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Relembrando: Sparks, “Kimono my house” (1974)

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O Pop Fantasma já observou Kimono my house, terceiro disco dos Sparks (uma das bandas preferidas da nossa discoteca) sob os mais diversos aspectos. Mas nunca tinha feito um texto especificamente sobre o álbum – que acabou ficando para bem próximo do seu aniversário de 50 anos. Liderada pelos irmãos Russell (o vocalista extrovertido) e Ron (o tecladista sorumbático) Mael, essa banda já tem uma carreira de mais de cinco décadas, mas o Brasil insiste em ignorar a trajetória deles. Que por sinal é cheia de detalhes pitorescos, como bem pedia a era do glam rock e toda a esquisitice (no bom sentido) daqueles tempos pré-punks.

Para começar, apesar do jeitão de grupo britânico ou novaiorquino, eles são de Los Angeles. Quando eram uma banda de verdade (com guitarrista, baixista, baterista) e se chamavam Halfnelson, chamaram a atenção do produtor Todd Rundgren e do selo Bearsville Records (do empresário-de-Janis-e-Dylan Albert Grossman). Lançaram lá o primeiro disco, Halfnelson (1972), mas acabaram resolvendo mudar de nome para Sparks. Muita gente pensa que o nome foi tirado de Sparks, tema instumental de Tommy, ópera-rock do Who. Mas a ideia da dupla foi fazer um trocadilho com os irmãos Marx.

  • Mais Sparks no Pop Fantasma aqui.
  • E aqui, um “descubra agora” bem completo com a carreira deles.

A definição mais tranquila que qualquer pessoa pode dar para os Sparks é glam rock. Afinal, eles despontaram para o sucesso na mesma era de David Bowie e Marc Bolan, contavam com a atuação de palco espalhafatosa de Russell, e lançavam canções operísticas como Amateur hour. Bom, não apenas isso, mas também. A dupla, que adorava inserir referências intelectualizadas em suas músicas (antigos musicais, obras de Shakespeare, etc), abusou do pioneirismo: os dois já faziam new wave e pós-punk alguns anos do próprio punk surgir.

O terceiro disco, Kimono my house (1º de maio de 1974) traz a dupla de irmãos – acompanhada do baixista Martin Gordon, do guitarrista Adrian Fisher e do baterista Norman “Dinky” Diamond – totalmente focada na criação de uma noção muito particular de música pop. Que incluía letras shakespearianas (a tragicômica Here in heaven é uma carta de Romeu para Julieta assim que ele chega no céu e descobre que a amada desistiu do pacto de morte), teclados herdados das eletronices alemãs (como no hit This town ain’t big enough for both of us), recordações de antigos nomes do cinema americano (a atriz e cantora Rosemary Clooney, tia do ator George Clooney, e cujo hit Come on-a my house inspirou o título do álbum), letras irônicas e meio safadas (Falling in love with myself again é auto-explicativa).

Havia também ecos do som da Motown na dançante Talent is an asset, a mistura de beleza beatle e grandiloquência herdada do ABBA na gozadora Hasta mañana monsieur (cuja letra narra um date furado e marcado por ruídos na comunicação), o tom cartoon da agitada Amateur hour (o segundo single do disco, que lembra um pré-B-52’s ou pré-Devo), o clima de paródia de Thanks God it’s not Christmas. O Sparks não tinha nada de progressivo e soava como uma afronta a bandas como Yes e Emerson, Lake & Palmer, mas muito do som do álbum veio da mais nova aquisição de Ron: o teclado RMI Electra-piano, com osciladores, sons de órgão, piano e cravo, volta e meia usado por músicos como Tony Banks (Genesis) e Rick Wakeman (Yes).

Kimono my house foi marcado por algumas mudanças na vida do Sparks. Do grupo sem rumo dos dois primeiros discos, surgiu uma banda assumidamente glam, que fizera um caminho que parecia promissor por aqueles tempos: mudara-se dos EUA para a Inglaterra e havia sido contratada pela Island Record. Em Kimono, o grupo foi produzido pelo diligente Muff Winwood – irmão mais velho de Steve Winwood, do Traffic. A nova formação de acompanhantes dos irmãos era toda do Reino Unido. Muitas bandas britânicas aproximam-se do mercado americano para tornarem-se mais radiofônicas e conquistar mais público, e com o Sparks foi bem diferente.

O sucesso chegou para os Sparks com Kimono my house, mas algo pareceu fora do lugar na sequência, com o grupo lançando mais dois LPs pela Island sem a mesma repercussão (Propaganda, lançado poucos meses depois de Kimono, foi o mais bem sucedido). A situação ficou tão complexa para Ron e Russell que em 1977, ano-chave do punk rock, só lhes restou a ironia: lançaram um disco chamado Introducing Sparks (“apresentando os Sparks”). Que não fez sucesso.

Em 1979, sucesso: Ron e Russell acharam o caminho das pedras trabalhando com o mestre da disco music Giorgio Moroder e lançando o álbum The nº1 in heaven. Já em 1983 fizeram o tema da loucura cinematográfica Get crazy (Na zorra do rock, aqui no Brasil), dirigido por Alan Arkush. A história da dupla de irmãos continua e já rendeu vários outros discos, alguns hits, e até um documentário, Sparks brothers, de 2021. Você precisa ouvir os Sparks.

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