Cinema
Um filme sobre Remo Usai, o grande músico do cinema brasileiro
“A música é arte. Ela não é ditatorial. Ela não impõe condições. Ela propõe emoções”. Dá um nó na garganta ver Remo Usai, então um senhor de 80 anos, dizendo essa frase logo no começo do curta Remo Usai – Um músico para o cinema, dirigido por Bernardo Uzeda em 2008, e que foi foi vencedor do Festival É Tudo Verdade, naquele ano, na categoria melhor curta metragem.
Remo, caso você nunca tenha ouvido falar dele, foi simplesmente o maior compositor de música de cinema do Brasil – durante vários anos, foi praticamente o único autor de música para as telonas no país. Morreu aos 93 anos, na quarta (9), deixando uma obra enorme, que passou um bom tempo tentando organizar em casa, mexendo em velhas fitas com as gravações das músicas que havia composto.
Entre os filmes para os quais ele compôs trilhas, estão clássicos como Assalto ao trem pagador (1962), de Roberto Farias, Boca de Ouro e Mandacaru vermelho, de Nelson Pereira dos Santos. Seu trabalho passou pelo cinema novo, pelos filmes dos Trapalhões (O trapalhão nas minas do Rei Salomão, de 1977, tem músicas dele) e por sucessos como O caso Cláudia, de Miguel Borges.
Ainda assim, Remo precisou brigar muito para receber o dinheiro dos direitos de execução de suas músicas no cinema e na televisão. Segundo uma matéria do jornal O Globo, a disputa dele com o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) durou quase 40 anos, e só em 2021 o músico recebeu o pagamento de cerca de R$ 3,5 milhões.
O filme de Uzeda pode ser visto no Vimeo. Remo aparece tocando piano e dando depoimentos sobre sua vida e carreira – logo nos primeiros minutos, recorda quando foi à Califórnia ainda tropeçando no inglês, estudar música de cinema com Miklos Rosza. Hernani Heffner, gerente da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM-RJ), um dos entrevistados do documentário, recorda que Remo se destacou pelo pioneirismo, por ter aparecido na história da música para cinema e mostrado como realmente se compunha para a tela grande.
“Quando ele surge e diz: ‘Não é assim que se faz, tenho que ter uma maior precisão, tenho que encaixar meu trabalho dentro da narrativa’… Isso realmente soou muito estranho. Mas como ele deu as soluções, as pessoas se encantaram com ele”, recordou Hernani, lembrando também que mudanças no cinema nacional afastaram Usai do trabalho. Remo lembra com ironia essa época de pouco trabalho (durante a qual foi dar aulas e palestras), dizendo que “apareceu gente nova, muitos diretores morreram, e assim acabou: o Remo morreu”, afirmou.
Aqui no Pop Fantasma, não é um hábito nosso fazer obituário, mas eu tenho um grande orgulho de ter entrevistado Remo Usai para o Jornal do Brasil, numa matéria que saiu no dia 31 de julho de 2008, e que pode ser lida no site da Biblioteca Nacional. Não fui à casa dele (Felipe O’Neill, o fotógrafo, foi lá) e bati o papo por telefone. A matéria anunciou o filme de Uzeda (que também falou comigo). Usai guardava no apartamento onde vivia com a mulher, no Cosme Velho, “cinco décadas de história do cinema nacional”. Eram mais de 200 trilhas que, esticadas, davam “40 quilômetros de fita”, e que ele tinha acabado de recuperar antes que todo o material fosse perdido para o mofo.
“Não quero que esse material se estrague. Gostaria que o Ministério da Cultura ou alguma empresa ajudasse a preservá-lo”, contou Usai, que parte num momento muito triste da cultura brasileira.