Cinema

Quando censuraram Godard no Brasil

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Diz a lenda que a mãe do presidente José Sarney proibiu o maranhense de entrar na sua casa, se ele não proibisse o lançamento no Brasil do filme Je vous salue Marie, do franco-suíço Jean-Luc Godard (1985), e o presidente não teve outra alternativa. Em fevereiro de 1986, alegando ter base na Constituição, mas também dizendo que levaria em conta orientações do Papa João Paulo II e da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, o presidente – mesmo após um alegado “fim da censura” que rolou em seu governo – censurou o filme.

No que diz respeito ao Brasil meio medieval de 1986 (bom, hoje nem é tão diferente…), a coisa toda mexia em vespeiro: Je vous salue Marie recontava a história de Jesus Cristo no século XX. Maria (Myriem Roussel) era uma menina estudante que trabalhava no posto de gasolina de seu pai. José (Thierry Rode) era um garoto taxista. A história toda envolvia lances de traição, cenas de sexo (chocaram meio mundo) e até a aparição de um Anjo Gabriel meio deixa-que-eu-chuto, que surge para ajudar o casal quando José decide terminar tudo com Maria.

No rolo todo, muita gente nem comenta (ou simplesmente esqueceu) que Je vous ainda tinha uma história paralela sobre um relacionamento romântico entre um professor de ciências e uma de suas alunas. Por causa do filme, Godard recebeu uma carta condenatória do Papa João Paulo II, levou uma torta na cara no festival de Cannes, mas não rolou censura e, ao redor do mundo, quem quis Je vous salue Marie, teve.

Já no Brasil, o filme rendeu um falatório dos diabos e a bendita proibição. A discussão e a história do quase-lançamento do filme no Brasil não surgiram do nada. Antes mesmo do filme ganhar a canetada do presidente, ele já havia sido tirado da mostra retrospectiva de Godard que rolou no Fest Rio (que depois viraria Festival do Rio) em novembro de 1985. Pelo que deu nos jornais da época, a decisão foi exclusivamente de Wilton Figueiredo, que comprara a distribuidora Alvorada Gaumont e soube que, no mesmo pacote, adquirira o filme de Godard.

O tal “fim da censura”, comemorado no dia 29 de julho de 1985 num ato público no Teatro Casa Grande, no Rio, era só disfarce: censurou-se muito entre 1985 e 1986, peças e programas de TV eram cortados e discos de rock nacional e música brasileira vinham com a papagaiada do “a música tal tem execução proibida nas rádios”. Por acaso, numa época em que discos ainda vendiam muito, o assunto “censura ao filme de Godard” acabou vazando para o rock nacional de 1986.

O caso inspirou Igreja, dos Titãs, foi citado em Selvagem, dos Paralamas do Sucesso. Teve também Legião Urbana citando Godard em Eduardo e Mônica – mas aí era uma canção antiga da fase “trovador solitário” de Renato Russo. De qualquer jeito, em 1988, o filme foi lançado nos cinemas brasileiros, finalmente – mas a censura e a demora desidrataram a história, já que ele passou em poucos cinemas e logo sumiu do circuito.

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