Cultura Pop
Sandie Shaw, Morrissey e The Smiths: aquele caso de amor
A cantora pop britânica Sandie Shaw, hoje aposentada aos 76 anos, vale um texto só para ela aqui no Pop Fantasma. Até mesmo para relembrar um curiosíssimo álbum lançado por ela em 1969, Reviewing the situation. O pop adolescente lançado por ela em singles anteriores saía de cena para que Sandie fizesse uma “adesão” ao rock moderno, tornando-se a primeira pessoa a fazer uma cover do Led Zeppelin (a recém lançada Your time is gonna come) e relendo até Sympathy for the devil, dos Rolling Stones. Antes, entre 1964 e 1967, ela tivera hits como Puppet on a string e (There’s) always something there to remind me, que venderam bem e a transformaram numa espécie de namoradinha da Inglaterra. Ainda mais quando ela se tornou a primeira britânica a vencer o festival Eurovisão.
Mas o que interessa é que, nos anos 1980, ela recebeu uma carta de dois jovens músicos, fãs dela: ninguém menos que Morrissey e Johnny Marr, então lançando os Smiths. Na carta, os dois se diziam admiradores e a incentivavam a retomar a carreira, numa época em que Sandie estava bastante afastada de seu público antigo, mas nem estava tão desaparecida assim. Vinha tendo singles relançados e tinha até gravado um disco “de retorno”, Choose life (1983) e feito uma participação num show dos Pretenders, banda de sua amiga Chrissie Hynde. Em todo caso, ela ficou tão tocada pela carta dos dois, que acabou gravando um single com Hand in glove, hit dos Smiths, em 1984. Com o trio Johnny Marr, Andy Rourke e Mike Joyce no acompanhamento.
Olha aí a versão dela, que acabou saindo pelo mesmo selo da banda, Rough Trade, com outra de Morrissey e Marr, I don’t owe you anything, no lado B.
Isso aí é o topetudo Morissey dando uma curta entrevista ao lado de Sandie na TV. A troca de cartas entre os dois vira assunto do papo.
Em 14 de abril de 1984, Sandie tomou o lugar de Morrissey e liderou os Smiths numa gravação na BBC. O áudio do encontro tá aí.
E finalmente, olha Sandie e os três instrumentistas dos Smiths defendendo Hand in glove no Top of the pops, da BBC. Sinal de sucesso – era o equivalente ao Globo de Ouro por lá.
O contato com os Smiths fez Sandie se reencontrar com seu público e deu a ela certa intimidade com seus novos parceiros. Até para dar uma zoada neles. Ou, enfim, para encontrar neles um certo alívio cômico, talvez causado pelo excesso de exposição das virtudes do grupo na mídia durante os anos 1980 (se você se acostumou com o desprezo que Morrissey vem recebendo hoje em dia de muita gente, acredite: no auge dos Smiths ele era visto como um semideus, e Johnny Marr não ficava atrás).
Em 1986, ela foi brevemente contratada pela Polydor e gravou um single com Are you ready to be heartbroken, de Lloyd Cole. E no lado B, ora vejam só, havia Steven (You don’t eat meat), uma… bom, sites como a Far Out apostam que não se tratam de uma homenagem ao vegetariano Steven Patrick Morrissey. A letra tem versos como “você não come carne/mas você come seu coração, Steven/é hora de se vingar, eu vou compensar você” e “você veio da rua/rei da terra prometida/você me ofereceu seu coração/eu peguei sua mão”.
No mesmo ano, Sandie lançou outro single pela Polydor, com Frederick, de Patti Smith no lado A e Go Johnny go, no lado B. O Johnny da música, ao que consta, é o Johnny Marr ocupadíssimo e metido a popstar do final dos Smiths.
Em 1988, Sandie gravou um álbum pela Rough Trade, Hello angel. Um disco de extrema importância por vários motivos: foi seu último lançamento, trouxe na ficha técnica um sem-número de nomões do rock independente britânico (colocando, enfim, a cantora na cena) e ainda trouxe uma inédita de Morrissey e Marr, Please help the cause against the loneliness, numa época em que os Smiths já nem mais existiam. De lá para cá, ela não gravou mais nada. Mas vale dizer que Morrissey já foi visto (em sua autobiografia lançada em 2013) resmungando que sua ex-amiga não tinha sido lá muito grata ao quarteto de Manchester – o cantor diz que a artista reclamou da colocação nas paradas quando gravou Hand in glove, por exemplo. A história não acabou bem, parece.