Cultura Pop
Relembrando: Mott The Hoople, “Brain capers” (1971)
Em 1971, o futuro parecia muito torto para o Mott The Hoople. A banda de Ian Hunter (voz, guitarra), Mick Ralphs (voz, guitarra solo), Verden Allen (teclados), Pete “Overend” Watts (baixo) e Dale “Buffin” Griffin (bateria) tinha contrato com a Island, sua primeira gravadora. Mas o selo parecia não saber o que fazer com um grupo de hard rock classe operária, que parecia cada vez mais longe do estrelato. De qualquer maneira, algo iria mudar. Por algum motivo, David Bowie tornara-se fã deles, e chegara a oferecer uma música para o grupo em 1971.
Era justamente Suffragette city, que o próprio Bowie gravaria em The rise and fall of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars (1972), e da qual o Mott não gostou muito. “Era uma boa música, mas não sabíamos se era a música certa para nós”, afirmou o baixista Overend Watts em diálogo transcrito no livro Dangerous glitter, de Dave Thompson.
O grupo gravou quatro discos para a Island antes de Bowie aparecer. O produtor Guy Stevens praticamente orientava tudo o que a banda deveria fazer, e o Mott não vendia nada. Após o depressivo Mad shadows (1970), gravado só com letras e melodias sombrias porque Stevens decidiu que o LP seria assim, dispensaram o produtor e migraram para o country em Wildlife, de 1971. Um disco que Ian adorou fazer. Já Pete Overend Watts, baixista morto em 2017, odiou tanto o álbum que chegou a pedir desculpas “aos fãs que se sentiram enganados”. Essa controversa fase inicial permanece fora dos sistemas de streaming.
O jogo só virou para o Mott no ano seguinte, quando Watts, já desesperado com as mancadas do grupo, ligou para Bowie para pedir um emprego de baixista. Para a surpresa do músico, o cantor perguntou se ele gostaria de ouvir outra canção que ele havia feito para a banda. Era o futuro hit All the young dudes, que Bowie – após buscar Watts em casa, a bordo de seu Jaguar – tocou para o músico na frente do seu então empresário Tony Defries. Tony prometeu contratar a banda, tirar o grupo da Island e mudar a história do grupo liderado pelo cantor e compositor Ian Hunter. Cumpriu a promessa: o Mott seria contratado pela CBS e acumularia sucessos nos seus últimos anos de vida. Dudes viraria o maior hit da banda e ganhou ares de hino de geração.
Mas poucos meses antes dessa virada de mesa, o fracasso rondava cada passo do Mott The Hoople. Em março de 1972, já com All the young dudes na mão, mas ainda ilustres e desconhecidos, o grupo tinha resolvido encerrar atividades abruptamente após um show fedorento e fracassado num reservatório de gás em Zurique.
O problema é que a banda ainda tinha contrato com a Island e acabaria forçada pela gravadora a não encerrar atividades antes de cumprir alguns compromissos e iniciar outra turnê – que já estava agendada e financiada pela empresa. Era encarar a estrada mesmo contra a vontade, ou ganhar um processo. Rock and roll circus, a tal tour malvinda, aconteceu no mês seguinte, e trazia a banda dividindo o palco com malabaristas e o comediante Max Wall.
Na época, a parada do momento para o grupo era divulgar seu quarto álbum, Brain capers, um disco de 1971 na Inglaterra e de 1972 nos EUA, e o último pela Island. Um disco que era a cara da virada do pré-punk para o glam rock, no tom confessional que marcaria o Mott depois do contrato com a CBS, em faixas como a quilométrica The journey (“bem, eu sei que perdi um pouquinho na jornada/quando minha mente foi dividida por pequenas coisas que não se encaixavam no caminho”) e a desencantada Second love, sobre um fim de amor que Ian não vivia na época (casou-se no começo dos anos 1970 e nunca se divorciou).
O clima meio hard rock/meio pré-punk do álbum é garantido com as sacanas Death may be your Santa Claus e The moon upstairs, duas canções que, caso Brain capers tivesse vendido bem, teriam feito o numeroso público do Mott muito feliz – e vale lembrar que um dos maiores dilemas do grupo era entender porque é que o público comparecia em peso a seus shows, mas não comprava os discos. Brain capers, que por pouco quase não se chamou AC/DC, Sticky fingers, Brain haulage ou Bizarre capers, foi um fracasso até bem mais retumbante que os discos anteriores, que pelo menos ficavam em últimas colocações nas paradas de álbuns. Essa fase inicial da banda permanece fora das plataformas de streaming.
Mick Jones, futuro guitarrista do Clash e fã milenar de Ian Hunter e seus colegas (Guy Stevens, produtor e mentor do Mott, cuidaria das gravações de London calling, duplo de 1979 dos punks britânicos) recordou num documentário sobre o Mott The Hoople que havia uma peculiaridade na banda. Segundo o músico, o mais legal do grupo é que eles pareciam “uns Rolling Stones mais acessíveis”, uma banda bem mais próxima de seu público do que do estrelato. Uma banda ligada à contação de histórias, à virada rápida do fracasso para o sucesso (e vice-versa) e às verdades secretas do dia a dia.