Cultura Pop
Relembrando: Kraftwerk, “Ralf and Florian” (1973)
O Kraftwerk vem de várias histórias meio obscuras, como a suposta existência de dois grupos com o mesmo nome – liderados por Ralf Hutter e Florian Schneider quando ambos se afastaram durante um período, no começo dos anos 1970. Ou a verdadeira compilação de ruídos e composições em processo que eram os dois primeiros álbuns da banda, Kraftwerk 1 e 2 (1970 e 1971, respectivamente). Ou mesmo a gênese do estúdio Kling Klang, um ambiente que, lá pelo começo dos anos 1970, ainda era (segundo testemunhas) bem mais rascunhado e bem menos tecnológico. E ainda nem tinha esse nome, era “Kraftwerk studios” mesmo.
Autobahn, disco de 1974, é geralmente tido como o começo do namoro da banda com os sons sintetizados. Mas isso é porque geralmente todo mundo esquece de Ralf and Florian, terceiro álbum do Kraftwerk (outubro de 1973), um disco que, apesar de trazer ainda sons de flauta e guitarra, é basicamente um álbum de teclados. Conny Plank, produtor alemão que praticamente apresentou os synths à dupla, atua como engenheiro de som, enquanto Hutter e Schneider compõe, tocam e produzem.
Nem tudo no disco é sintetizador, e a dupla ainda operava bastante antigos órgãos Farfisa, o que dava ao som do Kraftwerk um enorme apelo garageiro. O próprio estúdio do grupo tinha esse aspecto – a foto da contracapa mostra Ralf e Florian compondo e gravando num ambiente que mais parece um bar descolado e rústico, com paredes ainda no tijolo, fios pelo chão e objetos espalhados.
Temos um episódio do nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, sobre a fase inicial do Kraftwerk
Ralf and Florian (que saiu até no Brasil, em 1975) não seria ainda o disco que iria mostrar ao mundo quais eram as verdadeiras intenções da banda. Mas as melodias já eram “lindas”, relaxantes e próximas do rock progressivo formal, como na abertura com a cristalina Elektrisches roulette, ou no prosseguimento com a mântrica e quase new age Tongebirge. Ou com Kristallo, que isola uma célula rítmica de funk e disco, feita com guitarra wah wah sintetizada e discretos sons percussivos.
A quilométrica Autobahn só sairia em 1974, mas dá pra ver que ela foi feita a partir de trechos escolhidos de muita coisa que o grupo fez antes dela – seja a flauta-e-teclado de Tongebirge ou o boogie experimental de Wellenlänge (do Kraftwerk 2). Ou o sambinha de Tanzmusic, música que ocupa seis minutos de Ralf and Florian, seguida pelos treze minutos da viajante Ananas symphonie. Tudo feito numa época em que o Kraftwerk dava shows pra poucas pessoas e talvez nem imaginasse que um dia estaria se apresentando em estádios ao redor do mundo. Principalmente, não imaginava que hoje em dia teria gente saindo no tapa para decidir quem influenciou mais gente, se foram eles ou os Beatles.