Cultura Pop
Relembrando: Marianne Faithfull, “Broken english” (1979)
Encerrado o namoro-casamento com Mick Jagger, Marianne Faithfull, nos anos 1970, não era mais uma celebridade. A fama de “namorada drogada dos Stones” (surgida da batida policial na casa de Keith Richards, quando foi flagrada coberta apenas por um tapete de pele) e o vício em heroína cortaram suas carreiras de modelo e atriz – embora ela tenha chegado a fazer alguns filmes durante os anos 1970.
Enquanto os Stones faziam sucesso, ela chafurdou nas drogas, perdeu a guarda do filho, morou nas ruas do Soho, em Londres, e fez apenas algumas poucas aparições públicas – como a participação, vestida de freira, no especial de TV de David Bowie de 1973, 1980 floor. Marianne foi resgatada por amigos, tentou fazer alguns retornos como cantora, mas a coisa não ia para a frente. Em 1971, tentou voltar ao pop com Masques, engavetado e lançado apenas em 1985 como Rich kid blues. Em 1976 deu uma de cantora country em Dreamin’ my dreams, que também não deu muito certo – e assustou muitos fãs da antiga, já que a voz dela tinha ficado bem grave e grossa com o tempo, após anos de tabagismo e uso de drogas ilícitas. Uma aproximação dela com o punk britânico mudaria a história: Marianne casou-se com o baixista dos Vibrators, Ben Brierly, e mudou-se para um squat londrino.
O estranho Broken english, sétimo disco de Marianne (2 de novembro de 1979), veio dessa associação com o punk e a música urbana da época, com a antiga musa de Jagger contratada pela Island e manifestando o desejo de se expressar política e socialmente. Era algo bem diferente do que ela fez ou faria: a faixa-título, que abre o disco, era tão pós-punk quanto qualquer coisa do Public Image Ltd. e falava sobre terrorismo. The ballad of Lucy Jordan, um estranho conto sobre tentativa de suicídio e internação (escrito pelo compositor e dramaturgo Shel Silverstein e ligeiramente modificado por Marianne) era um country marginal, transformado num synth rock mais marginal ainda – com Faithfull cantando acompanhada apenas pelo sintetizador tocado por Stevie Winwood. Anos depois, ressurgiu em trilha de filmes como Thelma e Louise, de Ridley Scott.
Falando em Rolling Stones, temos um episódio do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, sobre o 1967 deles
A sonoridade de Broken english, marcada pelos teclados de Winwood e pela guitarra do fiel escudeiro da cantora, Barry Reynolds, fez Marianne ser definida como “a Debbie Harry dos anos 1960” e “Dolly Parton produzida por Brian Eno” (essa última afirmação, feita pela revista Smash hits a respeito de The ballad of Lucy Jordan, está bem próxima da verdade). O disco tem um propósito pop e um tom country, que surge especialmente em Witches song, a bela segunda faixa. Mas chama a atenção pelo contraste entre a imagem antiga de Marianne e sua persona nos anos 1970, com um registro vocal rouco e grave, às vezes soando como se ela estivesse ameaçada de perder a voz.
Filhote do encontro entre o pós-punk e o progressivo que marcou o fim dos anos 1970 – que deu em obras como Exposure, de Robert Fripp e The wall, do Pink Floyd, ambos de 1979 – Broken tinha ainda uma balada cuja produção lembrava os álbuns de Peter Gabriel (Guilt), um blues-rock frio que honrava a tradição dos artistas sessentistas que descobriam a crueza do punk (What’s the hurry, cuja letra é tida como referência ao abuso de heroína). E no final, Marianne sobe o tom: Working class hero, de John Lennon, ganha uma versão crua, fria e sintetizada, e o álbum encerra com um reggae pornográfico, Why d’ya do it, com letra escrita pelo dramaturgo Heathcote Williams, narrando a dor de uma mulher traída, com versos como “toda vez que vejo seu pau, vejo a buceta dela na minha cama”.
Broken english não foi um campeão de vendas, mas abriu espaço para mais dois álbuns na Island, Dangerous acquaintances (1981) e A child’s adventure (1983), meio frustrantes para quem esperava algo na linha do disco anterior. Marianne livrou-se da heroína finalmente em 1985, assinou novamente com a Island, e guiou por alguns anos sua carreira para o jazz e para a canção de fossa. Algo até mais próximo do que ela era nos anos 1960, mas sob nova roupagem.