na música Sepulnation. “Foi diferente de qualquer outro convidado. A música do Danko é mais baseada no rock’n roll, foi realmente cool ouvir a versão dele. Ele é um grande fã do Sepultura e a voz dele é muito dinâmica. Uma das minhas favoritas”, afirmou.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Nico Rezende: “Sempre tive essa veia pop, mas com um pé na MPB”
A pandemia impediu a divulgação de Quadra, mais recente disco de inéditas do Sepultura (2020). “A gente nem tá lançando um disco novo, a gente queria muito divulgar o Quadra“, conta Andreas, que está em São Paulo, trancado em casa desde março do ano passado. Eloy também está na capital paulista, Derrick está nos EUA e Paulo ficou com a mãe e a irmã em Belo Horizonte.
“Estávamos com uma turnê pronta para sair e cancelamos tudo. Para criar o SepulQuarta (as lives) usamos os limites impostos pela pandemia. A ideia foi manter contato com os fãs e entre a gente. Vimos que já tinha vários músicos fazendo isso. O Metallica fez as Metallica Mondays, colocando shows completos no streaming, o Charlie Benante (Anthrax) também fez coisas”, diz. “Foi um trabalho de equipe, cada um ligou para o convidado com quem tinha mais amizade. Os fãs se inscreveram na página, continuaram comprando merchandising. Foi preciso muita positividade, todo mundo tentando fazer acontecer”.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Rita Lee & Roberto para dançar, vol. 3
O Sepultura prepara a volta aos palcos para o dia 4 de novembro, com um show em Copenhague, na Dinamarca. Mas tudo depende das condições serem boas para a banda, para os fãs e para todo o mundo. “A gente nem tá criando muita expectativa, tá dependendo de muita coisa. Adiamos a turnê americana duas ou três vezes, a da Europa ainda está de pé. Mas não sei se vai acontecer. Não tem nada muito garantido, vai depender das leis dos países…”, conta Andreas, que aliás está irritado com a gestão do governo brasileiro em relação à pandemia.
“A gente não teve uma liderança”, diz. “Aliás, só teve desinformação, falta de respeito ao lidar com assuntos que não são da cabeça do presidente, mudança de ministério toda hora. Não vi nada que fosse bom, e a gente ainda tá pegando uma CPI por consequência de um não-trabalho, no meio da pandemia, e nem metade da população foi vacinada ainda”.
Foto lá de cima: Marcos Hermes/Divulgação