Cultura Pop
Relembrando: Johnny Thunders, “So alone” (1978)
Drogas, escolhas equivocadas e autossabotagem marcaram a história dos New York Dolls, uma das bandas que mais aproximaram o glam rock do que seria o punk, no começo dos anos 1970. Formado por encrenqueiros e quase-marginais, o grupo que tinha Johnny Thunders como guitarrista e artífice deixava qualquer dono de gravadora morrendo de medo – mas ainda assim a banda conseguiu lançar dois álbuns pela Mercury, após o nome do grupo ir e voltar de todas as reuniões do selo.
Com o fim do grupo, bandas inspiradas pelos NYD surgiram em tudo quanto era canto, de Ramones a Smiths (Morrissey era fã). Johnny parecia ser o integrante que mais carregava em si a musicalidade e a memória do grupo, no que isso tem de bom (a dedicação ao rock cru e de poucos acordes) e ruim (vícios e atitudes pouco profissionais). O excesso de loucura atrapalhou os Heartbreakers, banda que muita gente considera o primeiro grupo punk (sem o prefixo “pré” ou “proto”) de que se tem notícia. Era o grupo que tinha Johnny, seu ex-colega de banda Jerry Nolan, mais Walter Lure e Billy Rath. L.A.M.F., único disco dessa turma (1977), saiu pela Track Records, gravadora sessentista criada originalmente apenas para gravar o discos do The Who, e que já fechava portas em meados dos anos 1970.
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De John Anthony Genzale (nome verdadeiro de Thunders) não dá para dizer que ele tinha apenas sorte – ele tinha excelentes canções, era tratado como lenda pelos punks de primeira hora, resolveu a rivalidade entre punks norte-americanos e ingleses mudando-se para Londres, e logo foi descoberto como artista solo. Em seu álbum de estreia, So alone (6 de outubro de 1978), gravado durante seis meses em sessões repletas de excessos, contava com o auxílio precioso de vários amigos.
O “tão sozinho” do título era desmentido pelas aparições de Phil Lynott (baixista e cantor do Thin Lizzy), Chrissie Hynde (voz e guitarra, Pretenders), Steve Jones (guitarra, Sex Pistols), Paul Gray (baixo, The Damned) e até o veterano Steve Mariott (piano e teclados, Faces e Humble Pie). O iniciante Steve Lillywhite, que depois trabalharia com o U2, cuidou da produção e tocou teclados.
O repertório de So alone era punk sensível, dado a sonoridades que lembravam Ramones (abria com um cover do clássico punk instrumental Pipeline) e os próprios New York Dolls (London boys, uma resposta de Thunders às provocações dos Sex Pistols na música New York). Seguia equilibrado entre esses dois lados, mas fazendo questão de pagar tributo à mescla de punk com rock clássico.
O blues-punk Subway train tinha ecos de Kinks e Rolling Stones (o registro vocal de Thunders lembrava Mick Jagger). Daddy Rollin’ stone, de Otis Blackwell, gravada nos anos 1960 pelo Who, ganhava versão no disco, assim como Give hit a great big kiss, das Shangri-Las (com nome mudado para Great big kiss, e ênfase na introdução “you’d best believe I’m in love L-U-V”, copiada pelos Dolls na introdução de Looking for a kiss.
So alone era também o disco do hard rock ramônico Leave me alone e de baladas que, no Brasil, poderiam caber bem na voz de Raul Seixas: Ask me no questions e a poderosa You can’t put your arms around a memory – por sinal, há ecos da introdução dessa música numa gravação de 1985 de Erasmo Carlos, Manchas e intrigas. Lembranças da era dos New York Dolls surgem em Downtown, parceria de Thunders com David Johansen, ex-cantor do grupo (“Não preciso de latas de cerveja/gato dormindo no chão/este é um alvo de bomba/centro da cidade”).
Thunders teve uma carreira solo de poucos discos, alguns retornos, muitas encrencas com drogas e um fim trágico. Sua morte em 23 de abril de 1991 é repleta de mistério – fala-se em overdose, surra fatal dada por ladrões de drogas e ate leucemia avançada. Sua importância no rock é lembrada até hoje, ainda que So alone permaneça um disco não tão popular.