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Relembrando: Keith Richards, “Talk is cheap” (1988)

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Mais novo oitentão da praça, Keith Richards no fundo não queria ter estreado solo em 1988. Talk is cheap, sua estreia como cantor solo, começou a surgir em 1986, a partir de uma desavença com Mick Jagger, que lhe deu a certeza de que o futuro dos Rolling Stones estava ameaçado. Keith queria uma banda menos modista e mais purista, Mick queria que o grupo se voltasse para as novidades, e a discussão terminou com o cantor dando de ombros e iniciando turnê solo com uma banda de aluguel.

Keith ficou sozinho, mas não por muito tempo: uniu-se a Steve Jordan, um baterista que havia tocado em algumas faixas de Dirty work, o desanimador disco dos Rolling Stones de 1986 – feito numa época em que o sempre controlado Charlie Watts andava tão estressado que havia se viciado seriamente em heroína, daí a necessidade de um batera extra, que aliás toca com os Stones hoje.

Os dois começaram a compor todo o material numa onda de guitarra-e-bateria, o que acabou fazendo com que o disco se tornasse inicialmente um produto bem mais “caseiro” do que qualquer disco dos Stones. De qualquer jeito, em breve, Keith estaria acompanhado de uma banda só sua, os X-Pensive Winos, com Jordan, Sarah Dash (backing vocals), Charley Drayton (baixo, bateria), Ivan Neville (piano), o antigo saxofonista dos Stones Bobby Keys e Waddy Watchell (guitarra e consultoria de produção).

O material de Talk is cheap soa diferente-mas-nem-tanto do som dos Stones. Jordan, como fica claro até mesmo no disco mais recente do grupo, Hackney diamonds, tem batida reta e pegada mais dura que a de Charlie Watts  – é uma característica, não um defeito. No caso do álbum de Keith, músicas profundamente enraizadas no rock mais antigo e no rhythm’n blues, como Big enough e Take it so hard, soam como uma releitura quase pós-punk do som original do grupo, mas com o acréscimo de um som de baixo quase jazzístico (tocado por Jordan em Take it so hard e por Drayton em todo o restante).

Já na brilhante I could have stood you up, Keith e os Winos tocam como se estivessem nos anos 1950 e soltam as vozes como se fossem os Jordanaires, o grupo vocal de apoio de Elvis Presley. É uma mostra do quão clássico e vintage Keith queria soar nos álbuns dos Stones. A bela Make no mistake é uma balada soul na qual Keith parece imitar, de brincadeira, o vocal de Jagger. How I wish é o lado prototipicamente Stones do disco, com abertura lembrando clássicos como Start me up e Brown sugar. E se o Aerosmith é até hoje um grande chupador de Jagger & Richards, o feitiço virou de sacanagem contra os feiticeiros em It means a lot – que tem também lá seus parentescos com muita coisa do Led Zeppelin, banda que Keith sempre detestou assumidamente (apesar de curtir e respeitar Jimmy Page).

Como não podia deixar de acontecer num disco que soa provocativo no título (“falar é fácil”), as feridas das discussões com Jagger surgem aqui e ali. You don’t move me, por exemplo, é bem clara (“por que você acha que não tem amigos?/você os levou até o limite”, cantava Keith, que já foi visto dizendo que adoraria que Mick achasse umas pessoas com quem se desse bem). Struggle, idem (“estou no meio, você não é o único”, reclama). O material gravado por Richards e pela banda ainda revelaria outras surpresas, que sairiam como bônus em edições de luxe, como a jam coletiva Blues jam, e a releitura de My babe, de Willie Dixon.

Além de inaugurar de vez a carreira solo de Richards, Talk is cheap acabou, direta ou indiretamente, fazendo com os Stones tomassem vergonha nas caras e voltassem. Quase encerrando o álbum, Keith recebeu um telefonema avisando que a banda iria se reunir em Londres.

“Quando cheguei lá, nos reunimos em torno de uma mesa e eu disse: ‘Vocês estão a fim de me ferrar? Souberam que o disco está ficando bom e agora querem me ferrar?” Se pelo menos para isso o disco serviu, então não me sinto mais derrotado”, disse a José Emilio Rondeau em sua primeira entrevista a um repórter brasileiro, na Bizz, em novembro de 1988. Acabou sendo um presente duplo, já que os Stones voltariam mesmo a excursionar e lançariam o bom Steel wheels, em 1989.

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