Cultura Pop
Relembrando: The Psychedelic Furs, “Forever now” (1982)
Da zona ao quase pop, da zoeira quase punk ao clima de “deu certo” – tanto que o terceiro álbum da banda londrina The Psychedelic Furs acabou se chamando “pra sempre, agora”, dando a entender que aquilo ali, se tinha sido uma brincadeira, virou coisa séria. Forever now é o álbum de faixas certeiras como Love my way, pérola estradeira de newwavismo quase oriental (graças a um som de marimba que domina a faixa desde a abertura), President Gas e Only you and I. Tudo surgido de um surto de profissionalismo que acometeu não apenas a banda como a CBS, gravadora do grupo, interessadíssima em descobrir quando aquela banda variada e numerosa (seis integrantes) iria parar de estourar um hit aqui e outro ali, e iria começar a vender discos de verdade e estourar nos Estados Unidos.
O começo de 1982 foi sombrio para o PF: os principais apoiadores do grupo na CBS saíram da gravadora, o produtor Steve Lillywhite (que cuidara do segundo disco, Talk talk talk, de 1981, o da primeira versão de Pretty in pink, aquela que viraria tema do filme Garota de rosa-shocking em 1985) estava indisponível. As saídas abruptas do saxofonista Duncan Kilburn e do guitarrista Roger Morris viraram o sexteto em quarteto e cortaram as asinhas experimentais do grupo de uma hora para a outra – ouvindo em especial a estreia The Psychedelic Furs (1980), dá pra ver que o som do sax transformava o grupo numa mescla melódica de Roxy Music e no wave.
Não houve exatamente pressão da CBS para que escolhessem um produtor norte-americano para cuidar de Forever now, mas a escolha da banda não podia ser mais acertada: ídolo poderoso do pop setentista, autor de clássicos como Something/Anything? (1972),Todd Rundgren “vestia” discos com uma mescla de grandiloquência, progressivismo domado e detalhismo pop. Fez de Forever now, mais do que tudo, um disco que dialogava com as paradas de sucesso, e que tinha a “coisa” americana que fazia bandas britânicas chegarem lá, ou quase lá. Todd já era fã da banda e a união deu certo, embora a banda ainda tivesse que se descobrir como quarteto. Richard Butler, (vocais), John Ashton (guitarras), Tim Butler (baixo) e Vince Ely (bateria) foram sentindo aos poucos que, mais do que uma banda fazendo um terceiro disco, eram um novo grupo, com novos objetivos.
Todd mudou esquemas já estabelecidos da banda: impôs horários para encerrar os trabalhos (queria fechar o estúdio sempre cedo), ordenou o fim da bebedeira nas gravações, pôs cordas, marimbas e overdubs no disco, ensinou Butler a cantar de maneira mais suave. Ao que consta, o cantor, que adorava gravar vocais de noite, sofreu com os horários de Todd – a equipe precisou vedar as entradas de luz da sala de gravação para fazer com que ele ficasse à vontade para soltar a voz. President Gas, música sobre políticos que se evanescem e quase não existem, foi repetida diversas vezes até que o produtor ficasse satisfeito – há quem diga que Todd mixou todos os vocais gravados por Butler, picotados.
Forever now, a faixa-título de abertura, já mostra o quanto o produtor havia mudado a banda, com entrada triunfal unindo guitarras e synths. Only you and I, pós-punk robótico lembrando U2, começa com cordas discretas emoldurando os ruídos de guitarra. Tramas de sintetizadores e metais davam uma cara moderna e quase soul a Danger, uma das melhores do álbum. Gravando no estúdio de Todd em Woodstock, os Furs ainda contaram com uma dupla clássica que havia cantado em Electric warrior, disco mais clássico ainda do T. Rex: Flo & Eddie fazem os backing vocals de faixas como Love my way.
A história dos Furs nunca foi marcada pela tranquilidade – tanto que a banda se tornaria um trio pouco depois de Forever now. O excelente Mirror moves, quarto disco, de 1984, seria inteiramente gravado nos Estados Unidos, e teria produção feita por um ex-pupilo de Giorgio Moroder, Keith Forsey. Fez mais sucesso e tornou o Psychedelic Furs um grupo queridíssimo pelas college radios, quando elas ditavam a moda. O sucesso da trilha de A garota de rosa-shocking decuplicou a fama do grupo, mas os Furs até hoje têm um jeitão de “aquela banda que só eu conheço”. Mesmo que muita, mas muita gente mesmo, conheça.