Crítica
Ouvimos: Pulp – “More”
RESENHA: Se o Pop Fantasma desse nota 20 para um álbum, seria para More, retorno elegante do Pulp, com Jarvis Cocker inspirado e um disco cheio de estilo, classe e surpresas.
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O Pop Fantasma só dá notas de 5 a 10 pros discos, indo de ruim (mas audível e checável) a transcendental. Discos que mereceriam nota de 0 a 4, honestamente, são ouvidos apenas até a faixa 4, se tanto – e dispensados. Pois bem, se houvesse uma nota 20 por aqui, seria dada ao retorno do Pulp: More não é apenas um disco, é um sonho que David Bowie, Bryan Ferry, Serge Gainsbourg, Scott Walker, Leonard Cohen e Ian Curtis tiveram, e que motivou uma conversa entre os seis.
Jarvis Cocker, líder do Pulp, é uma daquelas figuras que motivam qualquer jornalista a escrever mais sobre ele do que sobre sua banda – sua póetica o torna quase um personagem de filme. Essa figuraça do rock dos anos 1990, que alcançou o sucesso tardiamente (o Pulp surgiu em 1978 e só estourou quase 15 anos depois), às vezes soa como uma versão irônica de Bryan Ferry à frente do Roxy Music. Ou como uma versão britpop do Marcelo, aquele personagem amoral e despudorado que apareceu em quase todos os filmes de Walter Hugo Khouri. Nas letras do Pulp, Cocker surge disposto a observar de forma inusitada temas como amor, sexo, envelhecimento, vida íntima, luta de classes e particularidades em geral.
More é um disco elegante, cheio de cordas, com emanações do glam rock, do chamber pop, do pop francês (em especial) e da esquina entre disco music e pós-punk – Slow jam, por exemplo, tem algo de Sister Midnight (David Bowie e Iggy Pop) e lembra os passeios da dupla pelos estúdios da França e de Berlim. O tom de faixas como Spike island e da valsa rock Farmers market, duas canções que criam a sensação de paraíso na mente, serve para trazer à memória que no Roxy Music, durante vários anos, tocaram vários artistas de rock progressivo – gente muito eficiente em criar climas.
A sonoridade de More aponta também para glam rock + easy listening (em Tina e Grown ups), sons entre o country e a música dos girl groups sessentistas (A sunrise), rock lunar e belo (Partial eclipse, cuja beleza mostra como o Coldplay reduziu o rock britânico a uma empulhação e a um mínimo reconhecível como experiência musical), mais sons elegantes e dançantes (Got to have love e o trip hop enrockado de My sex) e algo próximo de Heroin, do Velvet Underground, só que com magia e estilo (Background noise).
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Quanto às letras… Jarvis fala de amor platônico em Tina – o narrador se apaixona por uma menina que viu no trem e imagina com ela desde casamento até sexo em lugares inusitados (“transando em uma loja de caridade / em cima de sacos de lixo pretos / cheio de doações”). Grown ups faz comentários quase automáticos sobre os lados ruins e bons de crescer e envelhecer, quase sempre pela ótica do “vai ser sempre a mesma coisa?”. Got to have love, próxima do soul britânico, prega verdades como “sem amor / você só está se masturbando dentro de outra pessoa” e que “quando o amor desaparece/ a vida desaparece”.
My sex, por sua vez, causa estranheza: você não entende se Jarvis está falando de um ser agênero, ou de um tipo de ato sexual que é próprio de alguém, ou de um sexo que abarca tudo – todas as preferências, gêneros, estilos, o que aparecer. Esse clima bizarro, que gera fichas que caem às vezes vários anos depois, é a cara do Pulp, eternamente condenado a ser aquela banda do britpop que muita gente não vai gostar da primeira vez que ouvir – não tem a zoeira intelectual do Blur, o clima rocker do Oasis, por exemplo. Até que um dia você e o Pulp se esbarram, como um futuro casal que se conhece numa batida de carrinho no supermercado. Pode acontecer com More.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Rough Trade
Lançamento: 6 de junho de 2025.